José Crespo de Carvalho 20 de Maio de 2025 às 10:15

Financiar o ensino superior: mudar de paradigma

As universidades, a continuarem públicas, têm de agir com a agilidade e o foco estratégico de instituições que operam num mercado competitivo e exigente e debaixo de um quadro muito mais próximo de parcerias público-privadas do que de universidades totalmente públicas.

O financiamento do ensino superior vive um paradoxo preocupante e cada vez mais visível. Se, por um lado, reconhecemos nas universidades um papel central no desenvolvimento económico, cultural e científico de um país, por outro, assistimos à sua suborçamentação reiterada, à estagnação de receitas próprias e à dependência de modelos públicos de financiamento que já não respondem à complexidade atual. Se atentarmos, igualmente, à forma como qualquer força política se refere ao ensino superior público, há apenas um vazio confrangedor generalizado.

O primeiro ponto incontornável é que não há dinheiro orçamental suficiente. A pressão sobre os orçamentos públicos é constante (Malthus, modificado, fala mais alto), e o ensino superior, apesar da sua importância estratégica, tem de disputar verbas com setores mais imediatos como a Saúde ou a Segurança Social. Este facto não é novo, mas torna-se ainda mais grave num contexto de envelhecimento populacional e com a inevitável redução do número de estudantes nos próximos anos – menos alunos, menos propinas e menor base contributiva. Não se julgue, pois, que depois dos máximos de sempre em alunos iremos fazer sempre novos máximos porque isso é apenas um engodo.

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Por outro lado, as fórmulas de financiamento público aplicadas às universidades são demasiado redutoras. Ignoram o papel transformador e multiplicador das instituições no contexto económico e social, privilegiando critérios quantitativos imediatos em detrimento de métricas de impacto a médio e longo prazo.

Face a esta realidade, o ensino superior precisa urgentemente de se reinventar financeiramente. É necessário reconfigurar o paradigma de receitas próprias. Não se trata de privatizar o ensino superior, mas de reconhecer que o modelo exclusivamente público é, hoje, financeiramente insustentável.

Há caminhos exigentes, mas possíveis. Um deles passa por um envolvimento mais ativo do setor privado. As universidades devem aproximar-se mais das empresas e da sociedade civil, não só como parceiras académicas, mas como coinvestidoras em recursos e em conhecimento. O financiamento de cátedras por empresas, o apoio a projetos de investigação aplicada, o desenvolvimento de produtos e soluções inovadoras com impacto nos negócios são áreas com enorme potencial.

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Ao mesmo tempo, é imperativo ativar de forma estratégica a comunidade alumni, cá dentro como fora de portas. Em países com sistemas robustos de ensino superior, os antigos alunos não são apenas testemunhos de sucesso – são pilares financeiros das instituições que os formaram. Criar fundos de "endowment", com transparência e significado, pode ser uma solução duradoura, permitindo às universidades maior estabilidade e margem de manobra para investir em talento, infraestruturas e inovação pedagógica.

Devemos ainda olhar para as universidades como prestadoras de serviços de elevado valor acrescentado. Produção de estudos, análises de mercado, barómetros de tendências, relatórios estratégicos para setores específicos, auditorias de impacto social – tudo isto pode e deve ser monetizado, desde que mantida a integridade académica. O conhecimento tem valor, e o seu uso em benefício da sociedade deve ser justamente remunerado.

Outra via incontornável é a da diversificação de modelos de ensino e a valorização da formação executiva e contínua. A educação ao longo da vida é, cada vez mais, uma necessidade transversal e as universidades têm aqui uma oportunidade de gerar receitas próprias a par com o reforço do seu papel na qualificação da população ativa. Não pensemos em que estamos a "vender" cursos; estamos a articular uma lógica de serviço público com a realidade empresarial, numa relação "win-win". O PRR, nestas áreas, e lançando cursos a preço zero, foi apenas mais um desvirtuador de mercado e o sinal errado de como fazer.

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Há ainda que desenvolver capacidades de "sponsoring" e "fundraising" orientadas para resultados. O valor das universidades está nos seus dados, nas suas análises, na sua capacidade de produzir opinião informada e apoiar decisões empresariais e públicas, nas suas pessoas, alunos e professores. A geração de valor a partir do conhecimento deve ser não apenas reconhecida como, também, contratualizada e monetizada.

O financiamento do ensino superior precisa, por isso, de uma mudança total de paradigma. Precisamos de deixar de ver as receitas próprias como um complemento menor e passarmos a encará-las como a espinha dorsal de um modelo sustentável. As universidades, a continuarem públicas, têm de agir com a agilidade e o foco estratégico de instituições que operam num mercado competitivo e exigente e debaixo de um quadro muito mais próximo de parcerias público-privadas do que de universidades totalmente públicas.

Finalmente, temos de repensar na totalidade a exportação de ensino superior e a forma como podemos atrair alunos externos para os nossos vários produtos. E este será, sem dúvida, um pilar essencial na sustentabilidade das instituições de ensino superior.

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Só pensando e agregando inúmeras dimensões é possível preservar – e reforçar – a missão essencial do ensino superior: formar, investigar, transformar. Porque investir na universidade é, na realidade, investir no país.

Há, porém, um novo "mindset" para professores: não se podem ter apenas professores a publicar e fechados nos seus gabinetes. Enquanto isso acontece, só, perder-se-ão todas as oportunidades que vêm do mercado. E, quando dermos por isso, será tarde demais.

 

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