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Inteligência artificial muda as regras do futuro do trabalho

Entre sensores que alertam quando a prateleira vai ficar vazia e PCs que correm inteligência artificial no posto de trabalho, as conclusões da talk sobre “O futuro do trabalho”, com Yoni Engel e Pedro Coelho, apontam para um futuro híbrido, seguro e centrado nas pessoas.

30 de Setembro de 2025 às 14:00
Yoni Engel e Pedro Coelho defendem que a tecnologia deve criar valor para as pessoas e para as empresas.
Yoni Engel e Pedro Coelho defendem que a tecnologia deve criar valor para as pessoas e para as empresas. Duarte Roriz
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Foto em cima: Yoni Engel e Pedro Coelho defendem que a tecnologia deve criar valor para as pessoas e para as empresas.

O futuro do trabalho foi o mote para a Talk organizada pelo Jornal de Negócios no âmbito do Prémio Nacional de Inovação 2025. A sessão juntou em Lisboa Yoni Engel, CEO da Paperweight AI, a primeira startup spinoff de um laboratório colaborativo de I&D em Portugal, o Alma Science, e Pedro Coelho, diretor-geral da HP Portugal, para discutir como a tecnologia está a mudar o futuro do trabalho, neste caso no retalho, nos escritórios e na forma como nos relacionamos com o emprego.

A Paperweight AI, no seu primeiro ano de vida, venceu a categoria de Transformação do Posto de Trabalho, na área de tecnologia, no Prémio Nacional de Inovação 2025.

Yoni Engel descreveu como a empresa nasceu de uma ideia simples, com potencial para transformar o retalho. “Diria que começou quase com uma folha A4. Perguntámo-nos o que poderíamos fazer com essa tecnologia e percebemos que havia uma necessidade clara: criar soluções escaláveis, fáceis de implementar, custo-efetivas e capazes de transformar o ponto de venda”, afirmou.

O sistema desenvolvido pela Paperweight AI assenta num sensor colocado de forma simples e acessível nas prateleiras das lojas, capaz de recolher dados em tempo real. A inteligência artificial entra depois em ação, convertendo essa informação em insights acionáveis para os retalhistas. “A principal diferença não está tanto na AI, mas sim na capacidade de transformar a prateleira, ou seja, um objeto offline, numa fonte de dados”, explicou Yoni Engel

O responsável destacou ainda as vantagens do modelo em relação a soluções tradicionais. “Os sistemas de visão não conseguem ver para dentro da prateleira e têm custos elevados de processamento, os sensores de peso obrigam a substituir toda a estrutura e as etiquetas RFID enfrentam problemas de escalabilidade. Nós simplificámos, colocámos um pedaço de papel na prateleira e resolvemos o problema.”

Portugal é um excelente mercado para testar inovação. Aqui conseguimos validar a solução e preparar a expansão para mercados maiores. Yoni Engel, CEO da Paperweight AI

O primeiro piloto foi realizado em colaboração com um dos maiores retalhistas portugueses, experiência que, segundo Yoni Engel, mostra a facilidade de testar inovação em Portugal. “Aqui conseguimos chegar às grandes empresas de forma muito mais fácil. Nos Estados Unidos seria quase impensável tentar falar com o responsável de inovação do Walmart. Em Portugal podemos experimentar, validar e depois preparar a expansão para mercados maiores, como os EUA ou a Alemanha”, concluiu.

Organizações já procuram simplificar

Pedro Coelho, diretor-geral da HP Portugal, trouxe à conversa os dados do estudo Work Relationship Index 2024. O inquérito revelou que apenas 28% dos trabalhadores afirmam ter uma relação saudável com o trabalho, resultado de fatores como o excesso de informação e de plataformas digitais. “Estamos prestes a lançar a edição de 2025 desse estudo. Esse indicador é muito importante e acabou por servir de alerta para a forma como as empresas estão a endereçar os desafios do futuro do trabalho”, afirmou.

Para Pedro Coelho, o modelo híbrido trouxe novas exigências e revelou lacunas. “O que este estudo nos aponta de forma muito evidente é que uma larga maioria dos colaboradores não está satisfeita com a tecnologia e com as ferramentas que lhes são disponibilizadas. Esperam e exigem que haja uma atualização, porque querem produtividade, eficiência e também satisfação no seu dia-a-dia”, defendeu.

Perante a questão do excesso de plataformas e da dispersão tecnológica, o diretor-geral da HP Portugal sublinhou que as organizações já procuram simplificar. “Vemos esforços para criar ambientes mais homogéneos. Mas é também importante avaliar qual a efetiva utilização das ferramentas dadas aos colaboradores. Só assim é possível fazer uma seleção natural daquilo que realmente importa e garantir uma experiência de trabalho fluida, produtiva e sem disrupção”, explicou.

O responsável destacou ainda soluções desenvolvidas pela própria HP. “A plataforma HP Workforce Experience permite agregar dados reais da utilização dos dispositivos e retirar insights acionáveis. Com isso, os departamentos de IT conseguem perceber que grupos de utilizadores têm experiências menos conseguidas, onde são necessários upgrades ou que ações proativas devem ser tomadas para evitar interrupções”, exemplificou.

Pedro Coelho acrescentou que a inteligência artificial está a ganhar terreno no posto de trabalho individual. “Ao correr diretamente no PC, na impressora ou nos equipamentos de colaboração, a AI potencia a produtividade, desbloqueia a criatividade e permite fazer tarefas de forma mais eficiente, sem necessidade imperiosa de recorrer à cloud. Cada utilizador pode reinventar a forma como trabalha e tirar partido destas ferramentas para melhorar o seu dia-a-dia”, concluiu.

IA no posto de trabalho

O diretor-geral da HP Portugal salientou ainda que já existem empresas portuguesas a explorar a utilização de modelos de inteligência artificial diretamente ao nível do posto de trabalho. “Há organizações em áreas como engenharia, programação ou arquitetura que estão a testar pequenos modelos LLM adaptados à realidade de cada empresa. Por serem personalizados, e não genéricos, permitem potenciar mais produtividade em cada segmento vertical em que atuamos”, afirmou.

Yoni Engel detalhou, por sua vez, os benefícios práticos da tecnologia desenvolvida para o retalho. “O principal problema é que os retalhistas não sabem o que se passa na prateleira. Se ela fica vazia, se não há produto, só descobrem quando alguém repara. O nosso sistema gera alertas, até de forma preditiva. Se em quatro horas se prevê que a prateleira fique vazia, é enviada uma ordem para a equipa de reposição. Cada minuto que a prateleira está vazia traduz-se em vendas perdidas”, explicou.

O responsável acrescentou que a informação recolhida vai muito além da operação diária da loja. “Estes dados são igualmente úteis para as marcas de bens de consumo que fornecem os retalhistas. Pela primeira vez, conseguem perceber em tempo real quais os produtos que estão a ter melhor desempenho”, sublinhou Yoni Engel.

A inteligência artificial no posto de trabalho permite independência da cloud, mais segurança, e controlo de custos. É um salto qualitativo. Pedro Coelho, Diretor-Geral da HP Portugal

Já no domínio dos equipamentos da HP, Pedro Coelho destacou o impacto da integração da inteligência artificial diretamente no hardware. “Trazer inteligência artificial para o posto de trabalho, nomeadamente para o portátil, traz uma enorme vantagem. Significa independência da cloud, respostas em tempo real, sem constrangimentos de largura de banda, e também controlo de custos, já que evitamos subscrições adicionais”, referiu. A segurança e a privacidade surgem como fatores decisivos nesta mudança. “Se aplico inteligência artificial sobre dados que estão no meu PC, sei que eles não saem do meu posto de trabalho. Tenho a certeza de que não estou a partilhá-los com ninguém. Além disso, ao trabalhar com modelos customizados por empresa, garanto que aquilo que desenvolvo não vai parar ao domínio público nem à concorrência”, acrescentou Pedro Coelho, e defendeu que o futuro passará por abordagens híbridas, equilibrando soluções em cloud e no edge.

“Há muito mais a explorar no que é possível fazer diretamente no posto de trabalho, com custos controláveis e com mais segurança e privacidade”, concluiu.

A importância dos casos práticos

Confrontado com a questão de casos práticos, Pedro Coelho revelou que algumas empresas portuguesas já estão a explorar o potencial da inteligência artificial diretamente no hardware. “Sobretudo na área de programação, modelação de dados e engenharia. Há software houses que estão a tirar partido desta tecnologia, aproveitando arquiteturas e processadores mais recentes, capazes de correr modelos LLM no edge ou na cloud de forma mais rápida. Estão a desenvolver modelos de dados mais específicos e personalizados, ajustados às suas necessidades”, disse o diretor-geral da HP Portugal.

Do lado do retalho, Yoni Engel confirmou que a Paperweight AI está a trabalhar com os dois maiores operadores nacionais. “É importante lembrar que estamos ainda no início do desenvolvimento da tecnologia, por isso não posso revelar dados reais das lojas. Mas acreditamos que já no próximo ano veremos implementações em maior escala”, afirmou o CEO. Questionado sobre o retorno do investimento, Yoni Engel sublinhou a dimensão global do problema que a sua solução procura resolver. “Neste momento, os retalhistas perdem entre 2% e 6% das vendas devido à falta de stock nas prateleiras. Uma parte substancial dessas perdas deve-se simplesmente ao facto de o produto não estar disponível. Estamos a falar de 1,7 mil milhões de dólares por ano em vendas perdidas. A nossa tecnologia permite recuperar parte significativa desse valor, o que torna o retorno do investimento bastante claro”, explicou.

A nossa tecnologia permite transformar um objeto offline numa fonte de dados em tempo real. Isso muda completamente a forma como se gere o ponto de venda. Yoni Engel, CEO da Paperweight AI

Pedro Coelho destacou ainda o papel das plataformas de análise preditiva no apoio às equipas de TI, frequentemente sobrecarregadas com tarefas de manutenção. “O objetivo é transformar os 10% dedicados à otimização em muito mais, roubando espaço aos 90% que ainda são consumidos pela operação básica. Hoje conseguimos prever falhas e intervir antes de ocorrerem ruturas de produtividade. Podemos, por exemplo, substituir o disco de um portátil com elevada probabilidade de falhar nos próximos dois dias e, assim, evitar que o colaborador fique parado”, explicou o diretor-geral da HP Portugal.

A inteligência artificial desempenha aqui um papel central. “As empresas não têm tempo para dashboards complexos. O que procuramos é traduzir dados reais de utilização em métricas simples, que suscitem uma ação imediata. Na plataforma HP Workforce Experience, o responsável de IT pode ver num único indicador o índice de satisfação do utilizador e, a partir daí, detalhar as causas de um eventual decréscimo”, acrescentou.

Shadow IT compromete segurança

"Cerca de 40% já nem abrem pedidos aos departamentos de informática porque acham que os problemas não vão ser resolvidos. Isso leva ao chamado shadow IT, quando tentam resolver por conta própria com ferramentas que podem comprometer a segurança das empresas. O que queremos é agir proativamente, numa perspetiva de zero touch, para que as intervenções deixem de ser necessárias", sublinhou Pedro Coelho.

O responsável partilhou um exemplo concreto da própria HP. "Usamos a nossa plataforma para gerir salas de reuniões em todo o mundo. Em julho de 2024, quando houve a falha da CrowdStrike, o nosso centro de operações, na Índia, percebeu rapidamente que todas as salas estavam afetadas e conseguiu repor os sistemas em duas horas. Quando chegámos ao escritório em Portugal, o problema já estava resolvido. É esse nível de experiência que queremos potenciar para os nossos clientes", concluiu.

Na reta final da Talk, Yoni Engel explicou que a prioridade da Paperweight AI passa agora por escalar a solução junto dos clientes e acrescentar novas camadas de valor assentes nos dados. "Estamos focados em adaptar a solução e crescer com os clientes. Isso permitirá construir mais camadas de utilização da informação para beneficiar o retalho. Hoje, a nossa atenção está sobretudo nas capacidades de dados do sistema", afirmou o CEO.

Trabalho híbrido veio para ficar

Pedro Coelho foi desafiado a traçar tendências para o futuro do trabalho e sublinhou que o conceito de ecossistema será central. "O trabalho híbrido, a penetração da inteligência artificial no posto de trabalho e a crescente exigência dos utilizadores estão a mudar a forma como trabalhamos e vivemos. Estamos a desenvolver tecnologia que potencia não só o crescimento das empresas, mas também o desenvolvimento das pessoas. O ecossistema será provavelmente a palavra a reter: um ecossistema otimizado para a IA, centrado nas pessoas, que suporte as exigências do trabalho híbrido", disse o diretor-geral da HP Portugal.

O trabalho híbrido não é trabalho remoto. É o equilíbrio certo entre a flexibilidade e a presença física, que continua a ser determinante para acelerar a inovação. Pedro Coelho, Diretor-Geral da HP Portugal

A segurança, a mobilidade e a sustentabilidade surgem como pilares desse ecossistema. "Temos de garantir que os colaboradores podem trabalhar no escritório, em casa ou em movimento, sempre com os mesmos padrões de segurança e com soluções sustentáveis", reforçou Pedro Coelho.

O responsável mostrou ainda a expectativa de ver melhorias no próximo Work Relationship Index. "Gostaria de encontrar uma evolução positiva nesses 28% de colaboradores que ainda não se sentem satisfeitos na sua relação com o trabalho", afirmou, lembrando que as fragilidades detetadas em 2024 se prendem tanto com a falta de ferramentas adequadas como com fatores culturais. "O trabalho híbrido não é trabalho remoto. É o equilíbrio certo, consoante cada organização, entre a flexibilidade que dá aos colaboradores e a presença física, que continua a ser determinante para acelerar a inovação", acrescentou.

Entre os desafios identificados está ainda o risco do shadow IT, quando os colaboradores recorrem a soluções fora do perímetro da organização. Para Pedro Coelho, a resposta passa por maior proatividade. "Até 2026, metade das empresas terá projetos de Digital Employee Experience. Isso significa avaliar como se pode oferecer uma experiência mais satisfatória aos utilizadores, mas também reconfigurar os escritórios para garantir que é no espaço de trabalho que existe a melhor tecnologia de colaboração", sublinhou.

O diretor-geral da HP Portugal concluiu defendendo que a presença física mantém um papel essencial. "Acelera conversas entre equipas que, de outra forma, não aconteceriam. Potencia colaboração, agiliza respostas e, em última análise, promove inovação."

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