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Tecnologia vai permitir saltos quânticos na segurança rodoviária

Sensores que “veem” antes do condutor, algoritmos que antecipam acidentes e portagens que se pagam sozinhas. A união entre infraestruturas conectadas e software automóvel melhora a segurança rodoviária e a experiência de condução.

22 de Abril de 2025 às 12:37
Pedro Ferreira
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Foto em cima: Manuel Melo Ramos e João Carreira, conversam sobre a mobilidade inteligente. 

O conceito da Via Verde justifica a afirmação de que "a inovação e a tecnologia estão no ADN da Brisa desde o início", recordou Manuel Melo Ramos, administrador do Grupo Brisa, na Talk "Mobilidade Inteligente" que decorreu nas instalações da Brisa, no âmbito do Prémio Nacional de Inovação. A ViaVerde, aliás, continua a ser "a inovação mais emblemática" do grupo, somando já mais de três décadas de evolução. O gestor explicou que essa cultura levou a Brisa a desenvolver competências próprias, materializadas na A-to-Be, empresa que fornece soluções tecnológicas tanto para o grupo como para clientes externos, particularmente no mercado norte-americano.

A operação das autoestradas, disse, assenta em sistemas de portagem, telemática e monitorização construídos internamente. A rede integra cerca de 700 câmaras interligadas por 1500 quilómetros de fibra ótica, capazes de enviar vídeo em tempo real para o Centro de Controlo Operacional em Carcavelos. "Quem entra numa autoestrada da Brisa nunca está sozinho", salientou. Quando um veículo para, ocorre um acidente ou se forma uma fila, os operadores detetam o incidente em segundos, acionam meios de socorro e atualizam os painéis de mensagem variável. O próximo passo, diz o CEO, é adicionar camadas de inteligência artificial para tornar estes processos "cada vez mais autónomos e rápidos", chegando ao ponto de os algoritmos sugerirem - e, no cenário ideal, executarem - ações em tempo real.

Acredito muito na condução autónoma e na conectividade para chegarmos a um nível de segurança nas nossas autoestradas muito elevado.Manuel Melo Ramos

Administrador do Grupo Brisa

A indústria automóvel é um dos setores onde a mobilidade inteligente veio revolucionar a sua atuação. João Carreira, CEO da Critical Software, relembrou que a empresa nasceu há 25 anos como fornecedor de software para setores críticos, mas hoje "é um ecossistema de startups, spinoffs, joint ventures e um fundo de investimento" que floresceu à volta da investigação. O setor automóvel tornouse, entretanto, "o maior mercado do grupo", graças à CriticalTechworks, sociedade 50/50 criada em 2018 com a BMW. "Começámos com 100 pessoas e hoje somos cerca de 3l engenheiros", revelou João Carreira, classificando os últimos seis anos como "muito intensos" e decisivos para levar o ADN digital à construtora alemã.

Se durante um século o motor de combustão foi a joia do automóvel, essa hegemonia acabou, argumentou o responsável: "O motor elétrico é uma commodity, o que fará a diferença é o software". As marcas perceberam que precisam desse ADN e, quando não o conseguem criar internamente, recorrem a parcerias como a estabelecida com a Critical para acelerar a transformação digital.

Entre linhas de código e IA

Enquanto a Brisa digitaliza a infraestrutura para garantir viagens mais seguras e eficientes, a Critical Software desenvolve o "cérebro" que diferenciará os veículos do futuro. De um lado, sensores, fibra e inteligência artificial. Do outro, linhas de código que prometem redefinir a experiência ao volante. O ponto de encontro está na certeza partilhada de que inovação, processos e pessoas são tão determinantes quanto a tecnologia que os sustenta.

João Carreira admite que a inteligência artificial já permeia todo o ciclo de desenvolvimento e operação automóvel. "A IA é utilizada quase de forma horizontal em todas as áreas", disse. Dos assistentes que ajudam os programadores a escrever código aos modelos que correm dentro dos veículos, tudo beneficia de ‘datalakes’ alimentados por "dezenas ou centenas de sensores por veículo". O exemplo mais vistoso continua a ser a condução autónoma, mas o executivo sublinhou ganhos igualmente valiosos na deteção precoce de perigos: "Se um BMW circular na autoestrada da Brisa às três da manhã e os sensores identificarem aquaplaning, a informação sobe à cloud e todos os BMW na zona são avisados". O sistema já funciona, embora ainda restrito à frota da marca - a partilha com gestores de infraestrutura e com outros fabricantes, sublinhou, é o passo que falta para multiplicar o valor acrescentado.

A inovação mais emblemática da Brisa foi a ViaVerde e já leva mais de 30 anos de desenvolvimento.Manuel Melo Ramos

Administrador do Grupo Brisa

Manuel Melo Ramos concordou que "a infraestrutura tem um papel fundamental" na condução autónoma. Por mais sofisticado que seja o veículo, explicou, a redundância proporcionada pela estrada eleva a confiança dos algoritmos e uniformiza o serviço para os carros com menos sensores. "Claramente o setor automóvel não deve trabalhar sozinho. Nas autoestradas, onde há viagens longas e tráfego intenso, a colaboração faz todo o sentido". A Brisa já testa o conceito na A9, a sua "autoestrada laboratório", onde está a instalar Roadside Units bidirecionais em parceria com várias marcas, ainda num modelo "fabricante a fabricante", algo que o gestor considera insuficiente. "O passo que todos temos de dar como sociedade é abrir os modelos e partilhar informação", defendeu.

João Carreira apontou precisamente essa vantagem competitiva das concessionárias. "Empresas como a Brisa podem ser pioneiras porque, ao contrário das cidades, o business case de sensorização e comunicação em autoestrada é imediato". E lembrou que, durante muitos anos, o parque automóvel terá veículos "legacy" sem sensores, o que reforça a necessidade de um piso inteligente capaz de suprir lacunas.

O salto quântico, acredita, chegará quando veículos e infraestrutura comunicarem de forma instantânea: "Já há carros que travam sozinhos; em breve a própria autoestrada avisará o carro e os veículos reagirão de forma autónoma, com a IA a gerir tudo em tempo real".

João Melo Ramos acrescenta que as tecnologias de segurança, como a monitoração de motoristas, estão a tornar-se gradualmente obrigatórias, citando a crescente necessidade de regulamentação, o que levou à referência da relevância para a atualização da frota em Portugal, a dificuldade das seguradoras em lidar com veículos autónomos e a competição no setor. "Quando vidas humanas estão em risco, a regulação tem de estar presente", como sublinhou JoãoCarreira, reconhecer que o excesso de normas pode "atrapalhar" noutros setores, mas que, neste caso, o escrutínio é indispensável. "Por um veículo autónomo na estrada sem garantias seria inaceitável. Ainda há zonas cinzentas, como a questão dos seguros: se houver um acidente, quem responde? A marca? O ocupante?" Essas incertezas atrasam a massificação dos sistemas de Nível 3, ainda confinados a pilotos como o do Waymo. Todavia, garante, "há uma corrida entre marcas e vamos lá chegar".

Do lado da Brisa, o administrador concorda que o regulador é um "stakeholder" vital. O grupo tem testado novos esquemas de sinalização e proteção de viaturas em colaboração com o IMT e a ANSR, sempre em ambiente controlado. "Precisamos destes períodos de teste para garantir que cada passo é dado de forma sólida", disse, revelando que os resultados "têm sido bastante positivos, melhorando não só a segurança de quem circula, mas também de quem trabalha".

João Carreira recordou que toda a engenharia de software para automóveis bebeu muito da aviação civil. "Nos aviões há imensas normas, é complicado desenvolver software porque tem de ser bastante ‘safe’, e é. No automóvel, a ISO 26262 nasceu desse legado". Mesmo assim, frisou, a esmagadora maioria dos sinistros não resulta de falhas do programa nem do carro: "Normalmente são erros humanos, imprevistos".

Tecnologia ganha protagonismo

O gestor explicou que a Critical TechWorks participa "desde os sistemas de manufacturing execution e gestão de energia até à comercialização online dos BMW". Essa plataforma digital, que permitirá configurar e comprar o automóvel sem passar pelo stand, "será lançada para o ano". Ainda assim, admite, o grosso da intervenção continua "dentro" do veículo: a nova arquitetura Neue Klasse, que a marca apresenta em maio após um investimento próximo dos "20 mil milhões", terá "mais de 50 % do software feito aqui em Portugal", abrangendo travões, infoentretenimento, aplicações e condução autónoma.

Começámos com 100 pessoas em 2018 e hoje somos cerca de 3 mil engenheiros na Critical Techworks.João Carreira

CEO da Critical Softwarer

Do lado da infraestrutura, Manuel Melo Ramos revelou que a Brisa está a integrar nos seus sistemas a informação captada pela app Waze, "não é o veículo, mas o condutor através do telemóvel que nos dá dados valiosos". Em paralelo, a concessionária está a expandir os algoritmos de deteção automática de incidentes - ensaiados no sublanço experimental da A9 - para toda a A9 e A5, tirando partido da rede de câmaras existentes. A cooperação com fabricantes inclui testes de pagamento automático de portagens diretamente a partir do automóvel, em articulação com a ViaVerde; e medidas físicas para proteger equipas de manutenção, como os 19 camiões TMA com "almofadas" de absorção. "No ano passado sofreram 11 impactos e não houve um único ferido", sublinhou. A atenção voltou-se também para a sinalização horizontal e vertical: "Percebemos que, agora que os carros as "leem" com câmaras, manter marcas rodoviárias em condições ótimas faz toda a diferença".

No fecho da Talk, Manuel Melo Ramos, referiu que "a conectividade entre veículos e infraestrutura pode fazer toda a diferença. Acredito que a condução autónoma em rede é o caminho para chegarmos a 2050 com zero mortes nas autoestradas". Já João Carreira sublinhou a partilha de dados. "Os dados existem, estão é compartimentados. Se houver uma tecnologia ou um quadro que os reúna e permita o acesso aos vários atores, salvam-se vidas e torna-se o trânsito mais fluido, com menos consumo e menos emissões."

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