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Portugal na nova era da inovação aeroespacial e da defesa

A inovação, quando bem articulada com estratégia, indústria e talento, tem o potencial de gerar verdadeiro valor para o país. Hoje, Portugal desenha aviões, fabrica satélites, desenvolve novos materiais e testa tecnologias de vanguarda. “E faz isso com uma visão europeia, aberta ao mundo, mas ancorada em talento nacional”, sublinha José Neves, presidente do AED Cluster.

02 de Maio de 2025 às 12:32
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    Quando, em 1997, José Neves terminou o curso de Engenharia Aeroespacial no Instituto Superior Técnico, a maioria dos recém-licenciados procurava oportunidades de trabalho fora do país. Foi o caso de metade dos colegas desse curso. A outra metade, a que permaneceu em Portugal, trabalha maioritariamente em outros setores de atividade. Passados 28 anos, o cenário é muito diferente. O AED Cluster, que inclui as áreas Aeronáutica, Espaço e Defesa, conta com mais de 150 entidades, entre grandes grupos internacionais como a Airbus ou a Embraer, PME nacionais e institutos de investigação, e estima chegar às 160 antes do verão. O setor representa cerca de 20 mil postos de trabalho qualificado e atingiu, em 2024, um volume de faturação de 2,1 mil milhões de euros. Em 2019, o cluster contava apenas com 63 entidades e uma faturação de 1,1 mil milhões de euros, representando um crescimento exponencial em ambos os indicadores em cinco anos.

    A ambição do cluster é duplicar estes números até 2030 e representar 3% do PIB. "Vamos conseguir não só porque estes mercados são altamente emergentes, mas porque as empresas portuguesas têm apostado cada vez mais neste setor. E isso traz uma grande responsabilidade ao cluster, sobretudo na missão de colocar estas empresas a trabalhar em conjunto", afirma José Neves, presidente do AED Cluster Portugal e diretor de Segurança Interna e Defesa na GMV, no Inovcast, o podcast do Prémio Nacional de Inovação.

    O país tem uma oportunidade única de se afirmar como um player relevante nos setores da aeronáutica, espaço e defesa. Para isso, é preciso agir com rapidez, profissionalismo e uma articulação eficaz entre a indústria, as Forças Armadas, a academia e o Governo, para não perder as oportunidades que o mercado e a conjuntura geopolítica colocam ao setor. "O futuro está a ser construído aqui. Temos uma oportunidade única. E não a podemos desperdiçar", diz José Neves.

    Mudança de fornecedores a integradores

    A transformação do setor em Portugal está a ser feita por via de projetos de inovação estruturantes. No programa Aero.Next Portugal destaca-se o desenvolvimento da aeronave LUS 222, uma aeronave regional ligeira com uso dual, civil e militar, desenhada em Évora e cuja montagem será feita em Ponte de Sor. Trata-se da primeira aeronave desenvolvida, fabricada e comercializada em Portugal, de raiz, para integrar sistemas de propulsão convencionais, híbridos e elétricos. Um projeto desenvolvido pelo CEiiA – Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto, em parceria com a Força Aérea Portuguesa e a Geosat.

    No espaço, o programa New Space Portugal permitiu já o lançamento do PoSAT-2, da LusoSpace, primeiro satélite comercial português, e prevê-se a colocação em órbita de 28 novos satélites nos próximos anos. No campo dos veículos suborbitais, o projeto VIRIATO desenvolve tecnologia de ponta para testes em ambiente espacial.

    Estes projetos envolvem consórcios vastos que incluem empresas como a Tekever, Almadesign ou GMV e entidades como o INEGI, ISEP ou o Instituto Superior Técnico. "Estamos a passar de um papel de fornecedores de componentes para OEMs nacionais – integradores finais de soluções tecnológicas com base em Portugal", afirma José Neves. Esta mudança é disruptiva para a indústria nacional, permitindo criar e controlar cadeias de valor completas a partir do território nacional.

    Portugal na nova era da inovação aeroespacial e da defesa

    A força do ecossistema

    Esta evolução não seria possível sem um ecossistema colaborativo e maduro. O AED Cluster tem promovido a aproximação entre empresas, instituições científicas e autarquias. "Há dez anos era mais fácil colaborar com empresas estrangeiras do que com portuguesas. Hoje é o contrário. Trabalhar em conjunto permite acelerar conhecimento, desenvolver capacidades e responder a concursos internacionais de grande escala", explica José Neves.

    Exemplo disso é o projeto FlyPT, na área da mobilidade aérea urbana, que junta grandes e pequenas empresas, institutos e centros de investigação num consórcio coeso, já com um protótipo em fase avançada. Ou o projeto ARX, liderado pela Tekever, que está a desenvolver um drone de 650 kg – uma classe acima do habitual, com exigências técnicas e de certificação mais elevadas.

    Além da indústria e da academia, também os municípios têm um papel ativo, atraindo investimento, impulsionando formação local e integrando-se em estratégias de desenvolvimento industrial e tecnológico.

    Talento, formação e salários acima da média

    O crescimento do setor tem gerado uma crescente procura por perfis técnicos e científicos altamente especializados. "Precisamos de engenheiros, programadores, especialistas em materiais, técnicos com formação aeronáutica. E pagamos acima da média nacional", sublinha José Neves. De acordo com dados do cluster, os salários médios no setor AED são cerca de 43% superiores aos praticados, por exemplo, na indústria automóvel.

    O Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) desempenhou um papel-chave na criação de competências específicas para a indústria aeronáutica, desde a instalação das fábricas da Embraer em Évora, em 2012. E a própria criação da Agência Espacial Portuguesa veio consolidar o posicionamento estratégico do país no domínio do espaço.

    A inovação é a nova defesa

    José Neves é claro. "A defesa já não é só armas e balas. Hoje, é sobretudo inovação." A guerra na Ucrânia veio acelerar a transformação tecnológica das forças armadas europeias. A inteligência artificial está a ser integrada em sistemas de comando e controlo, em munições inteligentes e em novas plataformas de combate.

    A aposta no uso dual da tecnologia desenvolvida para a defesa é vista como essencial. Os mesmos desenvolvimentos podem ter uma aplicação civil, aumentando a escalabilidade e a viabilidade económica dos projetos. "Um drone ou um satélite pode servir tanto para fins militares como para monitorização ambiental, gestão florestal ou segurança marítima", afirma.

    Neste contexto, o European Defence Fund surge como uma ferramenta importante para alavancar projetos de I&D com forte potencial de industrialização. Mas é preciso mais. "Se queremos transformar os investimentos em resultados concretos, é necessário um alinhamento entre o Ministério da Defesa, o da Economia, o da Educação e o da Ciência. Só assim teremos capacidade de resposta e sustentabilidade no longo prazo."

    Portugal na nova era da inovação aeroespacial e da defesa

    Agir com rapidez, decidir com visão

    A guerra trouxe urgência. E trouxe também uma oportunidade única para Portugal. Mas exige capacidade de execução. "Precisamos de tomar decisões rápidas e eficazes. O tempo político não pode ser o tempo do setor. Os investimentos em defesa são estratégicos e exigem planeamento a médio e longo prazo", alerta.

    Um dos grandes riscos que identifica é a morosidade da decisão europeia: "Enquanto os EUA fecharam mais de 1400 negócios com startups de defesa num só semestre, a Europa teve apenas 30. Se não atuarmos agora, perdemos a corrida da inovação para os Estados Unidos e para a Ásia."

    José Neves defende, por isso, que a Europa deve acelerar os programas de investimento, nomeadamente o plano "Rearm Europe", e apostar em processos de decisão mais ágeis. E reforça que "investir em defesa é investir em soberania e em indústria. O Primeiro-Ministro tem razão quando diz que não é despesa – é investimento com retorno."

    Conhecimento, visão e ambição

    Para as empresas que querem entrar neste ecossistema, Neves deixa um conselho claro: "Conheçam o cluster. Participem nos nossos eventos. Falem com quem já está dentro. Há oportunidades para empresas industriais, tecnológicas e até do setor automóvel que queiram diversificar."

    Mas reforça que é fundamental compreender os requisitos técnicos e legais do setor, especialmente na área da defesa, desde a certificação de produtos à regulamentação de exportações, passando pelas exigências do Gabinete Nacional de Segurança e do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

    O evento AED Days, promovido pelo AED Cluster, será uma das plataformas para facilitar este contacto e dinamizar o networking entre empresas, forças armadas e entidades governamentais.

    Europa como motor de inovação

    Apesar dos desafios, José Neves é otimista quanto ao papel da Europa como gerador de inovação. "Na transição verde, a Europa está na linha da frente. E temos de continuar a investir em tecnologias como o SAF (sustainable aviation fuel), o hidrogénio ou a navegação quântica, que podem ser aplicadas transversalmente nos três setores."

    A importância da inovação é também visível no papel do design. José Neves destaca o livro "Design Thinking", de Joana Mendonça e Guilherme Victorino, como uma obra que mudou a sua forma de pensar produtos e soluções. Para finalizar, recomenda "Genesis", de Henry Kissinger e Eric Schmidt, como leitura essencial para entender o impacto transformador da inteligência artificial.

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