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Inovação redefine logística do futuro

Os choques globais e as megatendências demográficas continuam a desafiar as cadeias de abastecimento, que apostam cada vez mais na tecnologia, na inovação e em parcerias para reforçar a agilidade e a resiliência. Cada projeto serve para avaliar a capacidade de evoluir para soluções preparadas para escalar.

08 de Julho de 2025 às 14:00
Num cenário em que 80% das tecnologias avaliadas não chegam a ser implementadas, a capacidade de filtrar tendências, testar protótipos e industrializar soluções define a liderança logística.
Num cenário em que 80% das tecnologias avaliadas não chegam a ser implementadas, a capacidade de filtrar tendências, testar protótipos e industrializar soluções define a liderança logística. DR
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Num cenário em que 80% das tecnologias avaliadas não chegam a ser implementadas, a capacidade de filtrar tendências, testar protótipos e industrializar soluções define a liderança logística.

Da pandemia às crises geopolíticas, as cadeias de abastecimento tradicionais, assentes em inventários reduzidos e processos lineares, revelam-se cada vez mais frágeis. Ao mesmo tempo, o mercado de soluções de inteligência artificial para a gestão de cadeias de abastecimento regista um crescimento vertiginoso: em 2023 atingiu os 3,5 mil milhões de dólares norte-americanos, com uma taxa de crescimento anual composta estimada em 30,3% para os anos vindouros, segundo a Research and Market. Neste contexto, empresas de todos os tamanhos procuram não só automação, mas, acima de tudo, resiliência e visibilidade em tempo real, de modo a antecipar ruturas e dar resposta a flutuações imprevisíveis na procura.

A fragilidade dos modelos de inventários mínimos ilustra bem o desafio. “Tornámo-nos extremamente eficientes na nossa cadeia de abastecimento, tornando a tensão tão palpável que um único percalço a pode partir”, alerta Deepak Mavatoor, da Tata Consultancy Services no “Supply Chain Outlook: Expert Advice on Thriving in Times of Change”.

Para o especialista, a capacidade de recuperação rápida é tão crucial quanto a prevenção de falhas. “O conceito de resiliência não deve assumir que nunca iremos falhar, mas sim que devemos ser capazes de nos reerguer com rapidez”. Em consequência, o planeamento de cenários e a cultura do “e se…” deixam de ser meros extras e passam a estar no centro da estratégia operacional.

Um dos motores desta transformação é a digitalização integral da cadeia de abastecimento. Plataformas analíticas avançadas permitem medir, em tempo real, emissões de carbono e índices de desperdício - critérios hoje determinantes em processos de compra e investimento. “Os clientes esperam que as grandes empresas de que compram tenham um aprovisionamento responsável”, sublinha Peter Liddell, da KPMG. “Muitas organizações estão a apostar na digitalização total da cadeia de abastecimento, pois a visibilidade em tempo real é o único caminho para medir efetivamente emissões de carbono e desperdícios”.

No plano tecnológico, Joaquim Duarte Oliveira, da Deloitte Portugal, destaca no mesmo Outlook que “diversas tecnologias - incluindo IA, machine learning, IoT, computação em nuvem e o acesso massivo a dados - estão a amadurecer e a oferecer capacidades superiores a custos inferiores”. A seu ver, “num futuro próximo, a maioria das atividades de planeamento na cadeia de abastecimento será conduzida por soluções digitais, onde previsibilidade, planeamento de cenários, visibilidade e agilidade serão fatores essenciais”. Assim, tarefas rotineiras de previsão de procura e de reposição de stocks serão automatizadas, libertando recursos para decisões de nível estratégico.

Todavia, inovar não se limita à implementação de ferramentas: passa também por adotar modelos de negócio e arquiteturas abertas. “O modelo de negócio ‘business as usual’, com planos de cinco anos ou roteiros de longo prazo, já não funciona. Ou nos adaptamos, ou desaparecemos», avisa Vlad Filippov, da Spark Equation. Acrescenta ainda: “Antes de iniciar qualquer projeto, a primeira pergunta a colocar é “seremos compatíveis?”, realçando assim a importância de API abertas e de ecossistemas integráveis, que permitam colaboração em tempo real entre empresas, fornecedores e parceiros.

A procura de visibilidade de ponta a ponta, reforçada pela adoção de “control towers” suportadas por IA e machine learning, revela-se fundamental para mitigar riscos. Um recente estudo da McKinsey indica que, apesar de tecnologias como GPS, RFID e sistemas de gestão de transporte existirem há anos, muitas organizações ainda carecem de monitorização abrangente através de fronteiras e dos diferentes meios de transporte utilizados. Provedores que consolidam dados diversificados em painéis unificados permitem antecipar interrupções, desde ciberataques a eventos climáticos, e tomar decisões proativas que reduzem perdas e custos.

No horizonte, a fusão entre automação, análise preditiva e colaboração digital promete cadeias de abastecimento mais ágeis e sustentáveis. Como resume Joaquim Oliveira, a próxima geração de operações será “orientada por inteligência de decisão”, um ambiente em que as falhas deixam de ser fatais para se tornarem lições e catalisadores de aprendizagem e adaptação contínuas.

Repensar todo o transporte logístico

O envelhecimento da população, a emergência de novos modelos de negócio e a disrupção tecnológica apresentam desafios sem precedentes às cadeias de abastecimento tradicionais, defende Christopher Fuss, Global Innovation Lead da DHL. “A nossa população está a envelhecer: hoje a média de idades ronda os 34 anos e, nos próximos 75 anos, haverá um acréscimo de mais de 30%”, disse numa apresentação a jornalistas que decorreu nas Midlands, em Inglaterra. Um fenómeno demográfico que, segundo o especialista, obriga a repensar não só o transporte de bens, mas todo o ecossistema de saúde, longevidade e consumo.

Christopher Fuss cita uma teoria de Ray Kurzweil, antigo diretor de investigação do Google, segundo a qual “o progresso científico poderá permitir que, num ano, ganhemos de volta 12 meses de vida já daqui a quatro anos”. Se tal se confirmar, “talvez a primeira pessoa que poderá viver para sempre já esteja viva”. Uma perspetiva fascinante, mas também perturbadora para quem planeia infraestruturas logísticas com horizontes de cinco ou dez anos. Paralelamente, cresce o mercado de dispositivos de saúde conectados: três em cada dez adultos nos EUA já usam smartwatches ou anéis inteligentes para monitorizar sinais vitais. Nas prateleiras de consumidores e hospitais, surgem termómetros digitais que também funcionam como estetoscópios, como o modelo da Withings, permitindo “detetar anomalias cardíacas em casa e encaminhar o doente a tempo”. Esta explosão de dados de saúde individual representa um novo motor logístico: transportar vacinas, terapias individualizadas (o modelo needle-to-needle do Keytruda, da MSD, exige frio rigoroso a -20 °C) e garantir rastreabilidade item a item de materiais biológicos.

O especialista explicou que a inovação na DHL traduz-se numa rede de quatro centros de inovação (Chicago, Troestorf, Dubai e Singapura), onde se testam conceitos em colaboração com clientes, fornecedores e startups. Em Singapura, por exemplo, um rickshaw elétrico equipado com painéis solares (projeto Tux) “permitiu prolongar a autonomia dos veículos de entrega nas ruas estreitas da cidade-estado”, um piloto que agora se prepara para expansão em diversas regiões da Índia.

No terreno europeu, as novas zonas de emissões, as chamadas “zonas vermelhas”, em cidades como Düsseldorf proíbem veículos com mais de 15 anos, forçando a reconfigurar frotas e rotas de correio rápido para manter a eficiência sem comprometer as metas de sustentabilidade.

Visão computacional e a Agentic AI surgem como vetores-chave

No plano tecnológico, a visão computacional e a Agentic AI surgem como vetores-chave. Christopher Fuss distingue-as da IA generativa. “O que vemos como mais relevante hoje é a IA agêntica, agentes treinados com os nossos dados, que interagem com processos internos e externos, ao contrário dos grandes modelos de linguagem, que não foram formados nas nossas bases”. Em operações de armazém, câmaras de 300° já detetam códigos de barras e datas de expiração em embalagens médicas, enquanto soluções de segurança controlam o uso de equipamentos de proteção individual e o acesso a zonas restritas, tudo em conformidade com o RGPD.

Por fim, Christopher Fuss lembra que “a verdadeira inovação só se mede pela escala de implementação”. Dispositivos de rastreio de ativos, com autonomia de oito anos e custo total de propriedade de apenas 50 euros por unidade, já foram instalados um milhão de vezes na Europa, permitindo à DHL otimizar o uso de contentores, paletes e Unit Load Devices (ULD) ou seja, dispositivos de carga padronizados utilizados no transporte aéreo. É este “momento de passagem, do piloto à produção em série”, que transformará ideias pioneiras em melhorias tangíveis para empresas e consumidores.

Num cenário em que 80% das tecnologias avaliadas não chegam a ser implementadas, a capacidade de filtrar tendências, testar protótipos e industrializar soluções define a liderança logística. Entre o envelhecimento global, a longevidade acelerada pela ciência e a emergência de agentes de IA capazes de automatizar e otimizar processos complexos, Christopher Fuss diz que a aposta é numa visão holística: antecipar hoje as necessidades de amanhã e manter a centricidade do cliente no coração de cada inovação.

Num cenário em que 80% das tecnologias avaliadas não chegam a ser implementadas, a capacidade de filtrar tendências, testar protótipos e industrializar soluções define a liderança logística.
Tim Tetzlaff, global head of Digital Transformation da DHL Supply Chain DR

Tim Tetzlaff, global head of Digital Transformation da DHL Supply Chain

Robótica integrada e escalável

Em vez de apontar robôs humanoides como uma solução isolada, a DHL prefere a integração gradual de robôs móveis e braços robóticos em pontos críticos da operação. No armazém, robôs de inventário percorrem corredores, identificando artigos e atualizando stocks em tempo real, sem substituir o capital humano, mas ampliando a capacidade de resposta e segurança. Já na distribuição de última milha, testes com drones em áreas rurais demonstram como estes veículos aéreos podem aliviar gargalos de estrangulamento, complementando frotas de furgões elétricos e ciclomotores.

Paralelamente, a adoção da solução Stretch tem vindo a consolidar-se como uma resposta eficaz a uma das tarefas mais exigentes no setor da logística: o manuseamento repetitivo de volumes pesados, como caixas em contentores.

Desenvolvido pela Boston Dynamics, este robô foi desenhado especificamente para automatizar operações como a descarga e separação de embalagens, áreas tradicionalmente marcadas por forte intensidade laboral e condições físicas adversas. Tim Tetzlaff, global head of Digital Transformation da DHL Supply Chain, explicou que a DHL tem apostado na sua integração em ambientes reais de trabalho, não como um produto pronto a usar, mas como uma tecnologia em evolução contínua, codesenvolvida em função dos desafios operacionais concretos. O robô revelou-se capaz de atingir ritmos de 700 caixas por hora, “contribuindo não só para ganhos de eficiência como também para a melhoria das condições de trabalho dos operadores”.

Esta lógica de desenvolvimento conjunto entre fornecedor tecnológico e utilizador logístico, onde neste caso a DHL assume um papel ativo na validação e adaptação da solução, está a tornar-se, segundo o mesmo responsável, um modelo para futuras implementações, apontando para uma nova fase da automação mais integrada, mais centrada nos contextos reais e com impacto mensurável na produtividade e sustentabilidade das operações.

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