A teoria dos dois lados
Trump usa o dólar e as notícias falsas como armas para gerar a desordem, no mundo e na informação, mas o método tem por finalidade poder impor o seu lado da política.
A FRASE...
"Dispenso-me de explicar que a Frente Nacional cresceu em cima do antigo eleitorado do Partido Comunista Francês e que a transferência directa de votos da extrema-esquerda para a extrema-direita está bem documentada."
João Miguel Tavares, Público, 18 de Agosto de 2018
A ANÁLISE...
Donald Trump veio prestar um enorme serviço à democracia: vai ilustrar o que acontece quando a democracia enfrenta a fúria destruidora de um demagogo ignorante da complexidade dos equilíbrios democráticos nas sociedades tecnologicamente avançadas. Donald Trump veio prestar um enorme serviço à ditadura: vai ilustrar que um regime autoritário não se implanta e consolida com um demagogo ignorante que referencia todos os interesses que tem de articular ao seu interesse pessoal em cada momento, o que torna a estratégia política uma construção arbitrária e caótica.
Ao considerar que há dois lados na política, e que um lado justifica e legitima a existência do outro lado, Donald Trump constrói um dispositivo de destruição assegurada quando entra em funcionamento numa sociedade complexa. Ele quer substituir a interdependência e a procura de convergência, naturais nas sociedades modernas, pela relação primitiva da guerra permanente do amigo contra o inimigo, natural nas sociedades tribais. Trump emite moeda ou informação falsas que põe em circulação ao lado da moeda legal e da informação objectiva, ignorando que está a fazer a moeda legal e a informação credenciada serem, também elas, moeda falsa e "fake news", porque destruiu a confiança em todas as moedas e informações que foram postas em circulação. Trump usa o dólar e as notícias falsas como armas para gerar a desordem, no mundo e na informação, mas o método tem por finalidade poder impor o seu lado da política.
Leonardo da Vinci fazia aparecer a luz na pintura colocando uma mancha escura ao lado do que queria que fosse luz. Trump é a mancha escura que vai dar luz à evidência de que a política, como construção do possível, não parte de certezas (que são totalitárias), mas sim de dúvidas (que são pluralistas), sendo o trabalho da política a identificação do caminho crítico e estratégico da convergência que ainda esteja dentro do campo de possibilidades.
O outro lado do possível é o impossível, o outro lado do caminho é o abismo.
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências directas e indirectas das políticas para todos os sectores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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