Vida artificial
O tema da semana deveria ser a última barbaridade de Israel. Mas não vale a pena gastar muitas palavras. Trata-se de um Estado falhado governado por uma extrema-direita inqualificável. A eficácia das suas ações brutais é mais do que duvidosa. Os israelitas vivem apavorados, rodeados por muros, alienados. As liberdades são cada vez mais escassas. E, a cada crime em nome da segurança, são mais uns milhares de bombistas suicidas que emergem no mundo islâmico. Alguns chegarão às nossas ruas civilizadas.
Dito isto, prefiro falar de coisas mais aliciantes. Da vida. E do seu futuro.
PUB
Foi recentemente notícia o último feito de um dos grandes cientistas da nossa era. No meio do rodopio de eventos sem interesse nem destino não se deu grande importância ao assunto. É normal.
Craig Venter tornou-se conhecido nos anos 90 pelo projeto de sequenciação do genoma humano. Agora criou uma forma de vida artificial. Uma nova espécie que não foi fabricada pela natureza, no seu lento jogo aleatório, mas num laboratório.
O processo de criação é revelador do mecanismo base da vida. A equipa de Craig "escreveu" num computador um genoma inteiro, um software portanto. Para além de marcadores que permitem diferenciar, há trechos de James Joyce e a frase de Richard Feynman "o que não consigo construir, não consigo entender". Depois, esse genoma foi introduzido num veículo, uma bactéria, que assumiu a nova informação e passou a realizar novas funções. Mudou completamente a sua identidade. O que significa que a tal "centelha da vida", procurada durante séculos, é afinal simples informação.
PUB
Cada passo da ciência deve ser projetado nas suas potencialidades e não visto como coisa acabada. A dinâmica é uma qualidade das boas ideias. Aqueles que desvalorizam o feito, nomeadamente por se ter usado uma bactéria existente, não estão a perceber o alcance. A partir de agora é possível criar genomas inteiros, e não só substituir alguns genes como se faz para os transgénicos. É também possível pegar numa célula e mudar radicalmente a sua "natureza". Isto permitirá criar organismos sintéticos que funcionem como pequenas fábricas, por exemplo, de novos combustíveis; ou que "limpem" a poluição. Claro está que também surgirão os que matam e gerem desgraça. Mas isso tem a ver com a organização social dominante, não com a ciência.
Devemos contudo ver ainda mais adiante. Para já estamos a falar de bactérias, a vida mais simples, ainda que das mais robustas. Com o tempo se passará a organismos mais complexos.
A vida artificial biológica nasceu e irá evoluir e expandir-se. Essa evolução vai permitir, entre tanta coisa, criar robôs de base biológica, com inteligência e capacidade de reprodução. Filmes como AI de Steven Spielberg ou, bastante melhor, Blade Runner, ficarão mais próximos da realidade. Ainda que a construção de robôs humanoides venha a levar muitos e muitos anos. Previsível é o aparecimento a médio prazo de espécies muito menos complexas, mas ainda assim capazes de realizar muitas tarefas e terem uma vida independente. Tal como a maioria dos animais que partilham connosco o planeta, com as suas existências próprias e tantas vezes incompreensíveis para nós, a vida artificial biológica irá dar lugar a inúmeras espécies autónomas. Será preciso criar novas ciências para se entender o que andam a fazer.
PUB
A longo prazo, a aplicação do feito notável de Craig Venter será na exploração espacial. O nosso corpo, por muito extraordinário que seja, não foi feito para o tipo de ambientes que se encontram noutros planetas. Nem sequer na Lua ou em Marte conseguimos viver sem ser dentro de bunkers, abóbadas envidraçadas e fatos especiais. Pelo contrário, as novas formas de vida artificial podem facilmente ser adaptadas para existir em praticamente qualquer ambiente. Os grandes exploradores do espaço, os novos descobridores, os Vasco da Gama e os Fernão Magalhães do futuro, não serão humanos, mas robôs e espécies artificiais.
Enfim, acho que nos devemos começar a habituar à ideia de que há mais vida para além da vida.
Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
PUB
Mais lidas
O Negócios recomenda