Foto em cima: José Vale, head of innovation do IAPMEI, Helena Taveira, investment manager da Portugal Ventures, e Paulo Reis, CEO do FI Group.
Portugal tem mostrado vontade e capacidade para reforçar o seu ecossistema de inovação, mas continua a esbarrar em obstáculos antigos: dificuldade no acesso a financiamento, processos burocráticos complexos e falta de condições para transformar boas ideias em negócios com escala internacional.
Foi com este pano de fundo que José Vale, head of innovation do IAPMEI, Helena Taveira, investment manager da Portugal Ventures, e Paulo Reis, CEO do FI Group, participaram na talk "Horizontes da Inovação: Financiamento e Desafios", promovida pelo Negócios e pelo FI Group, no âmbito do Prémio Nacional de Inovação. O objetivo foi claro, perceber onde estamos, o que nos distingue e, sobretudo, o que falta fazer para acelerar a inovação nas empresas nacionais.
"Portugal tem feito um excelente caminho no sentido da inovação. Mas não está tudo feito", lançou José Vale, aportando um balanço positivo do percurso de Portugal e salientando a capacidade que as empresas e os empreendedores demonstraram ao longo de períodos desafiantes, como a pandemia. "Temos uma grande capacidade para inovar, uma plasticidade e adaptação que mostram inteligência em todos estes processos", frisou.
Investment Manager da Portugal Ventures
Ainda assim, reconheceu que, apesar dos progressos, o país apresenta uma performance apenas moderada nos indicadores europeus - algo que espera ver melhorado num futuro próximo, graças a medidas profundas de reestruturação e às chamadas "agendas mobilizadoras", que podem impulsionar o ecossistema para um nível mais competitivo.
Na análise de Helena Taveira, esse rótulo de "inovadores moderados" resulta, em grande parte, da falta de financiamento em fases críticas, como a internacionalização de projetos que já tenham demonstrado robustez. "Sem inovação, as vantagens competitivas ficam comprometidas", alertou, apontando ainda a carência de tração comercial para a ciência produzida nas universidades.
E, embora existam políticas públicas e exemplos inspiradores no terreno - da saúde à energia, passando pela criação de hubs tecnológicos que atraíram gigantes como a Amazon e a Google -, Helena reforçou que "precisamos de dinheiro" para dar o salto.
Head of Innovation do IAPMEI
Por seu turno, Paulo Reis completou a reflexão, sublinhando o "gap muito grande" entre a força académica na produção de conhecimento e a capacidade de convertê-lo em produtos e serviços competitivos. Para o CEO da FI Group, "devíamos ser mais afoitos, assumir um pouco mais de risco e ajudar as empresas a ultrapassar o tamanho limitado do nosso mercado".
Incentivos e capital de risco
Na conversa, ficou patente o potencial e os desafios de instrumentos como os incentivos fiscais e os fundos europeus, até porque, como relembrou José Vale, "os sistemas de incentivos nunca tiveram tanto dinheiro como têm hoje em dia", acrescentando que, com o PRR e o Portugal 2030, dispomos de "milhares de milhões" de euros. Para o head of innovation do IAPMEI, esse volume representa uma oportunidade única para as empresas, com os incentivos a funcionarem "como elementos estruturantes e aceleradores", impulsionando não só a investigação e desenvolvimento, mas também a inovação e a internacionalização, "sempre com uma ligação essencial à academia e à economia real".
Na sequência, Helena Taveira destacou que os incentivos atuam de forma complementar ao capital de risco, sublinhando que "no âmbito de consórcios, co-investimentos e co-promoções, os incentivos têm sido bem-vindos para alavancar estágios críticos dos projetos". A especialista advoga que esta perspetiva reforça a ideia de que, para muitas empresas, o aporte inicial não basta, sendo necessário um suporte contínuo para superar barreiras e avançar nos seus planos de crescimento.
Complementando essa visão, Paulo Reis observou que, embora seja positivo o aproveitamento dos financiamentos, a transposição das medidas para o mercado ainda apresenta lentidão. O executivo apontou que "o processo de liberação dos financiamentos - desde os avisos de abertura até à definição das regras - tem gerado constrangimentos e gargalos para as empresas que já possuem um plano de investimento bem definido". Um comentário que destaca o desafio de transformar os robustos recursos disponíveis em apoio efetivo e ágil para o desenvolvimento dos negócios.
Um volume de investimento revelador
José Vale apresentou dados sobre o volume de investimento público em inovação. Ao abrigo do Portugal 2030, em 2023 houve 1.328 candidaturas, distribuídas em quatro fases, que totalizaram 3.236 milhões de euros - dos quais 818 projetos foram aprovados, com 632 milhões de euros efetivamente financiados. Já em 2024, foram recebidas 804 candidaturas, com um investimento total de 2.161 milhões de euros, e, na primeira fase, foram aprovados 310 projetos, totalizando 232 milhões de euros em incentivos. O especialista ressaltou que, com a expectativa da abertura do aviso para a inovação em abril, "as empresas devem aproveitar" essa oportunidade para avançar.
Nesse mesmo compasso, Helena Taveira detalhou o perfil dos investimentos realizados pela Portugal Ventures. Desde 2012, conforme destacou, foram investidos 224 milhões de euros, com as áreas digital e turismo a destacarem-se - respetivamente com 88 e 50 milhões de euros. Helena Taveira observou que, no ano passado, a Portugal Ventures investiu em 38 operações, totalizando 13,6 milhões de euros, "onde o turismo, pela primeira vez, aparece a liderar não pelo número de operações, mas por tickets de investimento mais robustos". Ainda enfatizou a importância de ampliar os investimentos na área da saúde, "já que temos a missão de cobrir falhas de mercado, especialmente considerando que há poucos operadores de capital de risco que atuam nesse setor".
Em relação aos entraves para aceder aos incentivos, Paulo Reis abordou desde logo a complexidade dos processos burocráticos. De acordo com o gestor, "as empresas têm como principal função desenvolver o seu core business e não dedicar recursos à elaboração de candidaturas, que exigem interpretação de regulamentos e cumprimento de rigorosos deadlines impostos pelas diretivas europeias". Paulo Reis apontou ainda que, apesar de a maioria das empresas ter capacidade para analisar as leis, "existem advogados especializados e consultoras - algumas muito competentes, outras menos - que auxiliam na interpretação e na submissão das candidaturas de forma competitiva e conforme as regras". Para Paulo Reis, um dos maiores desafios é que "as entidades responsáveis - como o IAPMEI, a ANI, a AICEP e o Turismo de Portugal - operam sob as restrições das regras de contratação pública e do Orçamento do Estado, o que implica uma capacidade de investimento em recursos humanos e plataformas tecnológicas limitada. Se tivessem essas condições, os processos seriam muito mais rápidos e as empresas conseguiriam investir com maior agilidade".
Questionado sobre o impacto do PRR e do Portugal 2030 no acesso das empresas - sobretudo das PME - ao ecossistema de inovação, José Vale afirmou que "estão a transformar o caminho da inovação de uma forma muito intensa" e explicou que as próprias empresas, enquanto agentes de inovação, "batem de frente com o mercado" e precisam de se apoiar num esforço colaborativo que una instrumentos, centros de saber e a academia, para ultrapassar barreiras existentes. José Vale destacou que "uma das críticas dos indicadores europeus é justamente a integração da inovação ao nível da PME" e ressaltou a importância de "dar as mãos em conjunto", enfatizando que ainda falta construir uma ponte entre o tecido empresarial tradicional e o universo das startups e do empreendedorismo.
Empreendedores são heróis
O relatório do Draghi recomenda que as empresas recorram mais ao mercado de capitais do que à banca tradicional. Helena Taveira corrobora plenamente esta opinião. "A banca tradicional é credora. Nós não somos credores, somos parceiros", disse. A especialista explicou que, na sua unidade de negócio, são responsáveis por 70 investimentos, cada um de apenas 100 mil euros - um montante que, para ela, torna os empreendedores "heróis", dado que "fazer qualquer coisa durante 18 ou 24 meses com 100 mil euros só pode ser, de facto, um grande desafio e uma aventura." Helena Taveira enfatizou ainda que o papel do investidor vai muito além do aporte financeiro, caracterizando-se como "smart money", ou seja, um apoio constante na gestão e na estratégia, que reforça as autonomias financeiras das empresas, facilitando a captação de novas rondas de capital e a abertura de portas para oportunidades comerciais.
CEO do FI Group
Na perspetiva de Paulo Reis, a experiência prática revela que determinados setores da economia nacional estão a demonstrar significativa maturidade no campo da inovação. Embora considerasse a pergunta "um pouco injusta" - pois diversos setores têm mostrado avanços -, Paulo Reis enfatizou que a indústria transformadora, as tecnologias de informação e, especialmente, a área da saúde (muito ligada à digitalização e à biotecnologia) são exemplos relevantes. O CEO do FI Group descreveu, por exemplo, a participação em testbeds - considerados um case study a nível europeu, oriundos do financiamento via Next Gen e adaptados para o PRR - que têm permitido a integração de PME no ecossistema das grandes empresas. Segundo Paulo, "as grandes empresas, ao trazerem as PME para dentro do seu ecossistema, estão a dar-lhes a oportunidade de desenvolver produtos e serviços que, de outra forma, não iriam conseguir", criando uma cadeia de valor robusta tanto para os players já estabelecidos quanto para as novas empresas que se desenvolvem.
SIFIDE necessitava outra ronda
Helena Taveira destacou que o SIFIDE, embora seja um instrumento eficaz de apoio fiscal, impõe exigências rigorosas - como EBITDA positivo, vendas robustas e tração internacional - que muitas startups emergentes ainda não conseguem cumprir. Essa rigidez, segundo a responsável, limita o acesso das novas iniciativas a esse tipo de investimento, deixando de aproveitar oportunidades que, embora promissoras, não atendem completamente a esses critérios.