Purificação Tavares conhece bem os meandros da investigação genética em Portugal e no mundo. "O meu pai foi o primeiro professor de genética médica no País. Por isso, desenvolveu tanto a genética que não é por acaso que está mais implementada no norte. Foi aqui que ela começou", explicou ao Negócios a professora e empresária. "Quando regressei dos EUA em 1990 desenvolvemos os laboratórios, pouco a pouco", conta a responsável. Hoje, os corredores apertados dos laboratórios da CGC Genetics atestam bem o crescimento do negócio da empresa. Crescimento esse que não teve o correspondente aumento de espaço, na sede da empresa, bem no coração do Porto.
Já falta espaço para tantos aparelhos que ajudam no trabalho de encontrar e estudar doenças raras e mutações do ADN. E para as acomodar, uma das funcionárias do centro tem mesmo que trabalhar no corredor, mas isso não parece incomodá-la.
Prevenir e tratar doenças em crianças e orientar terapias para o cancro são objectivos do dia-a-dia para o centro. E estas máquinas topo de gama são essenciais para isso. Cada uma custa perto de 200 mil euros que o centro, liderado por Purificação Tavares, investe com o apoio do QREN e também da banca, que a professora catedrática diz continuar a ser parceira da CGC.
A visita aos laboratórios, na Rua Sá da Bandeira, é acompanhada por Paula Rendeiro, uma das responsáveis do grupo. "É muito bom receber o 'feedback' das pessoas que tratamos", adianta.
"Somos um grupo de cerca de 100 pessoas, especialistas que se dedicam a esta área, que é uma área de grande potencial. De futuro. Para não reduzir o grupo e, pelo contrário, entrar em contra-ciclo e criar postos de trabalho, fomos tentar o mercado internacional uma vez que temos todas a credenciais de qualidade e certificação internacional", disse Purificação Tavares .
Numa altura em que cada vez mais portugueses qualificados emigram, a CGC está a conseguir manter os seus trabalhadores. "Sem dúvida", diz a professora. "As pessoas parece que têm cola". É o caso de Raquel Lemos, há 18 anos na CGC. A técnica espreita algo timidamente por trás do microscópio. "É gratificante", diz por entre papéis e monitores com imagens de cromossomas. A sala em que trabalha é composta quase só por mulheres, tal como acontece no resto do laboratório. Mais à frente, Rita Cerqueira tem dificuldade em fazer as contas, mas chega à conclusão que está há cerca de 16 anos no CGC.
Purificação Tavares tem orgulho em dizer que "neste momento [os trabalhadores] são todos portugueses. Já tivemos estrangeiros mas neste momento são todos portugueses. Preferencialmente formados por nós", explica a empresária
Vocação internacional
Purificação Tavares mostra com orgulho os certificados que enchem a parede à entrada da CGC, válidos para vários países do mundo. "Com este conjunto de avaliações externas internacionais pensamos que somos concorrentes à escala mundial com outros grandes laboratórios, sejam americanos ou alemães, os principais a operar no mercado internacional. Curiosamente, no Médio Oriente estamos a ter muito sucesso". Não é por acaso que esta zona do mundo tem interesse pela genética. "Temos muito volume de actividade pelas doenças raras. Há muito casamentos com consanguinidade. E também cancro", explica Purificação Tavares.
A responsável exemplifica o seu optimismo. "Contamos com uma série de contratos, nos EUA, Arábia Saudita e outros países do Médio Oriente, e no Vietname. Creio que estamos a conseguir equilibrar o barco sem demasiados danos internos". É precisamente na Arábia Saudita que fica o maior cliente da CGC. Quando falou com o Negócios, Purificação Tavares estava, aliás, de partida para este País.
Mas a clínica já tem bastante experiência no estrangeiro. "Sendo uma empresa pequena e com fundos limitados, temos presença nos EUA e em Madrid. Até consolidar, não temos intenção de comprar laboratórios em outros pontos do globo. Em Madrid entrámos primeiro como empresa portuguesa. Mas este mercado é altamente proteccionista. Por isso, tivemos que comprar um laboratório espanhol e apostar numa imagem espanhola, para conseguir ter testes genéticos no país", explicou Purificação Tavares.
A relação com os funcionários em Madrid é próxima, com reuniões frequentes por videoconferência. A CGC, aliás, está em contacto com vários fusos horários todos os dias. "Começamos a fazer Skype cedo com os países que estão horas à nossa frente e depois acabamos, no fim do dia, com o Peru, Colômbia e Costa Ocidental dos EUA", explica Purificação Tavares.
O entusiasmo com que fala do mercado internacional contrasta com a opinião que a empresária tem do que se passa em Portugal. "A saúde é das áreas mais complexas que nós temos. Na minha área conseguimos um grau de eficiência dentro dos nossos laboratórios que não tem nada a ver com os laboratórios de genética do Estado", diz a professora .
"No final, uma análise feita num laboratório do Estado acaba por ficar muito mais cara do que uma feita por nós", lamenta Purificação Tavares.
Consultas para toda a gente
Não é só quem está doente que pode saber mais sobre a sua genética. "Nós temos consulta no Porto e em Lisboa. Qualquer pessoa pode ir ou ser enviada a uma consulta de genética. Mas as análises que nós fazemos são principalmente para hospitais ou clínicas dos quais recebemos sangue ou saliva. Somos seis médicos geneticistas que fazem consultas médicas no Porto e em Lisboa. As amostras são também de doentes encaminhados pelos médicos de hospitais e clínicas. É muito fácil de enviar. E assim extraímos o ADN", diz a professora.
Com essa informação é possível "estudar atrasos de desenvolvimento das crianças, síndromes, doenças raras familiares e cancro. 30% do que nos chega é cancro". A clínica orienta depois uma terapia para doenças. E muitas vezes sem sequer conhece os doentes.