
A empresa Pizarro SA, sediada em Guimarães, está a redefinir a sustentabilidade na indústria têxtil com o projeto Life Anhidra, desenvolvido em parceria com a espanhola Jeanologia e o centro tecnológico AITEX. O sistema, financiado pelo programa Life da União Europeia, permite regenerar 95% da água utilizada em processos de lavagem e acabamento, eliminando descargas de águas residuais e reduzindo o consumo energético em 15%.
O reconhecimento chegou com o Prémio Nacional de Inovação, na categoria de Tecnologia Sustentável, que, segundo a empresa, valida mais de três décadas de investimento contínuo em soluções ambientais. “O reconhecimento através do Prémio Nacional de Inovação, na categoria de Tecnologia Sustentável, representa um marco fundamental para a Pizarro. Este prémio valida décadas de investimento em sustentabilidade, que temos vindo a desenvolver desde 1992, quando implementámos a automatização das cozinhas de cor”, afirma Vasco Pizarro, diretor comercial e de marketing.
Para o diretor, esta distinção “confirma que estamos no caminho certo e motiva-nos a continuar a investir em soluções inovadoras que transformem a indústria têxtil”. O gestor recorda ainda o significado simbólico do prémio para uma empresa familiar que cresceu em torno da inovação e da responsabilidade ambiental. “Para uma empresa familiar de Guimarães que cresceu ao longo de 40 anos, este prémio posiciona-nos como referência nacional em sustentabilidade têxtil e reforça a nossa credibilidade junto de parceiros internacionais. Representa também o reconhecimento do trabalho árduo da nossa equipa, liderada pelo meu pai, Manuel Pizarro, que tem dedicado os últimos dois anos intensivamente a este projeto.”
Uma nova forma de encarar a gestão da água
O Life Anhidra marca uma viragem estrutural na forma como o setor encara a gestão da água. “O Life Anhidra representa uma mudança de paradigma na abordagem dos desafios ambientais da indústria têxtil. Desenvolvido em parceria com a Jeanologia e a AITEX, este sistema de circuito fechado elimina completamente as descargas de água, algo revolucionário numa indústria que consome anualmente 93 mil milhões de metros cúbicos de água, equivalente a 4% do consumo mundial”, sublinha o diretor de marketing.
A empresa defende que o sistema “redefine a sustentabilidade ao demonstrar que é possível conciliar eficiência operacional com responsabilidade ambiental”. E acrescenta: “Não se trata apenas de reduzir o impacto, mas de eliminar completamente as descargas, criando um novo padrão para a indústria. Esta abordagem holística prova que sustentabilidade e competitividade podem andar de mãos dadas.”
A tecnologia, testada e industrializada nas instalações da empresa em Guimarães, é capaz de tratar 50 mil peças têxteis por dia sem gerar efluentes. Segundo Vasco Pizarro, o segredo reside na sofisticação do circuito de tratamento e reutilização. “A taxa de regeneração de 95% da água é conseguida através de um sistema de circuito fechado altamente sofisticado que trata e purifica a água sem recurso a produtos químicos complexos. O sistema utiliza tecnologia patenteada que permite que a mesma água seja reutilizada durante 22 dias consecutivos.”
O processo funciona através de múltiplas etapas de filtragem e tratamento “que removem impurezas, corantes e resíduos fibrosos, devolvendo a água em condições ótimas para reutilização nos processos de lavagem e acabamento. Esta tecnologia elimina não apenas as descargas, mas também reduz significativamente o consumo energético em 15%.”
O sucesso do projeto Life Anhidra dependeu também da capacidade de transformar o conceito laboratorial numa solução industrial. Foi em Guimarães, na unidade de Brito, que a Pizarro concretizou essa transição. “A nossa unidade em Brito, Guimarães, teve o papel crucial de industrializar o conceito, adaptando e evoluindo o primeiro protótipo até chegarmos à escala industrial do Life Anhidra, servindo como laboratório de demonstração e validação”, explica o diretor comercial e de marketing da empresa.
Com 34 mil metros quadrados de área e capacidade para processar 50 mil peças por dia, a instalação funcionou como campo de teste e otimização do sistema em condições reais. “Proporcionámos o ambiente industrial real necessário para industrializar, escalar, testar e aperfeiçoar o sistema”, sublinha o responsável.
Escolha de Guimarães não foi casual
De resto, a escolha de Guimarães não foi casual. Localizada no coração do vale têxtil português, a unidade da Pizarro permitiu que outros fabricantes pudessem observar a tecnologia em funcionamento e avaliar o seu potencial. “A nossa experiência de 40 anos no sector e o conhecimento técnico da nossa equipa foram fundamentais para adaptar e otimizar o sistema às condições reais de produção.”
Mas o impacto do Life Anhidra vai muito além da poupança de água, já que “o Life Anhidra gera múltiplos benefícios ambientais. O sistema reduz o consumo energético em 15% e elimina completamente a necessidade de produtos químicos complexos nos tratamentos de água”, destaca Vasco Pizarro.
Entre as inovações mais marcantes está a valorização dos resíduos fibrosos recolhidos durante o processo de tratamento da água. “Em parceria com a AITEX, estamos a explorar a transformação destes fragmentos fibrosos em novos produtos têxteis, reforçando o compromisso com a economia circular.” Essa transformação já deu frutos concretos: “Esta abordagem transforma o que seriam resíduos em recursos, criando valor adicional e reduzindo ainda mais o impacto ambiental. Até ao momento, já conseguimos criar corantes índigo, pasta de estamparia, paletes e produtos têxteis.”
O sistema Anhidra foi projetado desde o início com um princípio fundamental: ser escalável e replicável. “O sistema Anhidra foi concebido desde o início para ser escalável e adaptável a diferentes tipos de instalações têxteis. A tecnologia modular permite ajustes de capacidade conforme as necessidades específicas de cada fábrica, desde pequenas operações até grandes complexos industriais”, explica o diretor comercial.
Essa modularidade é o que torna o modelo aplicável a nível global, reduzindo a complexidade de implementação. “A nossa experiência desde o primeiro protótipo industrial está em criar um modelo replicável que pode ser implementado globalmente. O sistema foi desenhado para integrar-se com equipamentos existentes, minimizando a necessidade de alterações estruturais significativas nas instalações, além da capacidade modular que permite a flexibilização a cada nova localização.”
A aposta num modelo de “zero descargas” trouxe, no entanto, desafios técnicos consideráveis, “particularmente na manutenção da qualidade da água ao longo de múltiplos ciclos de reutilização”, admite Vasco Pizarro. Foi necessário desenvolver protocolos rigorosos de monitorização e controlo para assegurar que a água regenerada mantém sempre as características ideais para os processos de acabamento e tingimento.
Outro desafio foi a diversidade de processos presentes nas operações têxteis. “Foi necessário otimizar o sistema para diferentes tipos de tratamentos e corantes, garantindo que a tecnologia funciona eficazmente com a diversidade de processos utilizados na nossa operação.” A adaptação não foi apenas tecnológica, mas também humana. “A formação das equipas técnicas e a adaptação dos procedimentos operacionais também exigiram investimento significativo em capacitação.”
Nem só de eficiência hídrica “vive” a Pizarro
A ambição da Pizarro não se fica pela eficiência hídrica. A valorização dos resíduos fibrosos capturados pelo sistema Anhidra pode representar uma nova frente de negócio para a empresa, ancorada nos princípios da economia circular. Vasco Pizarro sublinha que a empresa está “a investigar, em colaboração com a AITEX, como transformar estes materiais em novos produtos têxteis, corantes naturais e outros subprodutos de valor.”
O responsável acrescenta que esta linha de investigação “pode evoluir para uma nova unidade de negócio focada na economia circular, criando receitas adicionais a partir do que tradicionalmente seriam custos de tratamento de resíduos. O potencial é significativo, especialmente considerando que prevemos implementar o sistema em dezenas de instalações nos próximos anos.”
Para Vasco Pizarro, o retorno económico do projeto é já visível e manifesta-se através de múltiplas dimensões. “Só na nossa empresa poupamos 2,5 milhões de litros de água por mês, o que se traduz em reduções significativas nos custos operacionais. A eliminação de produtos químicos de tratamento e a redução do consumo energético em 15% contribuem para a viabilidade económica do sistema.”
O impacto financeiro e ambiental do modelo vai, porém, muito além das fronteiras da Pizarro SA. “Para o setor, o modelo de negócio prevê a implementação em pelo menos 36 instalações nos próximos três anos, expandindo para mais de 100 sistemas internacionalmente nos cinco anos seguintes. Esta expansão pode resultar numa poupança anual de mais de 12 milhões de metros cúbicos de água a nível global.”
Com resultados comprovados e a tecnologia validada em ambiente industrial, o próximo passo é a expansão internacional. “O nosso plano ambicioso visa implementar o Anhidra em mais de 100 unidades mundialmente nos próximos seis anos. Esta expansão representa mais de 4.500 piscinas olímpicas de água poupada anualmente”, afirma Vasco Pizarro.
O diretor comercial acrescenta que a empresa está já a negociar parcerias internacionais “com potenciais parceiros na Europa, América Latina e Ásia, aproveitando a nossa rede internacional de clientes e fornecedores.” O plano inclui também a criação de uma estrutura técnica de suporte e formação, essencial para garantir que a tecnologia é corretamente adaptada às especificidades de cada região.
A experiência adquirida na unidade de Guimarães, reforça Vasco Pizarro, “serve como prova de conceito para demonstrar a viabilidade técnica e económica da solução, facilitando a adoção por outras empresas do setor têxtil internacional.”