Adriana Zani 18 de Agosto de 2025 às 12:57

Má conduta: um gatilho inesperado para a responsabilidade social corporativa

No fundo, a responsabilidade corporativa deixa de ser apenas uma narrativa de reputação para se tornar numa disciplina regulada e estratégica, capaz de transformar riscos em motores de resiliência e vantagem sustentável.


De incidentes críticos a alavancas de mudança: a dimensão menos visível da RSC.

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A responsabilidade social corporativa (RSC) é apresentada como uma poderosa alavanca de vantagem competitiva, incluindo benefícios como atração de talentos, legitimidade e performance financeira. Além desta dimensão estratégica de geração de valor, a RSC tem também uma função menos atrativa, mas igualmente decisiva: a de atuar como uma ferramenta de gestão de riscos.

Foi precisamente sob esta perspetiva que um estudo recentemente publicado no Journal of International Business Studies, abrangendo 1.262 multinacionais de 35 países, entre 2008 e 2018, analisou o impacto da má conduta de subsidiárias e fornecedores no desempenho em RSC. É importante sublinhar que má conduta, no âmbito do artigo, são “transgressões ou atos não éticos que prejudicam os interesses das partes interessadas”. Exemplos de má conduta vão desde os que geram grande repercussão mediática (como o caso da empresa brasileira Vale em Brumadinho, com a rotura de uma barragem que libertou uma onda de resíduos tóxicos que destruiu fazendas locais e matou 270 pessoas ou outros exemplos de escândalos ligados a corrupção) até outros que não são divulgados, como acidentes fatais, quedas de colaboradores ou descumprimento de condutas éticas previstas. Já performance em RSC diz respeito à capacidade das empresas em responder às expectativas dos seus "stakeholders", quanto à responsabilidade ambiental, social e de governo societário.

Os resultados foram claros: quando ocorrem episódios graves de má conduta num determinado ponto da cadeia de valor, as multinacionais tendem a reagir não apenas para resolver o caso específico, mas para rever processos, políticas e práticas em toda a organização. Essa resposta sistémica traduz-se em melhorias tangíveis na sua performance em RSC, seja no reforço das práticas internas, no caso das subsidiárias, seja no fortalecimento da relação com parceiros externos, no caso dos fornecedores.

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Este fenómeno revela uma verdade desconfortável, mas inegável: os escândalos, embora indesejados, funcionam como poderosos catalisadores de mudança (alguma semelhança com a frase bíblica "Ai do mundo, por causa dos escândalos! Porque é necessário que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!" – Mateus 18:7 pode não ser mera coincidência). Quem os provoca — seja uma subsidiária negligente ou um fornecedor oportunista — inevitavelmente arca com as consequências, seja na forma de penalizações contratuais, perda de confiança ou até exclusão da cadeia de fornecimento. Contudo, paradoxalmente, esses mesmos episódios forçam as multinacionais a evoluírem e, consequentemente, a ter melhor performance em RSC.

Bons exemplos são a forma como empresas respondem a desafios relacionados com fornecedores. Quando confrontadas com más práticas ambientais ou laborais nas suas cadeias de fornecimento, muitas implementam auditorias independentes, cláusulas contratuais mais exigentes, criam processos internos capazes de prevenir reincidências e mecanismos internos de revisão contínua de políticas. Estas respostas não só mitigam riscos, como também reforçam a confiança dos stakeholders e elevam o padrão de governança.

Dessa forma, a má conduta deixa de ser apenas um risco a ser contido e passa também a ser uma oportunidade de fortalecimento institucional. Não porque se deva tolerá-la ou aceitá-la como inevitável, mas porque, quando enfrentada com ética e estratégia, obriga as organizações a elevarem os seus padrões.

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E este movimento é ainda mais relevante no contexto atual com a entrada em vigor de regulamentações como a Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) e a Diretiva de Due Diligence em Sustentabilidade Empresarial (CSDDD), em que as empresas são obrigadas a conhecer e reportar de forma detalhada os riscos sociais e ambientais das suas cadeias de valor. Este nível de escrutínio não só obriga a ampliação da transparência como também cria incentivos para que as políticas internas sejam rígidas, mas dinâmicas, permitindo revisões rápidas após incidentes e a adoção de mecanismos de monitorização contínua.

Neste cenário, cada incidente deixa de ser apenas um problema a gerir e passa a ser um ponto de inflexão que acelera a maturidade das empresas, ajudando-as não só a responder a crises, mas também a alinhar-se com as exigências regulatórias e com as expectativas crescentes dos "stakeholders".

No fundo, a responsabilidade corporativa deixa de ser apenas uma narrativa de reputação para se tornar numa disciplina regulada e estratégica, capaz de transformar riscos em motores de resiliência e vantagem sustentável.

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