João Duque | Winnie Ng Picoto 14 de Maio de 2025 às 10:15

A sala gelada

Trump sabe que são as universidades que formam quer as elites do futuro (no ensino pré-graduado) quer as atuais (nos cursos executivos e pós-graduados). Daí o interesse neste “mercado”.

A sala estava razoavelmente cheia, talvez com uns 800 ou 900 delegados representantes de centenas de escolas de gestão de todo o mundo, membros da AACSB — Association to Advance Collegiate Schools of Business, reunidos no seu encontro anual. Uma representante de uma escola americana levantou-se e pediu o microfone para fazer uma declaração… A sala ficou logo em silêncio, com especial interesse e atenção para a ouvir.

 

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A AACSB é uma associação que congrega quais 2.000 instituições, na sua vasta maioria, escolas de gestão universitárias. Nasceu nos EUA, em 1916, e estabeleceu um conjunto de padrões que servem de orientação aos seus membros para um desempenho virtuoso da qualidade de ensino universitário em gestão. Ao cumprirem esses padrões, as escolas obtêm o selo dessa acreditação, que está atribuído a 1.000 escolas num universo de mais de 10.000 em todo o mundo. Portugal tem sete escolas acreditadas (ISEG, NovaSBE, ISCTE, Católica de Lisboa e Porto, FEP e Porto Business School) pois cumprem elevados níveis de qualidade e coerência na investigação e no ensino, reconhecido por uma entidade independente.

 

No processo de acreditação, a AACSB exige que as escolas candidatas se guiem, entre outras coisas, por princípios orientados para as boas práticas de um ensino vocacionado para o impacto social transformador, requerendo-se ações concretas sobre diversidade, equidade e inclusão (DEI).

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Até 28 de fevereiro de 2025, havia uma orientação explícita para a necessidade de as escolas de gestão cumprirem os desideratos da promoção da diversidade e inclusão nas suas práticas e princípios. Porém, com a tomada de posse da administração Trump, a política federal impôs a limitação de tais princípios às escolas financiadas pelo governo, o que criou um sério problema a várias universidades americanas: ou cumpriam com os requisitos para obterem os fundos governamentais e incumpram as exigências da AACSB, ou cumpriam as exigências da AACSB, mas não receberiam fundos governamentais. Ao somar estas quebras às dificuldades atualmente sentidas pelas escolas americanas na captação de estudantes internacionais, que também encontram mais barreiras na obtenção de vistos, o panorama é complexo, prevendo-se que algumas venham mesmo a claudicar. Perante tais receios e dependência dos apoios governamentais, algumas escolas terão feito pressão para a alteração dos padrões da AACSB relativamente ao DEI, e a 28 de fevereiro a direção da associação alterou a linguagem, ora eliminando as palavras “diversidade” e “inclusão” dos requisitos, ora substituindo-as por “comunidade” e “conectividade”. Assim, manteria aberta a porta para os que queiram manter a atual política, mas também para os que tivessem formalmente de mudar a política (o que não queria dizer que não a continuassem a praticar…). Como foi referido no discurso da presidente da associação, “mais importante do que as palavras, são as ações”.

As escolas do norte da Europa, em uníssono, reagiram fortemente, discordando desta posição da direção e o tema foi talvez o mais importante e central deste congresso da AACSB.

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A sala estava razoavelmente cheia e em silêncio e a presidente da escola americana começou: “— Não vou dizer o meu nome nem o da minha escola para evitar sofrer represálias.” Foi como se tivesse aberto uma porta direta ao Polo Norte. A sala gelou, boquiaberta. Como era possível que alguém vindo dos EUA estivesse a dizer tal coisa no 2.º quartel do século XXI? E seguiu a intervenção pedindo, com alguma agonia na voz, a triste compreensão e apoio, rogando que não a deixassem de fora. Sentia-se impotente e sem capacidade para enfrentar o dilema, mas não queria ficar de fora, isolada.

 

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Isto sucedeu no dia 8 de abril. Depois disso já muito se passou. Harvard bateu o pé abrindo guerra aberta com a administração Trump, mas, entretanto, viu congelados os fundos de investigação que o governo federal lhes atribuía anualmente. Outras escolas capitularam, como a Universidade de Colúmbia, que projetou já uma série de reformas de modo a tentar salvar os $400 milhões de fundos suportados pelo governo dos Estados Unidos.

Trump sabe que são as universidades que formam quer as elites do futuro (no ensino pré-graduado) quer as atuais (nos cursos executivos e pós-graduados). Daí o interesse neste “mercado”.

 

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Eis, pois, mais uma oportunidade para a Europa fazer a diferença, mantendo, como nós, no ISEG, os princípios e valores que nos orientam e que não vamos mudar. A questão é saber se queremos dar ou não a mão aos que nos pedem ajuda. Voltamos a cara?

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