O setor agro-alimentar tem trabalhado a economia circular e o ecodesign, derrubado barreiras à reciclabilidade e à circularidade das embalagens.
E se a sua linha de negócio mais rentável fosse também a mais poluente? Ou se o seu principal fornecedor aumentasse os preços para cumprir os seus objetivos de emissões de CO2? E se os seus colaboradores lhe pedissem para cancelar um contrato lucrativo com uma organização que colidisse com os seus valores? Como é que a sua empresa responderia? Estas questões foram colocadas num artigo do World Economic Forum, contextualizado pelo facto de, à medida que a sustentabilidade cresce de importância nas agendas das empresas e dos conselhos de administração, estes temas começarem a surgir com alguma frequência. "Responder exige ambição e ação", diz o artigo, sustentado num relatório da Accenture que assume que a ambição das empresas e dos executivos não é um problema. A quase totalidade (98%) dos diretores acredita que o seu papel é tornar as empresas mais sustentáveis, face a 83% em 2013. No entanto, faltam ações tangíveis que comprovem esta vontade, denuncia o documento. "Demasiadas vezes, as empresas continuam a ver a sustentabilidade como um compromisso com a rentabilidade. Este facto reforça a tradicional concentração nos resultados financeiros a curto prazo, tornando difícil justificar a integração do impacto ambiental e social na tomada de decisões. A poluição é ignorada. O fornecedor é abandonado e o contrato é mantido", lê-se no relatório "Want business growth tomorrow? Act on climate today", da Accenture.
É neste contexto que o conceito de inovação sustentável tem vindo a ganhar particular relevância. A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) admite que a sustentabilidade é um importante e crescente motor de mudança empresarial e que as suas implicações para a inovação são claras - viver e trabalhar num mundo de 9 mil milhões de pessoas com expetativas crescentes, fornecer energia, garantir segurança alimentar e de recursos, lidar com as alterações climáticas, a degradação dos ecossistemas, um fosso económico cada vez maior e uma série de outras questões interdependentes, exigem uma mudança clara e significativa nos produtos, serviços, processos, abordagens de marketing bem como nos modelos empresariais subjacentes.
"Mais do que uma simples moda, a sustentabilidade integra hoje os objetivos estratégicos das empresas, na medida em que esta preocupação responde também às expetativas de consumidores cada vez mais informados e exigentes", lê-se no documento da AICEP Portugal Exporta sobre inovação sustentável.
Indústria do calçado abraça inovação sustentável
A indústria do calçado é uma das que tem vindo a abraçar esta tendência de inovação sustentável. Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), não tem qualquer dúvida que inovação e sustentabilidade são indissociáveis. "A indústria portuguesa de calçado tem a ambição de liderar o desenvolvimento de soluções sustentáveis", disse ao Negócios. Para isso, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), juntou cerca de 100 parceiros, entre empresas, universidades, empresas, e entidades do sistema científico e tecnológico e, em dois projetos distintos, está a investir 120 milhões de euros.
Face à crescente pressão internacional para rastrear a origem dos materiais e garantir práticas responsáveis, Paulo Gonçalves explica que cerca de 90% do calçado produzido à escala internacional provêm da Asia. "Não consideramos que isso seja razoável ou sustentável", diz. "Pelo contrário, acreditamos que existe espaço para produzir calção de qualidade, na Europa, a preços justos. Estamos a trabalhar de forma muito empenhada neste processo".
Aliás, ciente dessa oportunidade e mesmo das suas responsabilidades para com a sociedade, o cluster do calçado tem acompanhado o aumento da importância dada ao tema da sustentabilidade. Depois de, em 2019, ter lançado o Plano de Ação para a Sustentabilidade, entre 2021 e 2022, aprovou o financiamento, pelo PRR, do projeto BioShoes4All para alavancar a transição para a economia bio-sustentável e circular. Em dezembro de 2022, apresentou o Plano Estratégico do Cluster do Calçado 2030, no qual a preocupação com a sustentabilidade está subjacente a todas as propostas apresentadas."
Em termos de investimento, o projeto integrado "BioShoes4All - Inovação e capacitação da fileira do calçado para a bioeconomia sustentável" é, segundo Paulo Gonçalves, o maior de sempre do setor de calçado em Portugal, visando novos bio e eco materiais, produtos, processos, tecnologias ou serviços".
Paulo Gonçalves assegura que o setor está, de resto, muito empenhado em promover a transição da fileira do calçado para a bioeconomia e economia circular sustentável. "Só no domínio da sustentabilidade concluiremos até final deste ano um investimento de 70 milhões de euros".
Setor agroalimentar aposta na economia circular e ecodesign
Para as empresas do setor agroalimentar, integrar práticas de inovação sustentável traduz-se num tema de grande importância e atualidade, fundamental para garantir a sustentabilidade ambiental e reforçar a prioridade de conciliar o respeito pelo ambiente com as necessidades dos consumidores e da indústria agroalimentar, avançou ao Negócios Jorge Henriques, presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA). Por isso, o setor tem, ao longo dos últimos anos, "trabalhado o conceito da economia circular e de ecodesign, tem derrubado barreiras à reciclabilidade e à circularidade das embalagens". Para isso, explicou Jorge Henriques, avançou com o Sistema de Depósito e Reembolso (SDR), onde "se prima pela redução, recuperação e reciclagem de materiais, com enormes benefícios ambientais e que traduz um sistema aprovado pelas autoridades competentes e gerido pelos produtores".
Presidente da FIPA
Enquanto garante da pureza do produto, as embalagens, nas palavras do presidente, também inovaram e permitem hoje aumentar o tempo de validade dos alimentos transformados. "Por último, permita-me destacar mais dois pontos. O investimento que o setor tem feito ao nível da economia circular e que leva muitas organizações a produzir energia ou outros novos produtos, fechando ciclos e minimizando desperdícios. Também as parcerias com a academia, centros de investigação e startups têm permitido desenvolver novas soluções tecnológicas e práticas inovadoras que promovem a sustentabilidade."
Questionado sobre se existe apoio suficiente, seja financeiro, regulatório ou técnico, para que as PME do setor agroalimentar invistam em inovação sustentável, Jorge Henriques contrapõe que a indústria agroalimentar é a indústria transformadora que mais emprego gera, mas continua a suportar-se a si própria, sem qualquer apoio por parte das várias tutelas. "À falta de apoio, juntam-se os muitos entraves burocráticos que comprometem a execução dos projetos."
Discurso direto
Paulo Gonçalves
Diretor de Comunicação da APICCAPS
Quais têm sido os investimentos mais relevantes em materiais sustentáveis por parte das empresas associadas?
Diria que o mais importante investimento em curso foi a assinatura de um compromisso verde. Em termos práticos, 140 empresas da fileira do calçado, responsáveis por mais de mil milhões de euros de exportações e 10.000 postos de trabalho, subscreveram, o Portuguese Shoes Green Pact. E comprometeram-se "a trabalhar e contribuir para as metas definidas pelas Nações Unidas e Europa de um planeta com saldo nulo de emissões de carbono".
As empresas do cluster do calçado e artigos de pele foram inicialmente sujeito à realização de um diagnóstico inicial que deu, posteriormente, à definição de um plano de ação individual que, em função da situação específica de cada empresa, determinou as ações a desenvolver em matérias como o ecodesign, os métodos para a seleção dos materiais, a redução dos desperdícios, a produção e utilização de energias verdes, ou a implementação de novos modelos de negócios que reduzam a utilização de materiais virgens ou reutilizem materiais de fontes renováveis ou recicladas. Ao longo do processo, tem-se vindo a proceder o apoio à monitorização e à implementação dos planos de ação.
Jorge Henriques
Presidente da FIPA
Quais são os maiores obstáculos que as empresas enfrentam na transição para modelos de produção mais sustentáveis?
Os obstáculos e as necessidades são vários. Desde logo, a importância de melhorar a comunicação entre as empresas e a administração pública, os desafios impostos pelos processos legislativos e a falta de concertação entre a autoridade licenciadora e a autoridade inspetiva do ambiente que muitas vezes dificuldade a inovação.
A par disso, os custos com a adoção de tecnologias mais verdes, como as energias renováveis, e que exigem investimentos significativos para quem está a começar.
Ao nível da logística e das infraestruturas, a mudança para os chamados "circuitos curtos" nem sempre é fácil de implementar.