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Criar uma startup a partir de um laboratório universitário continua a ser um feito admirável em Portugal. Torná-la relevante no mercado internacional, num setor como o da bioeconomia, é ainda mais excecional. Foi isso que fez Débora Campos, fundadora e CEO da AgroGrIN Tech, distinguida este ano com o AIT Women Leadership Award, um prémio atribuído pelo Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT) e pelo Conselho Europeu de Inovação (EIC), no âmbito do Prémio Europeu para Mulheres Inovadoras.
A investigadora e empreendedora, que sempre acompanhou os prémios europeus com atenção, garante no InovCast, o podcast do Prémoi Nacional de Inovação, que "é extremamente difícil quando uma empresa ou negócio na área de sustentabilidade consegue ser reconhecido, e por isso esta honra significa, primeiro, que há uma validação dos meus pares, a nível científico, que fazemos algo efetivamente inovador".
A tecnologia que está na base da AgroGrIN Tech nasceu durante o seu doutoramento, realizado entre 2015 e 2019. A missão era clara: encontrar uma forma sustentável de valorizar subprodutos alimentares. O desafio levou-a até à Argentina, onde desenvolveu um processo de extração verde de bromelaína, uma enzima do ananás com propriedades digestivas e anti-inflamatórias. "Quando voltei para Portugal e falei com a minha equipa de orientação, percebemos o potencial que realmente esta tecnologia tinha e como poderíamos transferi-la para o mercado."
Impacto real e validação
Assim nasceu a empresa. "Entrei no empreendedorismo oficialmente, com o NIF, em 2019." A agroindústria, a saúde e a nutrição são hoje os três pilares de aplicação das soluções desenvolvidas pela AgroGrIN Tech, que opera com uma lógica de biorrefinaria, ou seja, nada se perde, tudo se transforma. "Recebemos um produto e transformamo-lo em três ingredientes: a bromelaína, dois extratos antioxidantes, que dão cor e sabor a alimentos, e ainda farinhas sem glúten que são uma alternativa para o mercado dos cereais, de pequeno almoço para pão, padaria e pastelaria", explica a responsável.
Mas, segundo a investigadora, inovar na sustentabilidade continua a ser um caminho solitário e exigente, onde o impacto real nem sempre é valorizado. "Quando competimos com projetos na área da saúde, que salvam vidas diretamente, claro que temos uma discrepância. Mas nós também salvamos vidas indiretamente", sublinha. Esta questão do impacto foi central no arranque da empresa. "A primeira coisa que me perguntavam foi se tinha a certeza que não estava a produzir mais dióxido de carbono?" Foi por isso que a equipa realizou um Life Cycle Assessment (LCA) para provar que o processo tinha benefícios ambientais. Os números confirmaram. Desde a fundação, a empresa transformou mais de 5400 kg de fruta e evitou a emissão de cerca de 360 kg de CO2.
Apesar de jovem, a AgroGrIN Tech já testou os seus ingredientes com uma dezena de empresas. A primeira validação pública chegou em 2021, quando a Casa Mendes Gonçalves, conhecida produtora de molhos, aplicou os extratos produzidos pela startup no desenvolvimento de uma maionese vegan clean label. "Eles aplicaram quatro dos nossos ingredientes em substituição de uma série de aditivos. Foi o nosso primeiro MVP e funcionou", recorda Débora Campos.
Não foi fácil à AgroGrIN Tech aceder a financiamento bancário tradicional, pelo que teve de recorrer a outros modelos de financiamento. "Temos um modelo misto, bastante misto. Porque não foi fácil conseguirmos recorrer a financiamento." Até 2021, a empresa funcionou com recurso a bootstrapping, concorrendo a projetos de I&D que financiavam integralmente a redução do risco do negócio. Durante anos, Débora Campos procurou business angels e fundos de capital de risco para financiar a linha piloto. "Mas como é um negócio intensivo em CAPEX, em instalação física, não era assim tão atrativo para os investidores."
Em 2021, a sustentabilidade ainda não era um tema tão valorizado no mercado, e existiam também vários desafios logísticos na cadeia de fornecimento de subprodutos alimentares. "Estes eram os pontos menos positivos que íamos ouvindo de potenciais investidores." Acabaram por optar por financiamento público, integrando consórcios com outras empresas e universidades, nomeadamente no PRR da Economia Azul, onde a utilização da bromelaína, desenvolvida pela AgroGrIN Tech, se revelou estratégica.
Foi através do PRR que conseguiram financiamento para a unidade piloto, atualmente em fase de montagem. O investimento total ronda os 700 mil euros, com 70% assegurado pelo PRR e o restante pela empresa. "Numa fase inicial, era extremamente difícil, porque só tínhamos o projeto. Depois consegui ter um empréstimo bancário para fazer o projeto, porque estávamos também aqui validados pelo PRR."
A soma de projetos, bolsas e prémios permitiu atingir 1,2 milhões de euros de financiamento total. Atualmente, contam com dois investidores: o EIT Food, através do qual receberam um prémio europeu, e o Biotope, uma aceleradora belga que investiu no projeto para apoiar a maturação da equipa e do negócio nesta fase piloto.
A ciência deve chegar às pessoas
Os feedbacks, bons e maus, ajudaram também a afinar a tecnologia. "O nosso extrato de bromelaína era amarelo e cheirava a ananás e uma empresa que na altura trabalhava com subprodutos de peixe disse-nos: é incrível, porque ao menos tem aqui uma coisa que cheira bem, mas se calhar deviam ponderar enviar um produto que fosse branco e sem sabor", revela a investigadora. Essa observação levou a equipa de volta ao laboratório. Hoje, trabalham com essa mesma empresa — a ETSA — num projeto conjunto de comercialização da bromelaína otimizada.
A estratégia está a dar frutos. Para além da ETSA, a AgroGrIN Tech está já em fases piloto de testes de aplicação com outras empresas de maior escala. Mas a visão de Débora vai além do mercado, já que o objetivo é continuar a provar que é possível inovar em sustentabilidade sem comprometer a rentabilidade. "Qualquer negócio só pode ser sustentável economicamente e ambientalmente se demonstrarmos que os processos desenvolvidos a nível universitário trazem impacto real", sustenta a investigadora.
A missão não se esgota nos ingredientes. A empresa quer agora valorizar até a água residual que sobra da produção. "Neste momento, o único desperdício que temos é a água. Mas esta água, com o desenvolvimento da nossa empresa, será também valorizada", assegura Débora Campos.
A investigadora garante que, no centro de tudo, está a convicção de que a ciência deve chegar às pessoas. "Sempre tive o desejo de criar o meu próprio negócio, desde tenra idade. Só não tinha surgido a minha oportunidade." Quanto ao prémio agora conquistado, segundo ela, é mais do que um reconhecimento pessoal, é uma forma de passar esta mensagem para as outras mulheres empreendedoras e científicas que existem em Portugal: "Se formos persistentes e resilientes, conseguimos estar ao mais alto nível na Europa", afirma Débora Campos. Para os empreendedores que estão a começar, Débora diz que é fundamental acreditarem nas suas ideias e que a inovação exige paciência e capacidade de adaptação. "Temos que ter resistência a levar com as coisas menos positivas e reagir rapidamente para sair", encoraja a investigadora.