Marques Mendes: a candidatura de Ana Gomes irrita António Costa
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o regresso às aulas, o regresso pleno ao trabalho e os devedores do Novo Banco, entre outros temas.
QUEM SÃO OS DEVEDORES DO NB?
- Da auditoria ao NB está quase tudo dito. Falta apenas comentar o que ninguém ainda comentou: quem são os grandes devedores do Novo Banco? Por que não se divulgam os seus nomes? Por que é que os seus nomes são escondidos? Acho isto uma pouca vergonha. Já o tinha dito aquando do caso da CGD. Volto a dizê-lo agora.
Isto até pode ser legal mas é completamente imoral. Quando há um banco directa ou indirectamente financiado pelo Estado, os seus grandes devedores devem ser do conhecimento público. O país deve saber quem deu origem a buracos de milhões e quem obrigou o Estado a meter lá outros milhões para tapar buracos e evitar a falência! Não é uma questão de curiosidade ou voyeurismo. É um imperativo de transparência e responsabilidade.
- Neste caso, invocar o sigilo bancário é beneficiar o infractor, os grandes devedores, os grandes incumpridores. Na linguagem popular, os grandes caloteiros. Dir-se-á que é lei do segredo bancário que exige o secretismo. Mas a lei, quando está errada, muda-se. Até porque o sigilo bancário termina quando o contrato entre credor e devedor é incumprido.
Vejamos o exemplo semelhante do Fisco. O que é que sucede quando há devedores ao fisco? Há uma página oficial na internet a divulgar os seus nomes. Para o país saber quem prevarica. Pergunto: por que é que não se faz o mesmo nos Bancos que consomem dinheiro público? Lesar o Fisco e lesar um Banco financiado pelo Estado não tem a mesma gravidade?
É com imoralidades destas que se alimentam os populismos.
O REGRESSO ÀS AULAS
- Nunca um ano lectivo suscitou tanta preocupação, ansiedade e incerteza. Comecemos por ver as novas regras:
- A prioridade é o regresso às aulas presenciais.
- Mais tempo lectivo com a redução das férias da Páscoa.
- Primeiras cinco semanas para recuperação das aprendizagens.
- Alunos que reprovaram passam a ter um professor tutor.
- Distanciamento social, higiene e máscaras obrigatórias.
- Cada escola define os seus horários.
- Cada turma tem a mesma sala.
- Posto isto, vamos a casos concretos:
- O que se faz se surgir um infetado na escola? O regime é este: primeiro, isolar o infetado; a seguir, encerrar, se necessário, a turma onde o caso se registou, um sector, uma ala ou uma parte da escola; só no limite, a título excepcional, encerrar a escola. Quem toma a decisão é o delegado de saúde.
- Quando se pode passar do regime de aulas presenciais para um regime misto ou à distância? Só em situações muito excepcionais. É só se se verificar na comunidade, e já não apenas na escola, um surto muito grave. Nesse caso, a decisão é tomada a nível central pela DGEstabelecimentos Escolares, ouvidas as autoridades de saúde.
- Em matéria de pessoal, o que sucede se houver de repente um funcionário que falta ou mete baixa? Há, desta vez, uma boa novidade: os directores de escola passam a ter poderes para substituir automaticamente tal funcionário. Está já instituída uma bolsa para o efeito.
- A aplicação Stayaway Covid não pode ser muito útil para prevenir a doença nas escolas? Sem dúvida. À data de ontem já havia 800 mil instalações da App. Mas é preciso chegar rapidamente a 1 milhão. Aqui fica o apelo, agora mais para os jovens usem a APP, é segura, é anónima, é importante.
- Críticas que fazem sentido e críticas que não têm razão de ser:
- Fazem sentido as críticas de que as regras sanitárias definidas pela DGS surgiram tarde de mais e que há falta de pessoal. Sim, é verdade. As regras da DGS deviam ter surgido mais cedo. E o investimento em pessoal é sempre insuficiente, sobretudo este ano.
- Não têm razão de ser as críticas de que as orientações são muito genéricas. Este ano lectivo é atípico. Não se pode programar a régua e esquadro. Muitas das situações têm de ser vistas caso a caso, escola a escola. A regra é a autonomia e a flexibilidade. Não podemos reclamar num dia mais autonomia e criticá-la no dia seguinte.
- Finalmente, um apelo. Está toda a gente preocupada e com os nervos à flor da pele. Mas é essencial: não entrar em pânico; agora, mais do que nunca é preciso apoiar os professores e os directores das escolas. Eles são verdadeiros heróis.
O REGRESSO PLENO AO TRABALHO
- O país regressa ao trabalho em pleno num quadro de agravamento da pandemia em Portugal. Vejamos:
- Esta semana é a pior semana desde o início de Junho (481 novos casos por dia) e a tendência é de agravamento;
- Na UE voltámos a piorar e muito. Voltámos a estar acima da média europeia (55,8 novos casos em Portugal, contra 54,6 da média europeia);
- Por regiões do país, o norte está cada vez mais próximo de LVT (norte quase 40% de novos casos contra 46,7% de LVT).
- Posto isto, há algumas questões concretas a referir:
- Vamos ter uma segunda vaga? É provável. Só há uma forma de a evitar, dizem os epidemiologistas: reduzir o número de contactos. Se reduzirmos o número de contactos na comunidade a menos de 50% dos contactos na era pré-pandemia e a menos de 30% nas escolas podemos evitá-la.
- As medidas tomadas pelo Governo são suficientes? Não. Ficam aquém do necessário. Não podemos voltar a confinar, é óbvio. Doutra forma, não morremos da doença e morremos da cura. Temos, por isso, que adoptar outras medidas. Dois exemplos: acho que era necessário ter declarado já o estado de calamidade. Os números exigem-no. E acho que começa a ser necessário tornar obrigatório o uso da máscara na rua, quando há ajuntamentos de pessoas. Os próprios autarcas podiam ter esse poder Vimioso e Lisboa não têm as mesmas exigências. Cada caso é um caso.
- Empresas O Governo decidiu que na AML e na AMPorto os horários das empresas têm de ser obrigatoriamente desfasados, para evitar concentrações nos transportes e nos restaurantes. A ideia é boa. Mas há dúvidas: como é que se articula esta medida em relação aos pais que têm filhos nas escolas? É cada empresa a decidir ou é sector a sector? Quem fiscaliza? E que sanção para quem não cumprir? Só agora é que se vai estudar com parceiros sociais? Fica a ideia de que tudo é tratado em cima do joelho.
- Lares Duas boas notícias: os funcionários de todos os lares vão começar a ser novamente testados; as 18 brigadas de emergência para apoiar os lares estarão todas operacionais no fim deste mês (400 pessoas).
- Santuário de Fátima: aparentemente a peregrinação desta manhã, em termos sanitários, não correu muito bem. Pelas imagens, fica a sensação de não ter sido respeitado o distanciamento social. Claro que o Santuário, a dada altura, até fechou o recinto. Mas, para o futuro, impõe-se que a preparação destes momentos seja mais cuidada e organizada.
A CANDIDATURA DE ANA GOMES
- Goste-se ou não de Ana Gomes, a sua candidatura é perfeitamente legítima. Ana Gomes tem curriculum, tem história política, tem coragem, tem convicções e tem E tem três objectivos essenciais: primeiro, impedir a reeleição de MRS logo à primeira volta; segundo, ficar em 2º lugar nesta eleição; terceiro, ser a mais votada à esquerda e ganhar o campeonato da esquerda.
- No entretanto, há desde já algumas consequências desta decisão:
- Primeira: a candidatura de Ana Gomes irrita o PM António Costa. Primeiro, porque a relação política entre os dois é má. Depois, porque os apoiantes de Ana Gomes no PS são aqueles que não gostam de António Costa ou que são seus adversários. Conclusão: o PS acabará por fazer em 2020 o que Cavaco fez em 1990 dar liberdade de voto ao PS, o que na prática significa que haverá uma boa parte do PS a votar em Marcelo, tal como há 30 anos houve uma boa parte do PSD a votar em Soares.
- Segunda: a luta pela liderança à esquerda é forte. Três bons candidatos, incluindo João Ferreira, do PCP. A grande vítima pode ser Marisa Matias. Não que não seja uma excelente candidata. Mas porque Ana Gomes tem condições para dividir o eleitorado do BE. Marisa Matias corre o risco de ficar aquém do resultado anterior.
- Terceira: a vida de André Ventura tornou-se mais difícil. A sua estratégia era clara bipolarizar o debate com Marcelo e alcançar o 2º lugar nesta eleição. Esta estratégia pode estar comprometida. Vai haver, à esquerda, uma tendência para concentrar votos em Ana Gomes com vista a derrotar Ventura. E ele próprio já exibiu o primeiro sinal de nervosismo, ao dizer que abandona a liderança do Chega se não ficar na segunda posição.
- Apoio de Costa a LF Vieira. Como diz Ana Sá Lopes no Público, parece o PM a fazer campanha por Ana Gomes. Primeiro: um erro de palmatória. Um político em funções, seja de que partido for, e por maioria de razão um PM, não pode fazer isto. Isto é o máximo da promiscuidade entre política e futebol. Segundo: um erro do qual o PM se vai arrepender. E não vai demorar muito. Isto nem parece de António Costa. Terceiro: um erro que é fruto de duas coisas: arrogância e impunidade. Não é coisa boa.
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