O que é, afinal, internacionalizar?
Nas escolas de gestão, é comum ensinar que o processo de internacionalização das empresas decorre em várias fases, partindo do contexto doméstico até alcançar os modelos internacionais, multinacionais, globais e, por fim, transnacionais.
O primeiro passo deste processo é a exportação — quando uma organização passa a oferecer produtos ou serviços a clientes além-fronteiras. No ensino superior português, esta fase traduziu-se, inicialmente, na captação de estudantes estrangeiros, sobretudo oriundos de países lusófonos. No entanto, esta estratégia confrontou-se com limitações, sobretudo no contexto europeu. Tirando os estudantes espanhóis, poucos demonstravam interesse em programas ministrados em português, dado o elevado esforço de adaptação exigido — especialmente nos programas de intercâmbio, que nem como exportação se podem classificar, pois as propinas nem sequer são arrecadadas pelas universidades portuguesas.
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Com o objetivo de alargar a atratividade junto de estudantes europeus e internacionais, muitas universidades começaram a disponibilizar programas em inglês. No ISEG, essa transformação iniciou-se há 25 anos, embora com alguma resistência inicial de algum do corpo docente, especialmente os mais velhos e de formação francófona. Ainda assim, a integração do inglês permitiu fortalecer a rede de intercâmbios e trouxe uma valiosa diversidade cultural para dentro das salas de aula. Essa exposição ao mundo beneficiou também alunos e docentes portugueses, preparando-os para um mercado cada vez mais global e interdependente — algo fundamental para uma economia como a portuguesa, tão aberta ao exterior.
O passo seguinte foi a criação de oferta formativa de perfil multinacional, com escolas portuguesas a abrirem presença noutros países. O ISEG participa, por exemplo, na ULisboa School em Xangai, oferecendo cursos de licenciatura e mestrado no campus da Universidade de Xangai (SHU), integrando-se num projeto educativo verdadeiramente internacional.
Contudo, o verdadeiro salto estrutural na internacionalização ocorre quando se altera a composição dos docentes, investigadores e técnicos — nomeadamente com a inclusão de profissionais estrangeiros que não falam português. No ISEG, a contratação consistente de docentes internacionais levou à adoção do bilinguismo no ambiente escrito e, em muitos casos, à utilização exclusiva do inglês em reuniões e processos anteriormente realizados apenas em português. Essa transformação exige uma requalificação do staff, com reforço da formação linguística e critérios de recrutamento ajustados a esta nova realidade. Ao mesmo tempo, impõe-se o desafio de preservar uma identidade institucional enraizada na cultura portuguesa.
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Face a estas mudanças, algumas instituições optam por adotar o inglês como única língua de trabalho, mas essa escolha corre o risco de uma perda de identidade cultural e institucional, especialmente em organizações portuguesas.
É neste ponto que surgem decisões estratégicas cruciais para o futuro da relação entre empresas ou instituições e o seu contexto local. Se, há alguns anos, a internacionalização parecia o caminho inevitável, hoje, à luz das novas dinâmicas geopolíticas, essa convicção já não é tão clara. Afinal, por que razão escolheriam os estudantes vir estudar para Portugal se encontram ofertas equivalentes — ou superiores — noutros países?
Por isso, no ISEG, defendemos uma abordagem equilibrada: uma cultura de ensino internacional, sim, mas sem abdicar da nossa identidade. Queremos garantir que os cidadãos portugueses, que financiam o ensino superior com os seus impostos, possam optar por uma formação em português numa excelente Escola, se assim o desejarem. Isso é, no mínimo, uma questão de respeito e justiça para com quem sustenta o sistema.
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