Universidades e politécnicos: internacionalizar, fundir, reinventar!
Faz ou não faz sentido a colaboração profunda entre universidades e/ou politécnicos portugueses, quiçá sob a forma de fusões ou operações de M&A?
O artigo de Filipe Santos, Dean da Católica Lisbon de há duas semanas, levanta duas questões fundamentais para o futuro das universidades em Portugal: a necessidade de internacionalização e a necessidade de inovação nos modelos de ensino integrando inteligência artificial (IA). Ambos os pontos são centrais e merecem ser não só corroborados, mas também ampliados à luz de algumas tendências que, inevitavelmente, moldarão o ensino superior no país. As constantes chamadas de atenção para a necessidade de mudança, por parte de Pedro Santa Clara, da Escola 42 e da Tumo, idem.
Em primeiro lugar, a questão da pirâmide etária não pode ser ignorada. Portugal enfrenta um progressivo envelhecimento da população, com a consequente diminuição do número de jovens elegíveis para ingressar no ensino superior. Esta realidade pode-se escamotear com a desculpa de que as regras de acesso mudaram, mas não podemos ignorar factos. Há uma pressão direta sobre as instituições, que passam a disputar um universo cada vez mais pequeno de candidatos nacionais. Neste quadro, a internacionalização, como bem refere Filipe Santos, não é apenas uma estratégia; é uma necessidade vital. Atração de estudantes estrangeiros, programas lecionados em inglês, duplas titulações e redes de cooperação internacional são instrumentos fundamentais para compensar a quebra demográfica.
Em segundo lugar, assistimos ao surgimento de novas formas de ensino e credenciação que desafiam a centralidade das universidades. Plataformas digitais, "bootcamps" tecnológicos, microcertificações, programas com mentorias, aprendizagem própria acompanhada e programas corporativos oferecem aos profissionais percursos de aprendizagem flexíveis, médios e curtos e altamente adaptados às exigências do mercado. Embora não substituam por completo o valor de uma formação universitária, constituem alternativas credíveis e, em muitos casos, mais atrativas para quem procura atualização constante de competências e/ou fazer uma mudança profissional. É neste ponto que o modelo tradicional das universidades é desafiado: será capaz de competir com formatos mais ágeis, acessíveis e especializados?
Face a estes dois fatores que enunciei – demografia e concorrência de novos modelos (e a necessidade de adequar o ensino à realidade da IA, como aponta, e bem, Filipe Santos) –, surge uma primeira questão estrutural: faz ou não faz sentido a colaboração profunda entre universidades e/ou politécnicos portugueses, quiçá sob a forma de fusões ou operações de M&A? Portugal tem um número relativamente reduzido de instituições, mas certamente excessivas se a operarem isoladamente num mercado apenas interno e em contração. Excesso de instituições e excesso de cursos. A consolidação poderia permitir ganhos de escala, maior racionalização de recursos e, sobretudo, uma capacidade reforçada de competir a nível internacional. Este é um debate inevitável se quisermos preparar o sistema de ensino superior para a próxima década. Debate, digo bem, porque não espero grandes conclusões e menos ainda ações práticas a este nível.
A segunda questão estrutural prende-se com a mudança de paradigma nas formas de ensino praticadas e na já referida presença da IA para o futuro. As universidades portuguesas continuam muito centradas em modelos tradicionais, em que a transmissão de conhecimento é, em larga medida, teórica/conceptual.
Não se trata de negar o valor do pensamento abstrato e do treino do espírito crítico (longe de mim) – pilares insubstituíveis de qualquer academia –, mas sim de reconhecer que o ensino terá de se tornar mais profissional e orientado para a aplicação. O futuro pode estar num equilíbrio mais sofisticado: manter a missão cultural e formativa das universidades, mas com um ensino muito mais próximo do ensino executivo das universidades, focado na resolução de problemas reais, na ligação direta às empresas e na capacidade de preparar estudantes para desafios concretos do mercado de trabalho.
O diagnóstico parece-me claro e muitas são as vozes, à qual junto a minha, a pedir que cada qual saia do seu casulo e se dedique a pensar o sistema como um todo, a debatê-lo e a chegar, se possível, a conclusões mais efetivas. Quanto a práticas, embora acredite pouco em mudanças, fica pelo menos o repto para que se inicie alguma coisa de mais concreto e mais claro: há menos jovens nacionais disponíveis para o ensino superior, há mais alternativas de aprendizagem fora das universidades, há maior competição global e uma crescente exigência de formatos inovadores e internacionalizados na presença da IA. O desafio é gigante. Mas talvez resida aqui uma oportunidade: repensar o papel das universidades portuguesas e colocar a colaboração, a inovação e a ligação à realidade empresarial no centro da sua estratégia.
Nestas coisas há várias formas de começar e compete-nos a nós dar passos. Mesmo sabendo que as grandes decisões são políticas. Mas dar alguns passos e promover debate é uma obrigação. E sobretudo uma obrigação que nos deve levar a fazer benchmark com outras realidades, com outras formas de fazer e mantendo a lucidez de um pensamento simples e direto que presida a tudo isto. Apontado às soluções e não tanto aos diagnósticos pois esses, com as múltiplas chamadas de atenção, estão mais ou menos feitos. O que fazer é o que importa. E depois como fazer, por quem fazer, onde fazer, enfim, dar início a algo estrutural, reformista, que permita uma alma nova às universidades.
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