Nem sempre a ciência sabe como chamar o que é raro. "Parece incrível, em pleno século XXI". Sobretudo quando, debaixo do tecto da mesma família, se repete. A doença não tem nome próprio, Maria Inês e Simão sim. Não podem dizê-lo de viva voz aos oito e três anos.
"Um diagnóstico ninguém consegue descobrir", conta Lara Páscoa, 28 anos. Foi mãe cedo e começou a notar que a filha não reagia como se esperava. "Os médicos diziam que eu era muito nova, muito ansiosa". E só lhe deram razão já Maria Inês tinha 14 meses.
Mãe de Maria Inês e Simão, portadores de doença rara.
Esta é uma das duas ou três visitas semanais à Casa dos Marcos, na Moita. "Consoante o que conseguimos financeiramente". Em Maria Inês as melhorias não são tão notórias. Pelo contrário, o irmão, que começou a fisioterapia com um mês, consegue gatinhar a agarrar.
Os tratamentos no Centro de Desenvolvimento e Reabilitação (CDR) não são comparticipados pelo Estado. É ao programa de apadrinhamento Olha por Mim, com apoios de privados, que Lara Páscoa agradece. São umas tréguas, pequenas, numa luta permanente.
"Tenho a minha consciência tranquila de que fiz o que pude como mãe. Quando não temos dinheiro, não conseguimos tratar os nossos filhos, sentimos uma frustração, um dever não cumprido", desabafa.
Maria Inês e Simão estão de passagem pela Casa dos Marcos, ao contrário de muitos que têm nesta casa - dois pisos e fachada coberta de cortiça - o seu verdadeiro lar. Quem nos guia nestes corredores é André Fernandes, terapeuta da fala. "Há jovens com grande suporte familiar", explica. A idade dos cuidadores e o desgaste, às vezes, não deixa outra opção que não seja pedir ajuda.
Ao lar com 24 camas, em quartos quase sempre partilhados, junta-se uma residência autónoma, onde vivem os utentes com mais capacidade de se orientarem sozinhos. Em qualquer dos casos, o dia é passado no Centro de Actividades Ocupacionais (CAO). "É, no fundo, uma escola", resume.
Terapeuta da fala
Nesta valência, há dois requisitos: ter uma doença rara e mais de 16 anos. O mais velho, por agora, passa os 40 anos. Além dos trabalhos manuais, aprende-se, por exemplo, a lavar carros ou a tratar das plantas. O objectivo não é uma integração profissional, antes explorar competências.
Alguns destes doentes chegam ao CAO encaminhados pela Segurança Social, que comparticipa parte dos custos. O mesmo apoio já não se faz sentir no CDR, nos campos de férias para jovens com doença rara e na Clínica dos Marcos. São os familiares dos doentes que têm de arcar com eles.
O desconhecido
Nos corredores brancos, as portas ganham cor com fotografias dos doentes da Casa dos Marcos. Por aqui, o silêncio é, também ele, raro. Uma funcionária pergunta a um doente que passa na recepção se está tudo bem. "Tudo bem", responde-lhe na cadeira de rodas. Tudo bem, como se a doença não o acompanhasse.
De estômago cheio, após o almoço, volta-se à rotina. Marta Lopes, psicóloga, é uma das vozes do outro lado do telefone. A Linha Rara foi criada em 2009 e desde então já respondeu a 13.270 pedidos de ajuda. A vontade é sempre a mesma: identificar doenças raras. "Casos como paralisia cerebral ou autismo são reencaminhados para outras associações", explica.
Existem cerca de oito mil doenças raras no mundo. Dessas, a Linha Rara já contactou com mais de três mil. Outras poderão juntar-se à lista. "Estes anos foram de um esforço enorme para lançar todas estas valências. Neste momento já estamos com um pouco mais de estrutura e capacidade para desenvolver investigação", assegura Andreia Bernardo, coordenadora do CDR.
Talvez daí venha o nome que Lara Páscoa procura. À busca dele foi até Cuba e deixou de trabalhar, recorrendo a uma baixa por assistência à família, com um limite de quatro anos. "Os nossos filhos só têm direito a ser deficientes durante quatro anos e depois têm de voltar à normalidade. Vou voltar a trabalhar em Dezembro, ainda não sei como", lamenta.
Coordenadora do Centro de Desenvolvimento e Reabilitação
Esta mãe não perde o sorriso mas esconde nele uma preocupação: quem estará cá para os filhos quando ela partir? "No meio disto tudo, é o que mais preocupa. Como a Casa dos Marcos, todas as outras casas estão cheias". Será também raro manter a esperança?