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Inovação e sustentabilidade são indissociáveis na indústria

Para ganharem competitividade e diferenciação, setores como o calçado e o agroalimentar lideram investimentos em inovação em áreas da sustentabilidade, como novos materiais, economia circular e modelos de produção responsáveis.

29 de Abril de 2025 às 14:00
Ricardo Almeida
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O setor agro-alimentar tem trabalhado a economia circular e o ecodesign, derrubado barreiras à reciclabilidade e à circularidade das embalagens.

E se a sua linha de negócio mais rentável fosse também a mais poluente? Ou se o seu principal fornecedor aumentasse os preços para cumprir os seus objetivos de emissões de CO2? E se os seus colaboradores lhe pedissem para cancelar um contrato lucrativo com uma organização que colidisse com os seus valores? Como é que a sua empresa responderia? Estas questões foram colocadas num artigo do World Economic Forum, contextualizado pelo facto de, à medida que a sustentabilidade cresce de importância nas agendas das empresas e dos conselhos de administração, estes temas começarem a surgir com alguma frequência. "Responder exige ambição e ação", diz o artigo, sustentado num relatório da Accenture que assume que a ambição das empresas e dos executivos não é um problema. A quase totalidade (98%) dos diretores acredita que o seu papel é tornar as empresas mais sustentáveis, face a 83% em 2013. No entanto, faltam ações tangíveis que comprovem esta vontade, denuncia o documento. "Demasiadas vezes, as empresas continuam a ver a sustentabilidade como um compromisso com a rentabilidade. Este facto reforça a tradicional concentração nos resultados financeiros a curto prazo, tornando difícil justificar a integração do impacto ambiental e social na tomada de decisões. A poluição é ignorada. O fornecedor é abandonado e o contrato é mantido", lê-se no relatório "Want business growth tomorrow? Act on climate today", da Accenture.

É neste contexto que o conceito de inovação sustentável tem vindo a ganhar particular relevância. A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) admite que a sustentabilidade é um importante e crescente motor de mudança empresarial e que as suas implicações para a inovação são claras - viver e trabalhar num mundo de 9 mil milhões de pessoas com expetativas crescentes, fornecer energia, garantir segurança alimentar e de recursos, lidar com as alterações climáticas, a degradação dos ecossistemas, um fosso económico cada vez maior e uma série de outras questões interdependentes, exigem uma mudança clara e significativa nos produtos, serviços, processos, abordagens de marketing bem como nos modelos empresariais subjacentes.

"Mais do que uma simples moda, a sustentabilidade integra hoje os objetivos estratégicos das empresas, na medida em que esta preocupação responde também às expetativas de consumidores cada vez mais informados e exigentes", lê-se no documento da AICEP Portugal Exporta sobre inovação sustentável.

Indústria do calçado abraça inovação sustentável

A indústria do calçado é uma das que tem vindo a abraçar esta tendência de inovação sustentável. Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), não tem qualquer dúvida que inovação e sustentabilidade são indissociáveis. "A indústria portuguesa de calçado tem a ambição de liderar o desenvolvimento de soluções sustentáveis", disse ao Negócios. Para isso, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), juntou cerca de 100 parceiros, entre empresas, universidades, empresas, e entidades do sistema científico e tecnológico e, em dois projetos distintos, está a investir 120 milhões de euros.

Face à crescente pressão internacional para rastrear a origem dos materiais e garantir práticas responsáveis, Paulo Gonçalves explica que cerca de 90% do calçado produzido à escala internacional provêm da Asia. "Não consideramos que isso seja razoável ou sustentável", diz. "Pelo contrário, acreditamos que existe espaço para produzir calção de qualidade, na Europa, a preços justos. Estamos a trabalhar de forma muito empenhada neste processo".

Aliás, ciente dessa oportunidade e mesmo das suas responsabilidades para com a sociedade, o cluster do calçado tem acompanhado o aumento da importância dada ao tema da sustentabilidade. Depois de, em 2019, ter lançado o Plano de Ação para a Sustentabilidade, entre 2021 e 2022, aprovou o financiamento, pelo PRR, do projeto BioShoes4All para alavancar a transição para a economia bio-sustentável e circular. Em dezembro de 2022, apresentou o Plano Estratégico do Cluster do Calçado 2030, no qual a preocupação com a sustentabilidade está subjacente a todas as propostas apresentadas."

Em termos de investimento, o projeto integrado "BioShoes4All - Inovação e capacitação da fileira do calçado para a bioeconomia sustentável" é, segundo Paulo Gonçalves, o maior de sempre do setor de calçado em Portugal, visando novos bio e eco materiais, produtos, processos, tecnologias ou serviços".

Paulo Gonçalves assegura que o setor está, de resto, muito empenhado em promover a transição da fileira do calçado para a bioeconomia e economia circular sustentável. "Só no domínio da sustentabilidade concluiremos até final deste ano um investimento de 70 milhões de euros".

Setor agroalimentar aposta na economia circular e ecodesign

Para as empresas do setor agroalimentar, integrar práticas de inovação sustentável traduz-se num tema de grande importância e atualidade, fundamental para garantir a sustentabilidade ambiental e reforçar a prioridade de conciliar o respeito pelo ambiente com as necessidades dos consumidores e da indústria agroalimentar, avançou ao Negócios Jorge Henriques, presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA). Por isso, o setor tem, ao longo dos últimos anos, "trabalhado o conceito da economia circular e de ecodesign, tem derrubado barreiras à reciclabilidade e à circularidade das embalagens". Para isso, explicou Jorge Henriques, avançou com o Sistema de Depósito e Reembolso (SDR), onde "se prima pela redução, recuperação e reciclagem de materiais, com enormes benefícios ambientais e que traduz um sistema aprovado pelas autoridades competentes e gerido pelos produtores".

À falta de apoio, juntam-se os muitos entraves burocráticos que comprometem a execução dos projetos sustentáveis. Jorge Henriques

Presidente da FIPA

Enquanto garante da pureza do produto, as embalagens, nas palavras do presidente, também inovaram e permitem hoje aumentar o tempo de validade dos alimentos transformados. "Por último, permita-me destacar mais dois pontos. O investimento que o setor tem feito ao nível da economia circular e que leva muitas organizações a produzir energia ou outros novos produtos, fechando ciclos e minimizando desperdícios. Também as parcerias com a academia, centros de investigação e startups têm permitido desenvolver novas soluções tecnológicas e práticas inovadoras que promovem a sustentabilidade."

Questionado sobre se existe apoio suficiente, seja financeiro, regulatório ou técnico, para que as PME do setor agroalimentar invistam em inovação sustentável, Jorge Henriques contrapõe que a indústria agroalimentar é a indústria transformadora que mais emprego gera, mas continua a suportar-se a si própria, sem qualquer apoio por parte das várias tutelas. "À falta de apoio, juntam-se os muitos entraves burocráticos que comprometem a execução dos projetos."

Inovação e sustentabilidade são indissociáveis na indústria Getty Images

Discurso direto

Paulo Gonçalves

Diretor de Comunicação da APICCAPS

Quais têm sido os investimentos mais relevantes em materiais sustentáveis por parte das empresas associadas?

Diria que o mais importante investimento em curso foi a assinatura de um compromisso verde. Em termos práticos, 140 empresas da fileira do calçado, responsáveis por mais de mil milhões de euros de exportações e 10.000 postos de trabalho, subscreveram, o Portuguese Shoes Green Pact. E comprometeram-se "a trabalhar e contribuir para as metas definidas pelas Nações Unidas e Europa de um planeta com saldo nulo de emissões de carbono".

As empresas do cluster do calçado e artigos de pele foram inicialmente sujeito à realização de um diagnóstico inicial que deu, posteriormente, à definição de um plano de ação individual que, em função da situação específica de cada empresa, determinou as ações a desenvolver em matérias como o ecodesign, os métodos para a seleção dos materiais, a redução dos desperdícios, a produção e utilização de energias verdes, ou a implementação de novos modelos de negócios que reduzam a utilização de materiais virgens ou reutilizem materiais de fontes renováveis ou recicladas. Ao longo do processo, tem-se vindo a proceder o apoio à monitorização e à implementação dos planos de ação.

Jorge Henriques

Presidente da FIPA

Quais são os maiores obstáculos que as empresas enfrentam na transição para modelos de produção mais sustentáveis?

Os obstáculos e as necessidades são vários. Desde logo, a importância de melhorar a comunicação entre as empresas e a administração pública, os desafios impostos pelos processos legislativos e a falta de concertação entre a autoridade licenciadora e a autoridade inspetiva do ambiente que muitas vezes dificuldade a inovação.

A par disso, os custos com a adoção de tecnologias mais verdes, como as energias renováveis, e que exigem investimentos significativos para quem está a começar.

Ao nível da logística e das infraestruturas, a mudança para os chamados "circuitos curtos" nem sempre é fácil de implementar.

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