A soberania dos assistidos
Fora da União Europeia, recusando as políticas comuns e deixando de receber transferências de fundos comunitários, que soberania teria Portugal?
A FRASE...
"Alguém escolheu Moscovici para ministro das Finanças de Portugal, responde acaso perante o nosso Parlamento, vai a voto nas urnas, foi eleito pelos portugueses?
José Pacheco Pereira, Público, 26 de Maio de 2018
A ANÁLISE...
Portugal é um Estado-membro da União Europeia, integra na sua ordem interna os tratados europeus e aceitou livremente participar no sistema da moeda única europeia. Mesmo na acepção de Bodin da soberania absoluta (concebida no contexto de uma guerra civil entre católicos e protestantes em França) como um poder que não reconhece nenhum poder superior (nem o da religião), há a limitação de reconhecer os tratados internacionais que, livremente celebrados, integram a soberania nacional. Daqui decorre que não tenha sentido invocar uma limitação da soberania nacional quando os órgãos legítimos da União Europeia (e a Comissão Europeia é responsável pelo cumprimento dos tratados europeus) se pronunciam sobre os acontecimentos e as trajectórias de qualquer Estado-membro. Por definição, um Estado-membro reconhece a legitimidade desses pronunciamentos, ainda que mantenha o direito de lhes responder com argumentos que estruturem um debate sobre o que serão as políticas mais eficazes - mas sempre no quadro de um debate europeu e não por invocação de uma soberania nacional. Por maioria de razão, assim terá de ser quando um Estado-membro se colocou na dependência dos recursos que são postos à sua disposição pelas instituições da União Europeia para resolver os seus desequilíbrios excessivos, que foram formados no exercício da sua soberania nacional.
Portugal é, desde 2011, um Estado assistido, como já tinha sido na última década do século XIX, quando ficou dependente dos créditos do banco Barings de Londres e do seu representante em Portugal, o conde Burnay. Não perdeu a sua independência, mas perdeu, então como agora, a sua autonomia, a sua soberania estava condicionada ao que lhe era permitido pelos seus credores. Membro da União Europeia, Portugal tem direito a ser assistido no quadro das políticas económicas e financeiras comuns, além de beneficiar ainda dos programas da coesão. Fora da União Europeia, recusando as políticas comuns e deixando de receber transferências de fundos comunitários, que soberania teria Portugal?
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências directas e indirectas das políticas para todos os sectores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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