Pinto Balsemão, o "Imperador" da Impresa com conexões além-mundo
Francisco Pinto Balsemão teve muitas vivências ao longo da sua vida. Foi político, jornalista, professor e fundador do PSD. Portugal despediu-se hoje do gestor, que viveu 88 anos.
Francisco Pinto Balsemão, o segundo da sua linhagem, teve uma vida recheada de aventuras, onde couberam várias existências. Morreu hoje, aos 88 anos, em Cascais.
Nasceu a 1 de setembro de 1937, na extinta freguesia de Santa Isabel, e cresceu no bairro lisboeta da Lapa. Frequentou o Liceu Pedro Nunes e licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa. A vida quis dar-lhe um vislumbre do seu futuro quando foi cumprir o serviço militar obrigatório para a Força Aérea Portuguesa, tendo sido ajudante do coronel Kaúlza de Arriaga e depois chefe de redação da revista "Mais Alto", em 1961. Esta seria a sua primeira incursão na área onde mais tarde ganharia notoriedade e prestígio.
Ligação precoce à imprensa
As ligações ao jornalismo remontam ao seu avô, também Francisco Pinto Balsemão. Comerciante e militante republicano,foi fundador e proprietário de vários jornais, tendo passado depois o gosto para os filhos, que depois foram os proprietários do Diário Popular.
Cumprindo as obrigações militares Francisco Pinto Balsemão virou-se para a continuidade dos estudos e iniciou o estágio em advocacia no escritório de Pedro Soares Martínez. Mas a curiosidade pela informação ficou e conseguiu conciliar a advocacia com uma colaboração no Diário Popular, controlado pelo seu tio (também) Francisco, onde foi secretário da direção até 1963. Continuou neste meio e integrou o seu conselho de administração em 1965, assumindo a quota de 16,6% deixada pelo seu pai. Saiu em 1971, para meses mais tarde criar a sua própria publicação, após o tio aceitar vender o Diário Popular após uma oferta do Banco Borges.
Em 1972, Balsemão fundou a Sojornal, que entretanto mudou de nome e hoje é conhecida como Impresa, um dos maiores grupos de comunicação social em Portugal. Neste processo garantiu com 51% da Sojornal, enquanto a participação dos restantes acionistas ficou limitada a um máximo de 15% cada. Neste lote incluíam-se a Sociedade Nacional de Sabões, o banqueiro Manuel Boullosa, as famílias Ruella Ramos e Botelho Moniz. Existiam ainda com posições mais pequenas espalhadas por amigos próximos de Balsemão, caso de António Guterres, atualsecretário-geral da ONU.
Um ano mais tarde, a 6 de janeiro, o jornal Expresso chegava às bancas num modelo que se aproximava dos jornais europeus, principalmente dos ingleses e franceses, com periodicidade semanal. As comunicações para definir o estilo do jornal foram intercetadas pela PIDE, embora não tenham impedido a sua chegada às bancas. Foram impressos 60 mil exemplares de um jornal que na altura tinha 24 páginas e dois cadernos e custava cinco escudos.
Política como defesa da liberdade
No meio da aventura jornalística, Francisco Pinto Balsemão ainda teve tempo para se juntar à política. Após as legislativas de 1969 foi deputado independente pela Ala Liberal à Assembleia Nacional, onde lutou pela liberdade de imprensa - ligação que já vem do avô -, fim da censura e abertura à democracia. Demitiu-se em 1973 após a saída de Sá Carneiro, com quem partilhava a bancada.
No rescaldo da Revolução do 25 de abril de 1974, Balsemão é um dos fundadores do Partido Popular Democrata - hoje PSD - a 6 de maio de 1974, quando tinha 36 anos, juntamente com Francisco Sá Carneiro e Joaquim Magalhães Mota. Foi o militante número um do partido, sendo o último dos fundadores a sucumbir.
Foi deputado e vice-presidente da Assembleia Constituinte de 1975 e 1976, tendo sido eleito deputado à Assembleia da República nas eleições de 1979, 1980 e 1985. Após a queda da Ditadura, Balsemão mantém-se defensor acérrimo dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e contraria a ideia de unicidade sindical.
Estreou-se no VI Governo Constitucional, em 1980, como ministro de Estado Adjunto do primeiro-ministro, então Francisco Sá Carneiro, posicionando-se como uma voz moderada. Após a morte trágica do amigo e chefe de Governo, Pinto Balsemão ocupa o lugar de primeiro-ministro no VII Governo, após eleições internas no PSD para definir o sucessor de Sá Carneiro na presidência do partido. Foram sete meses e 26 dias de liderança, para depois a retomar no VIII Governo, entre 1981 e 1983.
No "podcast" Memórias de Francisco Pinto Balsemão, que tem o mesmo nome da autobiografia lançada em 2021, o próprio abordou o afastamento da vida ativa na política, de onde saiu por vontade própria. "Hoje concluo que, para além das vaidades e ressentimentos, há uma realidade que sempre existiu e da qual o próprio Sá Carneiro não ficou isento: os partidos políticos são máquinas trituradoras que não toleram vazios de poder. Quando pressentem que estes existem ou podem vir a existir, precipitam-se as ambições de uns, a necessidade de se manter no poder de outros, as ocasiões para ajustes de contas de outros ainda", confidenciou no livro.
Construção de um império nos media
É considerado no meio como o “rei” da imprensa privada em Portugal. E o título não é de estranhar, uma vez que Balsemão criou um império à volta do que foi a Sojornal e que se viria a tornar na Impresa.
Primeiro o Expresso, em 1973, depois o jornal Blitz em 1984, que entretanto se transformou em revista (2006) e hoje é apenas digital (2018), e ainda houve tempo para constituir uma “joint-venture” com os brasileiros da Abril para originar a revista de negócios Exame, o que acabou por marcar a entrada do grupo Impresa na área das revistas.
A SIC só viria a surgir em 1992. Foi a 6 de outubro que arrancou a primeira emissão televisiva da SIC, com Pinto Balsemão a fazer história. O primeiro canal de televisão privado tinha acabado de nascer, 35 anos depois da RTP fazer a sua primeira emissão regular a partir a Feira Popular de Lisboa e marcar o arranque da televisão em Portugal.
Anos mais tarde, em 1997, é feita história por duas vezes. A SIC Internacional inicia as emissões a 17 de setembro para chegar à comunidade portuguesa espalhada pelo mundo e a 4 de outubro o Expresso aposta as suas fichas no digital, iniciando uma mudança que se mostrou indispensável.
E desde a sua fundação, Francisco Pinto Balsemão quis ir sempre mais além na história da Impresa.
O virar do milénio acelerou a expansão da dona da SIC. A 6 de junho de 2000, a Impresa é admitida na Bolsa de Valores de Lisboa e foi o primeiro grupo de comunicação social cotado na bolsa em Portugal, com as ações a fecharem a primeira negociação nos 5,79 euros, tendo vindo a cair desde então.
Foi também em 2000 que o grupo criou a GESCO, para tratar do arquivo eletrónico dos conteúdos da empresa. A SIC Notícias, o primeiro canal de notícias português a transmitir as 24 horas do dia e em direto, nasce a 8 de janeiro e a SIC Radical chega em abril. A SIC Mulher, o Boa Cama Boa Mesa, SIC Esperança e o site Olhares só em 2003
A SIC K, para o público juvenil, estreia em 2009, a SIC Caras é lançada em 2013 e a Tribuna (site dedicado ao desporto dentro do Expresso) vê a luz do dia em 2016. Um novo marco na história chega a 24 de novembro de 2020, em plena pandemia, com a Opto. A plataforma de “streaming” portuguesa chega para tentar tirar algum destaque à Netflix, apostando num serviço pago com conteúdos exclusivos e produções próprias.
Pelo caminho, em 2018, venceu algumas das suas publicações à sociedade Trust in News, hoje de portas fechadas. A “Activa”, “Caras”, “Exame”, “Exame Informática”, “Jornal de Letras”, “Telenovelas”, “TV Mais” e “Visão” foram apenas algumas das revistas que marcaram uma história na Impresa e tiveram um desfecho infeliz anos depois nas mãos de Luís Delgado.
Família como a base da vivência
“Eu era a última hipótese de a família Balsemão ter um descendente”. Quem o disse foi o próprio herdeiro de Henrique Pinto Balsemão e Maria Adelaide Castro Pereira, que viveu por 88 anos e criou um legado para honrar o nome de família, que já soma mais de uma dúzia de descendentes.
Apesar da sua ascendência ser do Norte, nomeadamente da região da Guarda, o legado da família Pinto Balsemão fez-se em Lisboa e foi-se espalhando até ao concelho de Oeiras e, ultimamente, até Cascais.
A biografia não autorizada de Balsemão, escrita por Joaquim Vieira, antigo jornalista do Expresso, descreve o “rei dos media” como amante da cultura e um espírito aberto ao conhecimento. O mesmo acontecia com as mulheres, com várias pessoas próximas a descreverem-no como “encantador” e “mulherengo”. “Um homem que gosta muito de mulheres, que sempre gostou”, considera um ex-colega de Direito de Balsemão no livro, colando com a ideia dos dois casamentos, dos quais ressultaram quatro dos seus cinco filhos.
Balsemão casou com Maria Isabel Lobo e deste casamento nasceram os seus filhos mais velhos: Mónica e Henrique, que, entre si, têm cinco herdeiros. Depois do divórcio, que se mostrou conturbado com traições à mistura, Pinto Balsemão casou-se com Mercedes Presas e tiveram dois filhos: Joana e Francisco Pedro, cada um com três filhos.
A fama de “engatatão” seguiu Pinto Balsemão até à sua biografia não autorizada. O texto conta que o empresário dos media cometeu várias traições à sua primeira esposa, mas que esta retaliou, e um dos casos terá sido com o antigo jornalista Carlos Cruz, anos antes do escândalo Casa Pia.
Fora destes matrimónios, Francisco Pinto Balsemão teve um filho com Isabel Supico Pinto: Francisco Maria, nascido em 1970. Contudo, a biografia não autorizada revela ainda que Balsemão terá pago para que Isabel abortasse, algo que não aconteceu por o prazo legal ter sido ultrapassado, sendo que o dono da SIC terá também pedido para que a criança não se chamasse Francisco. A relação entre pai e filho começou de forma difícil, com Balsemão a recusar reconhecer o fruto de uma relação extraconjugal, algo que só aconteceu em 1977 por decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Ainda assim, os dois só se conheceram quando Francisco Maria era adolescente, após pressão da atual mulher, e hoje já está integrado na família e na empresa.
E a construção deste império, apesar de a viver por si, foi feita a pensar nos herdeiros e no futuro dos que se seguirem. Ainda assim, nem todos participam no grupo de comunicação social.
A mais velha, Mónica, é diretora de marketing do grupo, o mais novo, Francisco Pedro, é o CEO desde 2016, e Francisco Maria é administrador executivo. Já Henrique escolheu viver longe dos holofotes e fixou-se com a família na Costa Vicentina, apesar de viajarem frequentemente para o Oriente e viverem de práticas ligadas ao surf. O mesmo para Joana, que escolheu afastar-se do mundo da comunicação, mas enveredou pela política, tendo sido vereadora do ambiente na Câmara de Cascais, apesar de agora liderar a área de Sustentabilidade no Kaizen Institute Western Europe. O pai tentou que esta fosse vice-presidente do PSD, mas Luís Montenegro (atual presidente do partido e primeiro-ministro) afastou a cunha por Balsemão ter apoiado Jorge Moreira da Silva.
Guerra com Ongoing e um afilhado traidor
Francisco Pinto Balsemão era “unha com carne” com Luiz Vasconcellos ou, como o próprio disse aquando da sua morte, “o irmão que nunca tive”. O “Luiz Vasconcellos esteve comigo desde os primeiríssimos tempos do Expresso, em 1972. Entendeu o projeto, apoiou-o, fortaleceu-o com o seu bom senso e o seu espírito prático. Compreendeu e aceitou que a última palavra me competia a mim”, escreveu o fundador da Impresa a 19 de janeiro de 2009, no dia seguinte ao desaparecimento do amigo, mas também acionista fundador do Expresso e vice-presidente do Conselho de Administração do grupo.
Com tamanha ligação entre Balsemão e Vasconcellos, o golpe do filho de Luiz, Nuno Vasconcellos, foi inesperado. Até porque a relação entre os dois era pessoal: Balsemão foi padrinho de casamento de Nuno Vasconcellos, tratando-o desde pequeno por Nuninho, tal era a ligação quase familiar.
Contudo, tudo mudou quando Luiz Vasconcellos morreu. O afilhado de Balsemão era presidente da Ongoing, mas tentou dar um passo maior que a perna quando quis comprar a dona da TVI, sendo já acionista de referência na Impresa. O que parecia engraçado, caiu em desgraça e resultou em vários processos a nível judicial.
Estávamos em setembro de 2009 quando a Ongoing lançou uma OPA sobre a Media Capital, embora a operação tenha falhado, depois da ERC entender que, para comprar até 35% da dona da TVI, Nuno Vasconcellos tinha de “alienar a totalidade da sua participação na Impresa”. Mas o objetivo de Nuno Vasconcellos era maior: criar um gigante da comunicação social em Portugal e ser o patrão, uma vez que também controlava o Diário Económico.
Foi também nesta altura que, sem sucesso a adquirir o controlo da Media Capital, Nuno Vasconcellos se virou para a empresa do padrinho. O objetivo era simples: detendo já 23% da Impresa, Vasconcellos pretendia ter uma posição de controlo e tentou comprar outros 25%, o que hostilizou Pinto Balsemão e levou a que vários processos entrassem na Justiça, sendo que o patrão da SIC acabou sempre com a razão.
“A Ongoing tem-se desdobrado, por via directa e indirecta, em acusações infundadas que afetam o valor da Impresa e prejudicam os seus acionistas, e há-de pagar por isso”, considerou em entrevista ao Público em 2011.
O verdadeiro desfecho, depois de várias trocas de acusações, surgiu em 2014, com a Ongoing a alienar uma participação de 23,13% da Impresa. Ainda que o valor da venda não tenha sido divulgado, contas feitas pelo Negócios permitiram perceber que o encaixe foi de 50,5 milhões de euros, com cada uma das 38.857.390 ações da Impresa a serem vendidas a 1,30 euros, um desconto de 11% face à cotação de 1,46 euros na altura. Restou apenas uma participação residual de 0,32%.
Com Vasconcellos a perder várias batalhas e Balsemão a ganhar a guerra, o fundador da Impresa posicionou-se: “Esta saída coloca um ponto final numa estratégia hostil de tentativa de controlo de um grupo de comunicação livre e independente”.
Anos depois, a Ongoing viria a cair, com dívidas superiores a 1,2 mil milhões de euros. A mãe, Isabel Rocha dos Santos, herdeira da Sociedade Nacional de Sabões, e o próprio Nuno Vasconcellos entrarem em insolvência pessoal, mas não sem antes este fugir para o Brasil.
“Eu morro, mas a família mantém-se”. E a empresa?
A base da Impresa esteve sempre em Francisco Pinto Balsemão, com este a entregar um controlo ínfimo na gestão. Foi Pedro Norton que segurou a liderança do grupo quando a Impresa estava a braços com a Ongoing, mas os seus 40 meses no cargo de CEO foram mais marcados pela passagem de testemunho ao “benjamin” Francisco Pedro.
Pedro Norton foi, por diversas vezes, apontado como substituto de Balsemão no grupo que detém a SIC e o Expresso, mas faltava-lhe um cunho especial: a ligação de sangue. E a guerra travada com a Ongoing foi a derradeira prova para Pinto Balsemão só permitir a família no círculo de confiança. E assim foi. Pedro Norton foi substituído por Francisco Pedro, leitor compulsivo de jornais e fã de séries, mas também o mais parecido com o pai, de quem herdou o gosto pelos media.
Foi oficializado como CEO a 6 de março de 2016, embora já fizesse parte dos quadros da empresa. “Estou entusiasmado com aquilo que me espera”, revelou ao Negócios a dias de assumir o cargo, assumindo que os “sete anos de experiência na Impresa e 35 anos de experiência pessoal e de vivência com alguém que respira, que vive e que sente este mundo” o ajudaram a estar à altura do desafio.
Este foi um dos momentos em que o pai Balsemão conseguiu respirar e concentrar a sua atenção em outros temas. Afinal de contas, a gestão estava agora em mãos familiares.
Um ano depois de o filho mais novo assumir o cargo, Francisco Pinto Balsemão deu uma entrevista à Villas & Golfe, onde demonstrou, novamente, o interesse em manter a maioria do capital do grupo que fundou. “Eu morro, mas a família mantém-se”, sustentou, afastando a necessidade de entrada de capital estrangeiro.
“Penso que deter a maioria é importante, enquanto puder detê-la”, vincou, acrescentando que a Impresa tem vários sócios. Este sempre foi o seu sonho: que o grupo que teve origem na Sojornal fosse passado para os seus herdeiros.
Mesmo no livro e podcast, Pinto Balsemão admitiu que não conseguiria ficar com uma participação minoritária na sua criação. “Com toda a franqueza, para vender, ficando claro que prefiro vender a aceitar uma solução minoritária, mesmo que tentem disfarçá-la com presidências honorárias ou coisas do género. Quando eu morrer, o assunto, como previsto e tratado, será resolvido no âmbito da Balsager", deixou claro, como se uma solução já tivesse escrita em testamento.
Francisco Pedro entrou numa altura sensível, mas a Impresa estava a dar resultados líquidos positivos, ainda que a um único dígito. Em 2016 foram 2,8 milhões de euros em lucro, mas a oscilação começou no ano seguinte, com um prejuízo de 21,6 milhões de euros. O resultado líquido entretanto estabilizou no “verde”, mas em 2023 abanaram para o prejuízo, com 2024 a ser um ano negro e as imparidades a empurrarem as contas para um resultado negativo de 66,2 milhões de euros.
Com os resultados negativos a intensificarem-se ao longo dos anos, severamente apoiados num passivo crescente, os donos da SIC foram tentando alternativas e os italianos da MFE (MediaForEurope) investiram por duas vezes. A dona do Expresso tentou desvalorizar o interesse do grupo detido pela família de Silvio Berlusconi, mas foi forçada a admitir “contactos, em exclusividade, com o grupo MFE com vista à avaliação de potenciais operações societárias para a aquisição de uma participação relevante na Impresa”. Este marcou o fim da convicção de uma empresa que fincou o pé ao orgulho solitário.
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