Baptista Bastos b.bastos@netcabo.pt 08 de Abril de 2011 às 11:36

Conversas de café

Todas as manhãs, por volta das 10 horas, eles reúnem-se na Pastelaria Riba Alta.

A partir do meio-dia, a pastelaria serve almoços ligeiros e baratos e mantém uma freguesia constante e ruidosa. Afonso é um jovem arquitecto sem emprego; Rodrigo, antigo funcionário das Alfândegas, reformado e caturra; Felisberto, tipógrafo sem tipografia; e Almada, também reformado da Câmara, onde trabalhou nos serviços de limpeza. Os diálogos são misturados, como todos os diálogos. Cabe ao leitor a identificação das vozes e das personagens.

- Então, o FMI parece que vem para cá.

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-Não é o FMI, é outra organização qualquer.

- Que esperavas, com este descalabro?

- A declaração do Sócrates foi triste.

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- Triste? Nada disso. Ele é um aldrabilhas sem cura. Ainda há dias dizia que não pedia ajuda externa, e apontava os exemplos da Grécia e da Irlanda.

- Eu cá, já nada me interessa. Estou a tratar das coisas para ir para a Austrália. Eles precisam lá de arquitectos e, em Portugal, está tudo nas mãos dos grandes ateliês. É como os advogados. Está tudo nas mãos dos grandes escritórios, que fazem grandes negócios com o Estado. Os mais novos que se lixem.

- E não tens pena de deixar o País?

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- O País não tem pena de me deixar, assim é que é.

- E, agora, com o FMI…

- Parece que não é o FMI…

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- Para nos lixarem o nome não interessa.

- E agora, que vai fazer o Sócrates?

- Estou com muita pena dele.

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- Mas o Passos Coelho não interessa nada a ninguém, a não ser, talvez, aos banqueiros.

- Essa dos banqueiros. Foram eles que deram cabo disto tudo. Aquele, com cara de mau, esquece-me o nome dele, a cara dele mete medo, esse, primeiro disse que nem cheiro do FMI, depois manifestou-se firme apoiante do pedido de ajuda.

- Mais. Os banqueiros retiraram a ajuda ao Estado, depois de chuparem o Estado até ao tutano. Isto é uma vergonha!

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- A vergonha desertou do País.

- Qualquer dia não têm aqui ninguém para trabalhar. Está tudo a ir-se embora. Em Angola há mais de cem mil portugueses. A Europa, que também está à rasca, recebe-nos aos milhares.

- Recebe-nos? A Europa odeia-nos. Aliás, a Europa odeia toda a gente.

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- Eu, se fosse mais novo, pirava-me. Portugal só serve para os vigaristas. Trabalhei toda a vida, tenho uma reforma que não chega ao fim do mês. Ainda era capaz de trabalhar. Fui muito bom no meu ofício. Mas já nem há tipografias. Acabou-se.

- Eu estou cheio de artroses.

- E vais ficar com mais. Quando o FMI…

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- Já te disse que não é o FMI.

- Quando o FMI ou outro penhorista vier bater-nos à porta é que vamos ver como é.

- Já vimos. Já estamos a ver.

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- Ainda tive uma grande esperança, quando veio o 25 de Abril. Mas, depois, os galifões apropriaram-se disto tudo, e tudo voltou à mesma.

- Voltou à mesma ou a pior.

- A pior, não. És novo. Não sabes o que era isto no tempo do Salazar. Apesar de tudo, valeu a pena.

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- Valeu a pena, com estes socialistas?

- E os comunistas? Queres os comunistas? Os comunistas não querem o poder, querem é protestar. É um partido do protesto.

- Os únicos que se bateram, na clandestinidade, contra o fascismo.

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- Os únicos, não: houve muitos mais. Eles estavam era organizados, isso sim.

- Mas, agora, parece que o Bloco e o PC estão a entender-se.

- A entender-se para quê? Nunca chegam lá…

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- Vais votar em quem?

- Se calhar, é a primeira vez que não voto. Vai para lá, quem? O Passos? Ora, ora… Se o Sócrates for eleito secretário-geral do PS, engole-o vivo.

- Lá palheta tem ele.

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- Palheta e coragem. Não gosto nada dele, mas tenho de admitir que o tipo é determinado. Já lhe chamaram tudo, até maricas, e ele aguenta-se nas canetas. Reconheçam que o gajo é teso.

- É teso e deixa-nos tesos que nem carapaus.

- Eu vou é para a Austrália.

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- Já leste o jornal? Diz que…

- Não tenho dinheiro para comprar jornais. Depois, dizem todos o mesmo.

- As televisões são piores. O escândalo são os ordenados que pagam a esses tipos. E as transferências? Uma vergonha! Há jornalistas que parecem jogadores de futebol.

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- Quem dá mais é que é o patrão.

- Agora, nem se sabe quem é o patrão. Mas isto está tudo nas mãos deles.

- Eu vou é para a Austrália. Ainda por cima, dizem que lá há gajas boas à brava.

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- Está tudo a ir-se embora.

- Qualquer dia há só velhos em Portugal.

- E de quem é a culpa? Não me digam que a culpa também é do Cavaco.

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- Tem muitas culpas no cartório. Mas há muitos mais responsáveis. Deviam estar na cadeia. Mas esses gajos safam-se sempre.

- Em todo o lado há corrupção e aldrabões. Em todo o lado e em todos os partidos.

- Quer dizer, então, que estamos lixados, que isto nunca mais se endireita.

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-Eu vou é para a Austrália.

- É pá, vai. Vai e deixa-nos em paz.

- O mundo está a mudar e eu já não tenho idade para o compreender. Vou-me ficando por aqui.

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-É. Eu também.

- Eu, vou-me levantando. Tenho de ir ao médico e não me está a apetecer nada.

- Até amanhã.

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b.bastos@netcabo.pt

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