
O mercado europeu de centros de dados está em rápida expansão, impulsionado pela crescente adoção de serviços de cloud, inteligência artificial, armazenamento e capacidade computacional. Portugal destaca-se como um destino estratégico para investimentos neste setor, oferecendo vantagens competitivas significativas.
O país surge bem posicionado no mapa para se tornar um hub estratégico de centros de dados na Europa, beneficiando da sua localização e infraestrutura energética renovável. Com investimentos significativos em curso e políticas de apoio, Portugal tem o potencial de desempenhar um papel central na economia digital europeia. Mas estará a aproveitar este potencial? O que falta ao país para ser verdadeiramente atrativo para investidores e tecnologias internacionais? E porque é que este tipo de investimento é relevante para a economia nacional?
Rita Lourenço, vice-presidente da associação PortugalDC e Iberia Critical Power Sales Manager na Legrand Data Center Solutions, reconhece no InovCast, o podcast de conversas sobre inovação integrado no Prémio Nacional de Inovação, que Portugal se está a afirmar como destino estratégico para centros de dados e infraestruturas críticas da economia digital. Acredita que o país tem uma oportunidade histórica para se posicionar na linha da frente da inovação europeia e justifica a posição da associação. “Um investidor olha para o custo da energia e para a sua origem. E Portugal tem uma das percentagens mais altas de energia renovável da Europa”, sublinhou.
A vice-presidente da PortugalDC é clara em relação ao momento que o país atravessa. “Portugal tem muito potencial, mas ainda há um grande trabalho a fazer.” A associação, criada há cerca de dois anos, atua em três frentes. Fomentar o networking entre os associados, produzir conteúdos técnicos através de comités especializados e promover Portugal como hub digital junto de entidades internacionais.
O dinamismo do setor reflete-se no número de associados. São 108 empresas e entidades governamentais que representam operadores de data centers, instaladores, fabricantes e fornecedores de soluções. Este ecossistema colabora em comités técnicos sobre temas como sustentabilidade, talento, regulamentação ou infraestrutura. Há também uma frente diplomática ativa, com a PortugalDC a trabalhar com o Ministério da Economia, AICEP e a Embaixada dos EUA para atrair investimento internacional.
As estimativas da PortugalDC apontam para um investimento acumulado de 11 400 milhões de euros até 2030, com potencial para criar 17 mil empregos por ano e representar 4% do PIB. “Este impacto vai muito além da construção dos centros de dados. Cria postos de trabalho qualificados, atrai serviços especializados e alimenta um ecossistema de inovação que inclui startups, centros de investigação e universidades.”
Entre os projetos já anunciados incluem-se o data center da Merlin, com 180 megawatts, no Carregado, e novos investimentos em Alcochete por parte de grupos franceses e espanhóis. Há também hyperscalers americanos a avaliar Portugal como destino.
A grande ambição passa por garantir uma das sete gigafactories de inteligência artificial previstas pela União Europeia. “A associação está a apoiar o Banco de Fomento na candidatura. É um projeto transformador e seria um grande trunfo para o país”, afirma Rita Lourenço.
Concorrência internacional
Mas Portugal não está sozinho nesta corrida e enfrenta grande concorrência do outro lado da fronteira. “O mercado espanhol é mais maduro e tem maior visibilidade europeia. Madrid já é um hub consolidado e agora também regiões como Aragão estão a atrair megaprojetos, como os da Amazon e da Microsoft”, exemplifica Rita Lourenço.
Só a região de Aragão conta com dois grandes investimentos. Um da AWS, com um valor estimado de 15,7 mil milhões de euros, e outro da Microsoft, com 9,3 mil milhões de euros, para a construção de centros de dados de grande escala. Há ainda um projeto da Azora, com um investimento previsto de 1,1 mil milhões de euros. Apesar destes números, a região espanhola mais desenvolvida e melhor posicionada para captar investimento neste setor continua a ser Madrid. Como refere Rita Lourenço, “Madrid está cinco a seis anos à frente de Lisboa. Tem um ecossistema consolidado, processos de licenciamento mais rápidos e capacidade energética preparada para acolher hyperscalers”, sublinhando que Portugal tem a vantagem de poder aprender com os acertos, e os erros, do país vizinho.
Para Rita Lourenço, os desafios mais urgentes que Portugal enfrenta neste setor são a formação de talento especializado, a simplificação dos licenciamentos e a articulação entre entidades públicas e privadas. “Temos programas com instituições de ensino, projetos de reskilling e pós-graduações dedicadas. Mas é preciso fazer mais.”
A ligação entre os investimentos em data centers e o impulso à inovação é direta. “Estes projetos ajudam a criar um Portugal mais digital. São a base para a transição tecnológica, estimulam a economia e geram oportunidades de investigação e desenvolvimento.”
Em paralelo, é necessário melhorar o alinhamento entre o setor público e o privado. “Há um esforço de sensibilização, porque muitos ainda desconhecem a dimensão deste setor em Portugal.” Para ajudar a consolidar o conhecimento sobre o mercado, está em curso um relatório de análise do setor a nível nacional. O Market Outlook Centros de Dados Portugal vai mapear a base instalada de centros de dados no país.
Para finalizar a conversa, Rita Lourenço recomenda um livro que combina duas das suas paixões, a psicologia e a inovação. “A Desinformação”, de Dan Ariely, é uma obra que ajuda a compreender como a má informação afeta a tomada de decisões e o ambiente onde a inovação deve florescer. “Não é sobre inovação diretamente, mas sobre o contexto social e psicológico que permite que ela aconteça”, explica.
Este foi o último episódio da segunda temporada do InovCast, uma iniciativa que ao longo dos últimos meses trouxe conversas sobre inovação com líderes empresariais, investigadores e empreendedores. A terceira temporada regressa no próximo ano, com novos temas e protagonistas. Até lá, bons negócios e boas inovações.