Jorge Marrão 29 de Outubro de 2012 às 23:30

Tabus do OE

É muito possível que este Governo e este ministro das Finanças surjam na história por falharem estrondosamente as metas propostas e concretizarem a cruel "troika" de Desendividamento, Desemprego e Decrescimento.

O Antigo Regime durou 48 anos. Foi o tempo que levámos para nos revoltarmos. Em 2014, far-se-á a comemoração de 40 anos desta democracia. A revolução a que estamos a assistir, estridente no parlamento e nos media, é silenciosa nas empresas e nos lares, mas ao mesmo tempo cínica. Os media ficam com o batuque da contestação. Em privado, os portugueses desenvencilham-se: os ainda afortunados empregados acolhem as poucas oportunidades oferecidas, os difíceis desafios e a escassez salarial. O impensável é aceite.

A cada família tocou um desempregado. Agora a solidariedade familiar e privada, transferida outrora para o supremo Estado, volta a dar os primeiros passos. É uma sociedade que já não os vê como preguiçosos (à direita) ou coitados (à esquerda), mas preocupa-se genuinamente com a sua situação. À maneira portuguesa: desenrascamos os outros e fazemos pela vida.

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A herança da dívida produziu um Orçamento do Estado de 2013 que só podia ser contraditório, extraordinário e radical, ainda que na trajectória certa. É contraditório porque quer assumir um Estado mais escorreito, mas tributa ainda mais os cidadãos e as empresas. É radical, porque experimenta inúmeras medidas, com resultados imprevisíveis. É extraordinário porque ensina à sociedade que não pode regressar ao passado das políticas públicas sociais e expansionistas: corta tudo o que mexe, e parece que não mexe em nada. Agita profundamente as convicções passadas.

O País está igual ao OE de 2013: contraditório, quando empresários e trabalhadores se unem para enfrentar o Governo, e a esquerda e direita conservadoras e baralhadas se juntam para se oporem aos cortes de despesa, mas ao mesmo tempo à carga fiscal. O País é extraordinário porque vocifera contra todas as medidas, mas lá em casa cada um faz o que pode, pois sabe o que há a fazer para sobreviver e se possível crescer. O País tornou-se radical e imprevisível, quando ex-ministros instigam à rebelião de órgãos de soberania e ex-revolucionários apelam ao regresso à rua.

Os media desdobram-se erradamente em dar quase exclusivamente a voz ao passado, promovendo um rodopio de ex-ministros, ex-tudo e interesses do "statu quo" a querer parar as mudanças infligidas pela troika, e por este governo instrumental, propaladas sempre de loucas e insensíveis. Enjeitam as minorias transformadoras, mas sempre assim foi, e encostam-se às estacas do regime, prolongando a agonia. Não nos damos conta da descontinuidade política, económica e social.

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Nas alterações de regimes, foi sempre o poder e os instalados que à luz da história se revelaram insanos. O que caiu da cadeira no Antigo Regime julgava que mandava. Não mandamos no País, mas é preciso fingir. Os expedicionários que construíram a indispensável obra do Estado social, mas que o ajudaram a falir, vangloriam-se apenas do feito passado, e recusam-se – talvez a psiquiatria possa ser convidada ao debate para explicar o que é um estado de negação – a aceitar o óbvio: nada será como dantes. Os velhos vícios partidários tolham o pensamento e acção.

Na Europa, temos Estado social para todos os gostos: desde a Bulgária com 35,6% de despesa pública até 58,0 % na Dinamarca! Faça-se um referendo em Portugal para escolher a despesa pública máxima. Inscreva-se na Constituição. Não é a quantidade de despesa pública que nos faz ser mais pobres: é a qualidade da despesa pública, a das instituições e das pessoas que esta democracia promoveu. Junte-se impostos e um Estado estatizante mal concebidos e administrados para termos a opressão colectiva.

Acresce à crise doméstica, a da Europa velha e rica que encerra em si também um mar de contradições que a impede do fulgor de outrora: na década de 70, a Europa cresceu 3,4% ao ano, na de 80 registou 2,4%, de 91 a 2000 diminui para 2,1% e de 2001 a 2010 estagnou no assustador 1,1% ao ano, quando o mundo cresce acima dos 3,5%!

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É muito possível que este Governo e este ministro das Finanças surjam na história por falharem estrondosamente as metas propostas e concretizarem a cruel "troika" de Desendividamento, Desemprego e Decrescimento. Encaminham-se, no entanto, para um legado favorável mais oculto. Já redescobrimos repentinamente África e o mundo e eliminámos alguns tabus no OE que violentamente eliminaram outros estatais, sociais e individuais. Estranhamente a revolução poder-se-á fazer de fora para dentro com o vergonhoso contrato que assinámos em Maio de 2011.

Enquanto não nasce uma nova ordem na Europa, esta não decide como nos pode aliviar, e os investidores e credores não regressam para nos ajudar ao crescimento e desendividamento gradual, é preciso preparar um novo terreno económico e social para podermos semear de modo diferente. Oxalá se acerte.

*Gestor

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