Marques Mendes: Na Justiça está-se a instalar o padrão do interino
NOVO ANO LETIVO
- O ano letivo começou com falhas. Menos que no ano anterior, mas ainda com muitas falhas. Perante esta realidade, o Ministério da Educação começou a mudar.
- Primeiro, apostando nas aprendizagens. Há anos que estamos a baixar nos rankings internacionais e não foi apenas por causa da pandemia. Daí as tutorias, a "proibição" dos telemóveis, a reconfiguração dos exames e a avaliação dos manuais digitais.
PUB
- Segundo, investindo na atratividade da carreira docente. É o caso do acordo para a recuperação do tempo de serviço e do novo subsídio de deslocação para os professores. Tudo isto custa centenas de milhões de euros. Um investimento enorme.
- O que isto prova é que a equipa do ministério, além de ser uma equipa de luxo e com visão estratégica, tem muito peso político. Nunca se viu um ministro com tanto peso político junto do promeiro-ministro e ministro das Finanças. De outra forma, estes milhões não existiriam.
PUB
- Inteligente é a forma como o ME abordou a questão dos estudantes migrantes. Não há boa integração de imigrantes sem o domínio do português e sem uma boa integração das crianças nas escolas.
- Ora, hoje já há 140 mil alunos migrantes,13,9% do total dos alunos matriculados, a partir de 187 nacionalidades diferentes. Assim, a decisão de apoiar os alunos migrantes, criando 272 mediadores linguísticos e culturais é estratégica para favorecer a sua integração nas escolas.
- Falando de imigração, saúda-se a decisão do ministro Leitão Amaro de criar Centros de Atendimento para a legalização de 400 mil imigrantes em fila de espera. O 1º centro arrancou esta semana. Nas próximas semanas serão mais 10 pelo país fora. Isto não é escancarar portas á imigração. É tê-las abertas, com controle e rigor. É assim que deve ser.
PUB
A FUGA DE VALE DE JUDEUS
- A ministra da Justiça reagiu tarde, mas reagiu bem: substituiu o diretor-geral dos Serviços Prisionais, o que era inevitável; ordenou a realização de uma auditoria para avaliar o estado da segurança das cadeias, o que era obrigatório; e mandou fazer uma outra auditoria de gestão, que também se tornou óbvia. Fez tudo isto de modo determinado e bem.
- Mesmo assim, continuamos a ter situações difíceis de compreender:
- Primeira: desde a fuga dos presos até à mobilização das autoridades para a sua captura passaram horas. O que tudo prova, como diz Ângelo Correia, um especialista, que a falha não foi só na prisão. Foi de todo o sistema de segurança interna.
- Segunda: o Tribunal de Execução de Penas demorou quatro dias a emitir mandados de captura internacionais. Assim, se no domingo ou na segunda-feira, algum dos evadidos fosse detetado em Espanha, não poderia ser detido por falta de mandado de captura. Isto prova que temos um Estado muito amador.
PUB
- Terceira: igualmente difícil de compreender é este padrão que se está a instalar na Justiça: é tudo interino e provisório.
- Diretor da Cadeia de Vale dos Judeus – interino.
- Diretor-Geral dos Serviços Prisionais – interino.
- Diretor Nacional da Polícia Judiciária – interino, porque já terminou o mandato há mais de três meses e não foi reconduzido nem substituído. Uma anormalidade.
- Justa ou injustamente, tudo isto dá uma imagem de desleixo, negligência e incapacidade de decidir. E fragiliza o Estado. Afinal, quem é interino, provisório ou está em mera gestão não tem o mesmo estatuto de liderança que um responsável nomeado a título definitivo.
PUB
O ESTADO DA SEGURANÇA
- A fuga de Vale de Judeus foi um acontecimento grave. Não deve ser desvalorizado. Mas também não deve ser dramatizado. Afinal, o que se passa com Portugal no domínio da segurança em geral e das prisões em particular está perfeitamente enquadrado nos padrões europeus.
- Somos o 7º país mais seguro do mundo e um dos países da UE com menos crimes violentos face ao número de habitantes. Este é um ativo nacional especialmente relevante.
PUB
- O rácio de reclusos por guarda prisional está em linha com a média europeia: três reclusos por cada guarda. Os sindicatos têm razão ao sublinhar que o número de guardas diminuiu nos últimos anos. Só que também se reduziu o número de presos.
- A taxa de evasão de reclusos em Portugal está bem abaixo da média na Europa. Em 2022, por exemplo, a Suécia, de dimensão semelhante à nossa, teve quase duas centenas de fugas. Portugal teve apenas 8 fugas.
- Curiosamente, onde Portugal está em contraciclo com a Europa, é noutra vertente. Somos o país da Europa com as penas de prisões mais longas. Neste item, estamos mesmo a liderar. Em média, temos penas de prisão de quase trinta meses, enquanto a média europeia é de apenas 10 meses. Por outro lado, somos o 6º país da Europa com reclusos mais velhos: 25% têm mais de 50 anos.
PUB
- Voltando ao início: houve falhas na prisão, no sistema prisional e no sistema de segurança interna. As falhas habituais em Portugal: de gestão, organização e liderança. Convinha que estas falhas fossem corrigidas. Para já só sabemos que houve fuga e que os presos continuam a monte. Falta fazer tudo o resto.
NOVO PGR
- A atual PGR foi ao Parlamento e a sua prestação foi genericamente criticada, à esquerda e à direita:
- Foi arrogante. Não teve a humildade de reconhecer um único erro, falha ou exagero.
PUB
- Foi incapaz de distinguir uma crítica normal e legitima de uma campanha orquestrada.
- Mostrou que, além de falta de autoridade e liderança, também não tem o bom senso exigível nestes lugares.
- Mas também a prestação dos deputados deixa bastante a desejar. Primeiro, como escreveu Miguel Pinheiro, parece que só os processos políticos interessam aos deputados. Depois, convinha reconhecer que nem tudo é mau no MP: a recente investigação no caso Vórtex, em Espinho, é um caso exemplar: investigação rápida e acusação sólida.
PUB
- Posto isto, acho que já não vale a pena perder tempo com Lucília Gago. Ela está de saída e não deixa saudades. Importante agora é o futuro:
- Estamos a dias da escolha de um novo PGR. É essencial que a escolha recaia sobre uma pessoa realmente independente, com capacidade de liderança, de comunicação e de motivação interna.
- O ideal mesmo era escolher uma pessoa com o perfil de Joana Marques Vidal, do seu círculo ou que tivesse trabalhado consigo.
PUB
- Tenho a convicção de que a escolha do novo PGR, desta vez, vai correr bem. Ninguém quer repetir o mau exemplo de há 6 anos. Desta vez haverá outro cuidado e outra vontade de acertar.
O RELATÓRIO DRAGHI
- Há trinta anos, Lucas Pires dizia que a Europa era um gigante económico, mas um anão político. "Mandava" na economia, mas "não mandava" na política internacional. Depois do relatório de Mario Draghi vê-se que esta afirmação está desatualizada. A UE continua a ser um anão político, mas começa a deixar de ser um gigante económico. Afinal, está a perder competitividade a olhos vistos para os EUA e para a China.
- Este é o relatório do nosso descontentamento. Os números são brutais.
- Há 20 anos, a diferença entre o PIB dos EUA e o PIB da UE era de 17% a favor dos EUA. Em 2023, esta diferença aumentou para 30%.
PUB
- Nos últimos 20 anos, a UE perdeu quota de mercado no comércio mundial (3 pontos percentuais). Ao invés, a China teve um aumento de 13 pontos percentuais.
- Os custos energéticos das empresas são muito mais altos na UE que nos EUA. A eletricidade é duas a três vezes mais cara na UE. E no gás natural a diferença é de quatro a cinco vezes mais. Assim, as empresas europeias perdem competitividade.
- A UE investe muito menos que os EUA em tecnologias de informação, em inovação e em propriedade intelectual. Muitos talentos europeus "fogem" para os EUA.
PUB
- Mario Draghi tem uma solução: um super plano Marshall para a UE, com investimentos anuais de 750 a 800 mil milhões de euros. A ideia é boa, mas difícil de viabilizar. É que, a par de uma crise económica, a Europa vive uma crise de liderança política: o motor europeu está gripado. O chanceler alemão está em decadência política; e o presidente francês em declínio acentuado. Acresce que o populismo e a extrema-direita minam a UE. Neste quadro, é difícil haver ousadia e ambição. Mais um desafio para Ursula Von Der Leyen e António Costa.
ELEIÇÕES NOS EUA
PUB
Kamala Harris ganhou o debate com Trump mas teve pouco retorno político nas sondagens. Afinal, o debate trouxe pouco ou nada de novo aos eleitores.
- Neste momento, Kamala, segundo as sondagens, está à frente, quer no voto universal quer no colégio eleitoral (14 votos de diferença).
- Mas, atenção: primeiro, tudo se situa ainda dentro da margem de erro; segundo, nunca esqueçamos que Trump costuma ter sondagens piores do que votações. Foi assim em 2016 e em 2000.
PUB
- Numa eleição em que ainda está tudo em aberto, quais são os trunfos políticos de cada um? Kamala tem a seu favor a dinâmica de vitória que pende para o seu lado, porque é neste momento a favorita; a mobilização do partido e dos seus apoiantes tradicionais; e o discurso sobre o aborto que mobiliza especialmente o eleitorado feminino.
- Trump tem a seu favor, sobretudo, a economia e a imigração. Estes dois temas são, por norma, os calcanhares de Aquiles dos Democratas. Sendo que a economia é a principal motivação dos americanos e isso joga a favor dos Republicanos.
- Finalmente: o mês de outubro costuma ser nas Presidenciais americanas um mês de surpresas. Mas, como nestas eleições já tivemos surpresas a mais, há que aguardar para ver se a história se repete.
PUB
Mais Artigos do autor
Mais lidas
O Negócios recomenda