
Num país onde apenas 56% da população possui competências digitais básicas, segundo o Índice de Economia e Sociedade Digital (DESI) da Comissão Europeia, uma empresa portuguesa tem vindo a desenvolver uma resposta inovadora e de largo alcance. A ubbu, distinguida com o Prémio Nacional de Inovação na subcategoria Negócios, segmento Educação, criou uma plataforma digital que ensina programação e pensamento computacional a crianças do 1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico.
A história começou com a perceção de que o sistema educativo estava a deixar escapar uma oportunidade decisiva. João Magalhães, CEO da ubbu, recorda que a ideia nasceu “da constatação de um problema estrutural e crescente: a falta de competências digitais nas novas gerações, sobretudo nos contextos escolares mais vulneráveis”. Antes mesmo de o tema entrar na agenda educativa e política, a equipa fundadora, então integrada na Code for All, percebeu que o desfasamento entre o que o mercado de trabalho exigia e o que os jovens aprendiam não podia esperar até ao ensino secundário ou universitário.
A missão ganhou forma numa plataforma digital que combina gamificação, pensamento computacional e ciências da computação, dirigida a alunos do 1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico. Mais do que uma ferramenta para ensinar a programar, a ubbu quer combater o que o seu fundador chama de “um dos grandes desafios sociais do nosso tempo”: a literacia digital.
As escolas, sublinha João Magalhães, não deixam de tentar acompanhar a evolução tecnológica, mas enfrentam obstáculos. “Há muitos professores motivados para ensinar estas matérias, mas que consideram as ferramentas demasiado complexas ou pouco adaptadas à sua realidade, sendo necessário um esforço e tempo significativo para adaptar e incorporar estas matérias na sala de aula”, afirma. Foi para ultrapassar esse bloqueio que a ubbu foi desenhada “para garantir que qualquer docente, mesmo sem formação na área, consegue utilizar a plataforma com confiança e eficácia”.
Dados comprovam estratégia
Os resultados, diz, comprovam que a estratégia funciona. Entre os alunos que usam a plataforma, 69% evoluíram do nível básico para o intermédio em literacia digital e registou-se um aumento médio de 17% nos resultados de matemática. “Acreditamos que esta é a forma mais eficaz de garantir uma sociedade digitalmente preparada, segura e inclusiva: começar cedo, com todos os alunos a terem acesso a uma educação digital de qualidade, independentemente do seu contexto”, sublinha.
A prioridade da ubbu sempre foi chegar onde o problema é mais evidente. É por isso que a aposta nas escolas públicas e, em particular, nos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) é central, diz o executivo. “Definimos como prioridade chegar onde o problema era mais urgente, às escolas com menos recursos, professores sem formação tecnológica e alunos em risco de exclusão digital”, afirma o CEO. Nas escolas TEIP, conta João Magalhães, a plataforma tem funcionado como “uma ponte para a integração linguística e social, graças à sua abordagem visual, interativa e multilíngue”. A gamificação, com a lógica por blocos que facilita o raciocínio e a resolução de problemas, tem sido decisiva para motivar os alunos e para criar relações mais positivas com a aprendizagem.
Para o especialista, um dos elementos que explicam o alcance da ubbu é o facto de ter sido concebida desde o início para incluir todos os professores, mesmo aqueles sem qualquer formação tecnológica. “A transformação digital na educação só é possível se incluir também os docentes”, afirma.
A solução apresentada foi a de criar uma plataforma “chave na mão”, com conteúdos prontos a usar, estruturados por ano letivo e organizados em aulas sequenciais. Cada uma traz consigo vídeos, atividades gamificadas, quizzes, projetos interdisciplinares e um plano de aula detalhado, com objetivos claros, sugestões de dinâmicas, tempos estimados e materiais complementares. Tudo para reduzir ao mínimo a carga de preparação e permitir que qualquer professor, independentemente da sua experiência prévia, possa dar aulas de ciências da computação e pensamento computacional com segurança.
A simplicidade da interface e o ensino através de blocos lógicos visuais, dispensando linguagem de código complexa, são outros fatores decisivos enumerados pelo CEO. Paralelamente, a parceria com a Associação Nacional de Professores de Informática (ANPRI) garante, assume o empreendedor, ações de capacitação que não se limitam ao uso técnico da plataforma, mas abrangem também competências digitais básicas, para que os professores se sintam preparados para responder às dúvidas, acompanhar o progresso das turmas e dinamizar aulas mais interativas.
Outra marca distintiva é a integração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU nos conteúdos. João Magalhães explica que “as aulas da plataforma integram, de forma explícita, pelo menos um dos 17 ODS”, ligando a aprendizagem digital a temas como alterações climáticas, igualdade de género ou proteção da vida marinha. Assim, a tecnologia “deixa de ser um fim em si mesma e passa a ser uma ferramenta ao serviço da cidadania e da resolução de problemas reais”.
Este cruzamento entre programação e consciência social traduz-se em atividades onde os alunos são desafiados, por exemplo, a criar um jogo sobre reciclagem, ao mesmo tempo que aprendem lógica de programação. Para o CEO, a abordagem não só contribui para formar alunos mais conscientes e preparados para serem agentes de mudança nas suas comunidades, como também facilita a integração da ubbu em disciplinas como Cidadania e Desenvolvimento, criando pontes entre o currículo nacional e a Agenda 2030.
No desenvolvimento da plataforma, a inclusão e a acessibilidade foram prioridades técnicas e pedagógicas. O criador diz explica que a ubbu foi desenhada para funcionar em computadores de baixa capacidade, comuns em muitas escolas públicas, e permite que dois alunos partilhem o mesmo dispositivo através de um sistema de login duplo, sem perda de qualidade na experiência. Inclui ainda funcionalidades como text-to-speech, útil para quem não domina a leitura, e tipos de letra adaptados a alunos com dislexia.
Mais do que tecnologia
Mas a inclusão não se esgota na tecnologia. “É sobretudo um desafio de acesso”, sublinha João Magalhães. Para garantir que a ubbu chegava às escolas em territórios vulneráveis sem custos para alunos ou professores, foi fundamental recorrer a financiamento externo e inovador. O investimento inicial foi significativo e a entrada no sistema público de ensino revelou-se um processo que o CEO adjetivou de longo, exigente e burocrático. Para ultrapassar barreiras, a equipa apostou em Títulos de Impacto Social (TIS) e parcerias de inovação social, com financiamento do Portugal Inovação Social, PT2030, União Europeia e investidores sociais.
Estas iniciativas “foram fundamentais para demonstrar o valor da solução em contextos reais e chegar a comunidades onde o investimento direto seria difícil de concretizar”, comentou. Já a chave para essa escalabilidade foi, mais uma vez, o modelo “chave na mão”, que possibilita a qualquer escola implementar a plataforma de forma autónoma, sem depender diretamente da equipa da ubbu.
O impacto da ubbu não se mede apenas em números, mas eles ajudam a explicar a sua relevância. Estudos independentes realizados pela Universidade de Aveiro e pela Universidade Nova de Lisboa mostram resultados consistentes. Entre 2021 e 2023, mais de 69% dos alunos que utilizaram a plataforma passaram do nível básico para o intermédio em literacia digital, segundo o referencial europeu DigComp. Além disso, registou-se uma melhoria de 5% no raciocínio lógico e de 17% nos resultados a matemática, em comparação com grupos de controlo.
Os efeitos vão para lá dos indicadores académicos. João Magalhães recorda o caso de um aluno nigeriano que chegou sem falar português: “A ubbu foi a ponte para ele começar a falar português. Ajudou a motivá-lo para as outras disciplinas. Percebeu que podia ser bom. Sentia-se mais seguro”. Histórias como esta refletem-se também nos indicadores de satisfação: em junho de 2025, a plataforma registou um Net Promoter Score (NPS) superior a 80, sinal claro do reconhecimento e valorização por parte de professores e escolas.
A presença em mais de 20 países confirma a capacidade de adaptação da ubbu a diferentes realidades pedagógicas. Essa expansão internacional é sustentada por uma rede de parceiros locais que conhecem a fundo as necessidades culturais, linguísticas e curriculares de cada região. Em alguns mercados, a cidade virtual da plataforma foi adaptada com elementos visuais próximos da realidade local; noutros, os projetos escolares incorporaram desafios e temas diretamente ligados à comunidade.
O alinhamento com padrões pedagógicos internacionais e a análise dos currículos nacionais de cada país permitem, segundo o entrevistado, a ajustar os conteúdos e fornecer materiais de apoio específicos para docentes. João Magalhães sublinha que “a Ciência da Computação e a Programação seguem diretrizes internacionais relativamente uniformes”, o que facilita a implementação transversal sem perder de vista as particularidades de cada contexto educativo.
O futuro em dois eixos
O futuro próximo da ubbu passa por dois eixos: aprofundar a presença no sistema público português, com especial foco nas escolas TEIP, e reforçar a internacionalização. Novos projetos no âmbito da Inovação Social vão permitir alargar o acesso gratuito à plataforma nas cinco regiões NUTS2 de Portugal continental, com o objetivo de medir o impacto em larga escala. A tradução da plataforma para mais idiomas e o desenvolvimento de conteúdos sobre Inteligência Artificial, Segurança Digital e Literacia Financeira fazem parte do plano para responder aos desafios emergentes.
Internamente, o CEO diz estar em curso a integração de funcionalidades de IA que vão permitir aos professores personalizar percursos de aprendizagem e adaptar conteúdos ao ritmo de cada aluno. Paralelamente, serão incorporados mecanismos de avaliação internos, acessíveis aos docentes, para reforçar o acompanhamento e a medição de impacto.
O reconhecimento com o Prémio Nacional de Inovação, no segmento Negócio e subcategoria Educação, representa, para João Magalhães, “a validação de um trabalho comprometido com a transformação da educação através da tecnologia, desde os primeiros anos de escolaridade”. Mais do que uma distinção, diz, é um estímulo para continuar a investir em Investigação e Desenvolvimento, numa lógica de escuta ativa das escolas e de experimentação constante. “A inovação educativa não se esgota na criação de uma boa plataforma”, sublinha, “exige estudo do impacto real das soluções junto de alunos, professores e comunidades”.
Para a equipa, este prémio é também um sinal de que é possível crescer com propósito, mantendo-se fiel à missão inicial: levar a literacia digital a todas as crianças, independentemente do contexto. E, como sublinha o CEO, valorizando sempre “o trabalho feito no terreno, lado a lado com escolas, professores, autarquias e parceiros”.