[316.] Sapo

A campanha da Sapo anunciando a nova fórmula 3 em 1 surpreendeu pela apropriação da linguagem verbal e visual dos anúncios de champus. Os primeiros 13 segundos seis planos que representam um terço da duração do reclame televisivo não têm qualquer pista sobre o que realmente se anuncia, mostrando uma rapariga que agita a cabeleira exactamente como nos spots de produtos para o cabelo.

A campanha da Sapo anunciando a “nova fórmula 3 em 1” surpreendeu pela apropriação da linguagem verbal e visual dos anúncios de champus. Os primeiros 13 segundos — seis planos que representam um terço da duração do reclame televisivo — não têm qualquer pista sobre o que realmente se anuncia, mostrando uma rapariga que agita a cabeleira exactamente como nos spots de produtos para o cabelo.

O sapo animado faz-lhe companhia a partir daí, mas a linguagem publicitária permanece a mesma até ao final. Em termos verbais, as expressões são idênticas aos lugares-comuns dos champus e cosméticos: “Uma fórmula revolucionária que junta o poder revitalizante do ADSL, com downloads ilimitados e a suavidade do telefone com chamadas grátis à frescura da banda larga móvel grátis para sempre". A apropriação do “champuísmo” vai mesmo até ao final na expressão “3 em 1” e só destoa quando a voz off foca a mensagem no público-alvo jovem: “porque a malta merece”.

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Visualmente o anúncio exibe a rapariga banhando-se numa cachoeira, mas a maioria dos planos decorre numa casa, local principal para uso dos serviços do Sapo. A apropriação da linguagem dos champus é radical: o “3 em 1” concretiza-se visualmente numa embalagem de plástico igual à dos produtos para lavar o cabelo.

É este radicalismo que surpreende no anúncio: a linguagem apropriada não volta atrás, não se denuncia como intertexualidade, não se “revela” como humor: começa com a miúda a mostrar a cabeleira macia como só nos anúncios e acaba com a “embalagem” plástica de produtos “3 em 1”. Esta ousadia de toda a linguagem do anúncio, a verbal e a visual, só pode funcionar porque se supõe que o público-alvo tem a literacia suficiente para entender a mensagem com toda a sua intertextualidade.

O anúncio permite reflexões interessantes sobre a própria publicidade. A apropriação integral duma linguagem publicitária alheia a serviços de comunicações denota uma brincadeira entre publicitários, pelo que estamos perante uma metalinguagem escondida. Além disso, verifica-se aqui a exigência que se coloca à publicidade de tornar visível o que não tem forma. De facto, os serviços do Sapo são invisíveis: banda larga móvel, ADSL e chamadas grátis não têm ponta visual por onde se lhes pegue, sendo necessário mostrar alguma coisa. Para quê mostrar estafados telefones e portáteis, para não mencionar cabos e acessórios? Os publicitários optaram por “mostrar” o conceito de três serviços num só pacote e preço na forma habitual da retórica dos anúncios de champus. Foi também uma “fórmula” de mostrar uma miúda gira em local arejados de Verão e de lazer, sem cabos nem aparelhos ligados à corrente.

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Podemos levar ainda mais longe a reflexão, dado que este anúncio testa o limite da apropriação e da intertextualidade: até que ponto a retórica visual ou textual é intermutável? Até onde pode um anúncio vestir-se com a roupa de outro? Esta questão é a mais interessante porque, se o champu Sapo surpreendeu o espectador (e logo aí obteve êxito), também é certo que pode deixar um PH muito alto no interior do cocuruto — podemos perguntar-nos se a publicidade, usando com frequência os mesmos efeitos retóricos para produtos e serviços muito diferenciados, não estará patenteando o lado mais artificioso da publicidade, deixando-nos mais próximos da desconfiança sobre a sua veracidade.

Se um serviço de comunicações é como um champu, a instabilidade entre o real e o simulacro ou entre o importante e o trivial toma conta da própria relação do consumidor com o comércio, motivando mais um encolher de ombros do que um impulso de compra.

--- ect@netcabo.pt

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