Apesar dos avanços da tecnologia e da inteligência artificial, o papel dos profissionais de mediação imobiliária continua a ser imprescindível.
No imobiliário, inovar é uma construção paciente e cumulativa, feita tanto da adoção de novas ferramentas como da qualificação contínua dos profissionais, afirma Paulo Caiado, presidente da direção nacional da APEMIP - Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária. "A marcação do futuro acontece todos os dias. Não se traduz num momento de celebração ou na superação de uma barreira a partir da qual tudo se transforma". Para o dirigente, cada gesto de modernização tecnológica inscreve o futuro no presente, motivando a associação a apostar numa resposta estruturada à inovação.
Presidente da Direção Nacional da APEMIP
A principal ferramenta da APEMIP para acompanhar essa transformação é a denominada Academia, um projeto que alia exigência e atualidade. "Temos vindo a integrar formações dedicadas ao desempenho tecnológico e à adoção de novas ferramentas digitais na Academia APEMIP, uma forma de incentivar a qualificação contínua dos profissionais do setor e promover a modernização sustentada da mediação imobiliária". A prioridade passa por assegurar uma oferta formativa de elevada qualidade, "totalmente alinhada com as necessidades do setor", e por preparar os mediadores para um mercado onde a tecnologia já é indissociável do dia a dia.
A associação reconhece, no entanto, que a realidade é desigual. "O setor da mediação imobiliária em Portugal é caracterizado por grande diversidade e heterogeneidade, o que naturalmente se reflete em diferentes níveis de recetividade à adoção de novas ferramentas e soluções digitais". O presidente admite que há empresas e agentes mais preparados, outros que ainda resistem à transição digital, cabendo à APEMIP apoiar todos, sem exceção.
Entre as soluções tecnológicas que mais têm impactado o setor, Paulo Caiado destaca as plataformas digitais e a inteligência artificial. "Representam uma oportunidade valiosa para potenciar a eficácia da mediação imobiliária, sem desvalorizar o papel insubstituível dos profissionais de mediação". Ao permitir uma análise de dados mais apurada, estas ferramentas contribuem, segundo o dirigente, para valorizações mais precisas dos imóveis e uma melhor personalização entre a oferta e a procura. "Ao compreender com maior detalhe os critérios de pesquisa dos compradores - como a localização, tipologia ou faixa de preço -, é totalmente previsível que estas soluções poderão construir perfis ajustados a cada utilizador, tornando o processo de mediação mais eficiente".
Tecnologia como motor de estratégia
Essa transformação que Paulo Caiado descreve do ponto de vista associativo ganha expressão concreta em empresas que têm vindo a integrar a tecnologia como motor da sua estratégia. No grupo Libertas, a inovação tecnológica é vista não apenas como uma tendência, mas como um compromisso de longo prazo. "Na Libertas, este tem sido um pilar estratégico para promover a sustentabilidade e eficiência dos nossos empreendimentos, a par de uma melhor experiência proporcionada também ao cliente", afirma Pascal Gonçalves, administrador do grupo Libertas Investimentos imobiliários.
A incorporação de tecnologia começa logo na fase de conceção. Todos os projetos incluem sistemas de monitorização energética e hídrica, produção centralizada de energia, infraestruturas de carregamento para veículos elétricos e a obtenção de certificações A ou A+ no desempenho energético e AQUA+ na eficiência hídrica. Mas vai mais além. A nível digital, a empresa recorre a ferramentas que melhoram a relação com o cliente, como uma ferramenta de CRM que permite uma gestão personalizada, e aposta em visitas virtuais a imóveis ainda em construção, simulações 3D para personalização de acabamentos e decoração e, mais recentemente, numa plataforma que permite o acompanhamento, em tempo real, da obra no empreendimento UNIQUE Tagus, em Alcochete.
Administrador do Grupo Libertas
Essa abordagem inovadora estende-se também ao futuro: "Preparamo-nos para implementar a metodologia BIM, que permitirá criar clones digitais dos edifícios, otimizando todo o seu ciclo de vida".
A inteligência artificial e a análise de dados já estão incorporadas no funcionamento diário da Libertas, sobretudo no marketing e na experiência digital do utilizador. "O nosso site integra já soluções baseadas em IA e utilizámos estas tecnologias para criar e otimizar campanhas, recorrendo a testes A/B automatizados e algoritmos que nos ajudam a definir audiências, prever comportamentos e ajustar a comunicação em tempo real". Plataformas como o Google Ads, com mecanismos de IA embutidos, são uma presença constante na estratégia digital da empresa, esclarece o administrador.
Apesar deste avanço tecnológico, Pascal Gonçalves acredita que a tecnologia deve reforçar, e não substituir, a dimensão humana da mediação. "Defendemos, por isso, um modelo híbrido, que oferece autonomia ao cliente quando este assim o deseja, complementado com apoio personalizado sempre que necessário". Essa convicção manifesta-se na aposta em ferramentas digitais que facilitam a decisão - sobretudo para quem compra à distância -, como a personalização online de acabamentos ou simulações de rentabilidade em tempo real, sem perder de vista a importância do acompanhamento direto.
Novas abordagens ao cliente
A par do investimento em sustentabilidade e da modernização dos processos construtivos, a transformação do setor imobiliário está também a ser impulsionada por novas abordagens à relação com o cliente. "A tecnologia tem tido um papel absolutamente transformador no setor imobiliário, sobretudo na forma como aproximamos os clientes dos imóveis e dos consultores", afirma Patrícia Alvarez, diretora de Inovação da Remax Portugal.
Nesta rede imobiliária, a aposta em soluções digitais tem sido feita com critério e foco prático. "Temos investido de forma muito consciente em soluções que realmente acrescentem valor - desde o nosso CRM interno à nova app, desenhada de raiz para uma experiência rápida, intuitiva e centrada no utilizador". Entre as funcionalidades mais recentes, a diretora destacou o virtual staging com Inteligência Artificial, que permite aos clientes visualizar o potencial de um imóvel de forma imediata, criando uma ligação mais emocional e ajudando a acelerar decisões. Mas o esforço de inovação não se esgota no que é visível. "Passa também por melhorar os processos internos, dar mais autonomia às equipas e garantir que todos os nossos agentes têm acesso a ferramentas robustas, integradas e fáceis de usar".
Tal como acontece no Grupo Libertas, também na Remax a inteligência artificial e a análise de dados já estão integradas no dia a dia, com impacto direto na personalização da experiência e na afinação da estratégia. "A análise de dados tem sido essencial para conhecermos melhor o comportamento dos nossos clientes, perceber que zonas estão em crescimento, que tipo de imóveis são mais procurados ou até qual o momento ideal para contactar um potencial comprador ou vendedor". Mais recentemente, a Remax começou a explorar também soluções de IA generativa, nomeadamente na criação automatizada de descrições de imóveis e no desenvolvimento de assistentes virtuais para apoio a consultores e clientes. "Queremos usar estas ferramentas para antecipar necessidades e proporcionar uma experiência cada vez mais relevante e personalizada".
Diretora de Inovação da Remax Portugal
Para Patrícia Alvarez, as plataformas digitais e as visitas virtuais vieram complementar, e não propriamente ameaçar, o modelo tradicional. "O cliente consegue hoje fazer uma triagem muito mais eficaz sem sair de casa, o que reduz o tempo e o esforço envolvidos para todos os intervenientes". Mas o toque humano mantém-se central: "Comprar ou vender casa é um processo emocional, e a relação de confiança com um consultor experiente é insubstituível".
Um meio para resolver questões estruturantes
A inovação no setor imobiliário não se esgota nas ferramentas digitais ou na relação com o cliente, estende-se à forma como as cidades são pensadas e construídas. É precisamente essa a abordagem da DST Real Estate, que encara a tecnologia como um meio para responder a questões estruturantes."Que cidades queremos ter no futuro? Qual o futuro da construção dessas cidades? Qual o futuro do trabalho na construção?", pergunta Ana José Teixeira, CEO da empresa.
Desde 2022, o dstgroup lidera um laboratório de inovação e desenvolvimento, em parceria com 48 entidades, que funciona como um centro de pesquisa e testagem de soluções à escala real. O projeto, designado Living Lab, visa promover um pensamento interdisciplinar onde arquitetura, design, tecnologia e artes se cruzam para desenvolver modelos de construção industrial mais sustentáveis - nos materiais, no impacto ambiental, nas condições humanas e na eficiência territorial e social. "Libertar as cidades do seu estado de ‘estaleiro’" é uma das metas, ao transferir parte do processo construtivo para ambientes controlados de fábrica, o grupo consegue acelerar prazos, reduzir desperdício, reforçar o controlo de qualidade e melhorar as condições de trabalho.
Esse compromisso já está materializado num empreendimento em Braga com o mesmo nome, Living Lab, que reúne cerca de 100 unidades habitacionais distribuídas por cinco programas funcionais: residências para estudantes, habitação, hotelaria, residências hospitalares e seniores. O objetivo é claro: disponibilizar um processo de construção industrial "sistémica", com soluções testadas, maior previsibilidade de custos e prazos, e liberdade criativa para investidores, promotores e arquitetos.
CEO da DST Real Estate
A par da construção modular, também a inteligência artificial e a análise de dados estão no centro da estratégia da DST Real Estate. A empresa está a desenvolver uma plataforma unificada, que permitirá a gestão centralizada de dispositivos domésticos - da climatização à segurança -, com um assistente virtual capaz de aprender com os hábitos dos utilizadores. "A nossa maior aposta é a incorporação de um assistente virtual inteligente, capaz de sugerir melhorias nas rotinas diárias, com o objetivo de otimizar o conforto, a eficiência energética e a qualidade de vida".
O acesso a uma base de dados alargada, fruto da posição do dstgroup no setor da construção civil, tem permitido alimentar modelos preditivos que ajudam a antecipar tendências e fundamentar decisões. "Os dados tornaram-se o novo petróleo, e o setor imobiliário não é exceção", sublinha Ana José Teixeira.