Lixo
Os lisboetas, na sua maioria, são porcos. Hoje em dia já não cospem para o chão, mas acham natural deitar tudo para a rua, quando se deslocam a pé, de carro e até pela janela da própria casa.
A cidade de Lisboa começa 2014 cheia de lixo. Nada que admire muito, não fosse pela quantidade, já que a capital do país é todos os dias do ano um lugar imundo. A limpeza da cidade, ou melhor a falta dela, é certamente um dos maiores fracassos das várias gestões camarárias desde a implantação da democracia. Nenhum Presidente da Câmara, sem exceção, foi capaz de resolver o problema da imundice, os saquinhos de plástico pelos cantos, os cocós de cão, mas sobretudo, nenhum foi capaz de atacar de frente a evidente ineficiência dos serviços e a falta de uma fiscalização séria.
Está claro que os habitantes não ajudam. Os lisboetas, na sua maioria, são porcos. Hoje em dia já não cospem para o chão, mas acham natural deitar tudo para a rua, quando se deslocam a pé, de carro e até pela janela da própria casa, coisa que já observei. Tal como consta de relatos ancestrais que vêm desde o tempo da idade Média, os habitantes desta capital consideram a rua como uma lixeira pública. Não têm o sentido da responsabilidade nem da preservação de um espaço que afinal devia ser de todos.
Imagino que outros povos terão no passado tido um comportamento similar. Mas com tempo, educação e há que dizê-lo repressão, foram adotando hábitos mais civilizados. Em Londres a multa de não apanhar o cocó de cão começa em 60 euros e vai até 3.000 com reincidência. Os fiscais andam à paisana e não perdoam. Em Lisboa as multas vão de 36 a 45 euros, mas ninguém as aplica. Ao invés a autarquia consome recursos com as moto-cão que passam nalgumas ruas, muito de vez em quando, e têm o efeito contrário já que legitimam a irresponsabilidade dos donos dos canídeos. Logo que passa o moto-cão a rua se enche de novo de dejetos. Sei do que falo.
Nestas coisas não há que inventar a roda. Se outras cidades conseguiram ver-se livres desta praga porque é que Lisboa não consegue? Tanto mais que não se trata só de uma questão estética mas de saúde pública. Pode algum pai deixar os seus filhos brincar na rua?
A atitude típica portuguesa é relativizar. Lisboa suja? Que exagero. Afinal a cidade recebe regularmente prémios e é destacada como destino preferencial. Acresce que os estrangeiros até apreciam a sujidade de Lisboa. Ainda há dias um grupo de turistas, de um país nórdico pelo aspeto e língua, apontava para um dejeto de cão no meio do passeio e riam como se tratasse de uma descoberta arqueológica. A degradação e a imundice dão à capital um ar exótico, mais africano do que europeu e é disso que eles gostam. Alguém que visite um Casbah espera encontrar limpeza? Claro que não, a imundice é decorativa.
Mas quem vive por cá não pode achar piada nenhuma. Nas ruas não se pode olhar para o céu, apreciar as árvores ou os prédios. Caminhamos com os olhos postos no chão tentando evitar as armadilhas imundas.
Perante isto, que não é literatura mas uma dura realidade, a responsabilidade maior cabe à autarquia. Os serviços de limpeza são ineficientes, arcaicos e ofensivos do sossego do cidadão. Vivi alguns anos em Amesterdão, uma cidade antiga mas muito limpa, e nunca ouvi o barulho dos carros de recolha do lixo. Por cá todas as noites, quando não há greve, um monstro trovejante atravessa as artérias com o seu ronco, com a gritaria dos funcionários, com os caixotes a serem lançados para o pavimento e ali ficarem tombados até de manhã, muitos deles com parte do lixo espalhado pelo passeio. Os ditos cantoneiros, que assim se vingam do descanso dos outros, parece serem animados pelo prazer sádico de acordar toda a gente.
Como se isto não bastasse esta classe de trabalhadores, que não tem classe nenhuma, acha por bem ditar as leis e tudo fazer para manter uma rotina prejudicial à cidade. A presente greve é esclarecedora. São contra a descentralização, votada pela maioria, como são sempre contra qualquer mudança positiva. É certo que os sindicatos existem para defender os interesses dos seus associados, mas quem nos defende de sindicatos reacionários que atentam contra o bem-estar do resto dos cidadãos?
Artista Plástico
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Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
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