
Luís Cabral destacou o fosso crescente entre Europa e EUA em inovação, apontando a fragmentação regulatória como um dos principais bloqueios.
Vestindo o manto de historiador e futurista, o economista e professor catedrático Luís Cabral, diretor do Instituto de Políticas Públicas da Nova SBE, e diretor do Departamento de Economia da NYU Stern School of Business, veio à sessão solene de entrega de prémios da 3.ª edição do Prémio Nacional de Inovação (PNI) não só desvendar como a inovação, desde Newton a Watt e Smith, moldou impérios, como revelar as soluções arrojadas de que Portugal e a Europa, no seu entender, tanto precisam.
Partindo de um gráfico que começa no ano zero do calendário ocidental, Luís Cabral revelou um padrão de crescimento económico que permanece quase estático até ao século XVIII, quando dispara num ritmo verdadeiramente exponencial: “É impossível não fazer uma série de perguntas. Como é que isto aconteceu? Porquê tivemos de esperar até o século XVIII? Porquê começou em Inglaterra? Quais foram os mecanismos que levaram a este crescimento verdadeiramente exponencial?”
Para responder, destacou três figuras-chave que personificam diferentes dimensões da inovação. Primeiro, Isaac Newton, cuja mecânica clássica lançou os fundamentos científico-técnicos do processo industrial. Segundo, James Watt, com a sua máquina a vapor de alta eficiência patenteada em 1776. Terceiro, Adam Smith, que, embora economista e não inventor, introduziu noções de inovação organizacional - “a inovação não é simplesmente de alta tecnologia. É também a inovação organizacional das fábricas, das empresas, dos mercados, das economias, do arranjo de recursos limitados”.
A combinação dessas inovações conduziu à Revolução Industrial e permitiu que, “até ao século XVIII, as diferenças entre países eram relativamente pequenas comparadas com o que observamos nos últimos 200 anos”. A Europa assumiu então a liderança - inicialmente Inglaterra, depois estendendo-se a outros países do continente - mas perdeu parte dessa vantagem no século XX, conturbado por duas guerras mundiais que “destruíram muito o capital físico e o capital humano da Europa”.
EUA saltam para o comando
No rescaldo, os Estados Unidos emergiram como potência dominante, uma transição reforçada pelo “êxodo de cérebros”. “Embora Albert Einstein tenha feito grande parte do seu trabalho na Suíça, foi um dos muitos cientistas europeus que emigraram para os Estados Unidos durante os anos 30 e 40”. Essa migração de talento, diz o académico, consolidou o know-how norte-americano e acelerou o surgimento de um ecossistema de inovação que, ao longo das últimas décadas, tornou-se referência global.
Para ilustrar essa disparidade contemporânea, Luís Cabral referiu-se aos dados compilados por Mario Draghi. O número de patentes registadas nos Estados Unidos e o valor de mercado das suas grandes empresas cresceram muito mais rapidamente do que na Europa. “Não é por falta de talento. Portugal e o resto da Europa têm massa crítica suficiente, mas por um ecossistema fragmentado, excesso de regulação e canais de financiamento insuficientes”.
Como contraponto, apresentou em detalhe o Endless Frontier Labs, programa não-residencial da NYU Stern que, em quatro anos, acolheu “237 startups, com um volume de financiamento que já ultrapassa os 2 mil milhões de dólares e um market cap próximo dos 7 mil milhões”. A estrutura do programa exige às startups que visitem Nova Iorque várias vezes por ano, assegura mentoria de cientistas e investidores, e integra alunos de MBA num “círculo virtuoso” de partilha de conhecimento e contactos.
Para demonstrar o impacto prático deste modelo, Luís Cabral enumerou duas empresas de Deep Tech apoiadas pelo programa. A Wright Electric, que desenvolveu geradores compactos para uso militar e comercial, soalhou o interesse do exército dos Estados Unidos: “Um dos mentores do nosso programa, o coronel Patrick Mahaney, levou o protótipo dos geradores ao Iraque e, numa decisão rara, o exército fez imediatamente uma encomenda.” A outra, Propitious Technologies, concebeu dínamos acoplados aos amortecedores de camiões-tira, “que duplicam a eficiência no consumo de gasolina” e atraíram clientes de grande porte.
Luís Cabral contrapôs estas histórias com a realidade portuguesa e europeia, onde startups “têm dificuldade em conseguir um primeiro grande cliente” e frequentemente perdem investimento para os Estados Unidos. A dispersão do mercado único europeu, a fragmentação regulatória e a complexidade jurídica levam investidores a preferir contratos na jurisdição norte-americana, mais familiar e célere mesmo aceitando custos elevados de litígio.
A proposta de um Estado virtual europeu
Perante este diagnóstico, o diretor académico do Instituto de Políticas Públicas da Nova SBE defendeu uma solução ousada: a criação de um Estado virtual europeu, “sem território físico, mas com tribunais especializados, sistemas de licenciamento e arbitragem ágil”, inspirado num modelo de ‘common law’ capaz de assegurar segurança jurídica e “business friendliness”. Esse organismo distintos, diz o especialista, facilitaria a captação e retenção de startups, oferecendo-lhes a opção de se registar sob um regime único, livre das inércias do que apelidou de “direito napoleónico” vigente na Europa.
Como metáfora do funcionamento ideal, Luís Cabral evocou a arbitragem de rugby, na qual o árbitro “é também um regulador” que intervém verbalmente para manter a fluidez do jogo sem recorrer a paragens constantes. “Precisamos de instituições que permitam que o mercado funcione com menos interrupções e mais previsibilidade”.
Num apelo final a Portugal, Luís Cabral reconheceu que o país dispõe de condições - talento, infraestruturas e até um dos maiores índices de “unicórnios per capita” - mas lamentou o êxodo de empresas e investidores que migram para ecossistemas mais dinâmicos. “Portugal devia ter vergonha de não ser um país de topo”, concluiu, defendendo uma transformação profunda das instituições europeias ou, preferencialmente, o arranque de um sistema paralelo que, um dia, possa ser adotado por toda a União.