Fernando Ilharco 15 de Junho de 2017 às 19:00

Pensar é fazer

"Pensar muda o mundo", escreveu Martin Heidegger, o filósofo alemão. "Só a acção muda o mundo", comentou Hannah Arendt, a pensadora alemã naturalizada norte-americana. Cerebralmente, pensar é fazer, defendem hoje as neurociências.

A prática gera a precisão, gera conhecimento sobre como fazer. Mas pensar essa prática também gera conhecimento; por exemplo, pensar em melhorar a condução de uma reunião gera sensivelmente o mesmo padrão de conexões neurais que fazer melhorias na condução da reunião concreta. O fazer e o pensar fazer geram novas conexões neurais, iniciadas, repetidas enquanto fazemos ou pensamos.

 

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Para as estruturas cerebrais em que assenta a acção, é chave a prática ser dirigida a um objectivo. Estruturar bem o que é feito - seja dirigir uma reunião, analisar uma dada matéria específica, ou jogar ténis -, ter objectivos e querer melhorar o que se faz é vital para estabelecer novas ligações neurais e mais precisas.

 

Na prática que melhora, por exemplo, tocar piano para dominar uma determinada sequência musical, as conexões neurais no cérebro humano têm sensivelmente o mesmo padrão quer se toque piano fisicamente quer se toque mentalmente. Do ponto de vista cerebral, pensar é fazer. Isto explica, por exemplo, o uso frequente da técnica da visualização no desporto de alta competição. Antes do salto, antes de iniciar a corrida, o atleta revê mentalmente todos os passos, um a um - vê mentalmente o que vai acontecer. Não se trata apenas de ganhar confiança. De um ponto de vista cerebral, o atleta faz de facto a prova, antes de a fazer. Quando a realizar de facto, em muitos aspectos, vai sentir-se como já tendo passado por eles. Psicologicamente vai ter mais tempo, vai ter mais facilidade de concentração e de detecção de pormenores. No dia-a-dia profissional podemos fazer o mesmo antes de uma reunião, de um discurso ou de uma negociação; pensando passo a passo no que vai passar-se, no que queremos que se passe. Por estranho que pareça, trata-se mesmo de adquirir mais conhecimento, de aumentar capacidades e de se ficar mais bem preparado para, passe o pleonasmo, a real realidade.

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Se não há nada tão prático como uma boa teoria, como disse Albert Einstein, também não há nada tão teórico como uma boa prática, como acrescentou Kurt Lewin, o pensador do mundo organizacional contemporâneo. Sabe-se agora que essa prática, que nos prepara e pode fazer a diferença, pode ser apenas mental. Imaginar fazer, imaginar treinar, pode ser melhor, pode ser mais eficaz do que treinar mesmo.

 

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Um estudo da revista Psychological Science mostra mesmo que a imaginação pode ser mais perfeita do que a prática para aumentar capacidades, especialmente em actividades que envolvem a visão.

 

Numa experiência que consistia em encontrar uma determinada letra num conjunto grande de letras num ecrã, em geral, as pessoas que antes da prova se haviam imaginado a procurar a letra foram as que tiveram melhor performance. Foram melhores do que quem tinha treinado a procurar a letra no ecrã.

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A famosa tenista Billie Jean King nos treinos costumava imaginar a bola a dirigir-se para ela em diferentes condições, com vista a melhorar a sua capacidade de reacção.

 

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Na imaginação há menos estímulos marginais do que na prática real, há menos distracções. As ligações neurais são mais rápidas, o que é confirmado em registos de electro-encefalograma. Um bom desempenho assenta na captação e no processamento de estímulos sensíveis e a imaginação pode ser melhor nesse processo do que a realidade.

 

Professor na Universidade Católica Portuguesa

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