E você acredita nos gregos?
As lideranças partidárias e os decisores empresariais e financeiros gregos não pretendem responsabilizar-se por quebras reais de rendimento disponível superiores a 30%
Os compromissos de líderes partidários gregos quanto a medidas de austeridade financeira e reestruturação económica são irrelevantes e não resistirão às eleições da Primavera.
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Para evitar a bancarrota em Março os socialistas de George Papandreou e o centro-direita de Antonis Samaras poderão optar por acatar as exigências imediatas da troika e continuar a dar cobertura ao governo interino do tecnocrata Lucas Papademos.
A penalização nas urnas, contudo, será pesada para os dois principais partidos – pelo que Samaras pretende ir a votos o mais depressa possível antes que os piores efeitos se façam sentir – e, eventualmente, para os populistas de direita do "Apelo Popular Ortodoxo" (quarta maior representação parlamentar) se o seu líder Georgios Karatzaferis aprovar igualmente o ultimato dos financiadores estrangeiros.
Elevada abstenção, apesar do voto obrigatório, boletins brancos e nulos, opções de protesto irão baralhar também as expectativas de comunistas – o terceiro maior partido –, da "Aliança de Esquerda Radical", de candidatos independentes ou forças políticas emergentes.
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Mesmo que, previsivelmente, a "Nova Democracia" saia vencedora, Samaras, que sempre contestou os anteriores acordos com a troika, terá de procurar alianças parlamentares e só muito remotamente conseguirá assegurar a estabilidade governamental.
Um cenário de agravamento da recessão e de imposições gravosas dos financiadores, limitando fortemente a soberania grega, apenas acentuará a contestação social e corporativa que limita a governação em Atenas.
O evento de crédito e o dominó
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A insolvência só não ocorrerá a 20 de Março se na próxima semana houver acordo quanto à aceitação de prejuízos na ordem dos 70% por parte de credores privados da dívida grega (além de hipoteticamente o BCE participar neste perdão) e mediante novos créditos da troika (cerca de 145 mil milhões de euros a somarem-se aos 110 mil milhões de 2010).
Independentemente da forma como os mercados reagiram a este "evento de crédito", que não animará os detentores de dívida portuguesa, terá sido evitada uma insolvência desordenada, mas nem as previsões mais optimistas apontam para melhorias significativas do aperto de Atenas. A Grécia entrou no quinto ano de recessão – quebra de 6% do PIB em 2011 e um défice orçamental de cerca de 10% – com a perspectiva de, na melhor das hipóteses, reduzir a sua dívida dos actuais 160% para valores próximos dos 130% no final da década.
Os cálculos são algo ilusórios porque dependem da aplicação de medidas de difícil concretização e da disponibilidade dos demais parceiros da União Europeia e da Eurozona para aceitarem transferências financeiras a fundo perdido para Atenas por um período indefinido para obviar à insolvência e ao abandono grego do euro.
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Uma década passada sobre a adopção do euro os custos unitários de trabalho na Grécia subiram 32% em relação à Alemanha, agravando uma perda de competitividade que se reflecte também no défice da balança de pagamentos correntes (10% do PIB).
Uma reestruturação radical que desmantele o sistema de patrocínio político sustentado pelo endividamente do estado e uma economia paralela que equivale a cerca de 40% do PIB está fora do alcance das lideranças partidárias e dos decisores empresariais e financeiros gregos que não pretendem responsabilizar-se por quebras reais de rendimento disponível superiores a 30%.
Numa altura em que o desemprego caminha para os 20% está prestes a claudicar o pacto social que integrou após a democratização dos anos 70 os vencidos da guerra civil de 1946-1949 – expandindo favores públicos graças a fundos europeus e posteriormente aos juros baixos que cairam do céu com a moeda única – e sustentou, ainda, despesas militares superiores a 3% do PIB.
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Deixá-los cair
Se começar a prevalecer a ideia de que a estratégia de financiamento à banca e de intervenção no mercado secundário de dívida soberana do BCE e as disponibilidades dos fundos de resgate europeus reúnem condições para conter os efeitos nefastos da insolvência grega (4% da dívida da eurozona) será de esperar que muitos decisores alemães, holandeses ou finlandeses pressionem para deixar cair Atenas.
A possível vitória do socialista francês François Hollande nas presidenciais desta Primavera, a iminência de guerra do Golfo Pérsico ao Mar Cáspio, contam-se entre muitos imponderáveis a considerar no curto prazo.
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Os gregos, no entanto, neste particular são os piores inimigos de si próprios e o cadastro de socialistas, conservadores, populistas de esquerda e direita, comunistas e nacionalistas helénicos não ajuda nada.
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