E agora?
O novo Governo tem pela frente uma tarefa muito difícil. O País avança numa corda bamba e qualquer passo em falso é a morte do artista.
Como, além disso, o vento sopra forte, toda a concentração será pouca: a incerteza relativamente ao desfecho da crise grega, dificuldades políticas junto dos nossos parceiros, problemas orçamentais um pouco por todo o lado e preços de matérias-primas elevados não se compadecem com distracções. A qualquer momento, as condições económicas e financeiras podem degradar-se e lá vai tudo por água abaixo. No que toca aos outros, nada podemos fazer; na parte que nos toca, temos a obrigação de reduzir a exposição ao problema, tão depressa quanto possível.
Para tal, e em primeiro lugar, é necessário um vigoroso ajustamento orçamental. Enquanto a República Portuguesa não conseguir demonstrar, de forma clara, que tem condições para pagar a sua dívida, sentirá dificuldades no acesso ao crédito e essas dificuldades atingirão, por tabela, os bancos, as empresas e os particulares. Acresce que a incerteza relativamente aos impostos futuros é pouco amiga do investimento e do emprego e muito amiga da fuga de capitais. Sem crédito e sem confiança, a economia não se desenvolve e o problema orçamental agrava-se. Não há vida para além do défice.
Em segundo lugar, a economia precisa de crescer. Infelizmente, ao nível a que a dívida pública chegou, se a economia não regressar rapidamente a uma trajectória de expansão, não há contenção orçamental que nos valha.
O reconhecimento de que é necessário retomar o crescimento não deve, no entanto, desviar a atenção da prioridade orçamental. Aliás, não é preciso: como muito bem reconhece o MoU, as barreiras ao crescimento económico em Portugal - há muito identificadas - são de natureza estrutural e a sua remoção depende essencialmente de iniciativas de carácter legislativo.
O que está em causa é, por exemplo, criar instituições que disciplinem a despesa pública, flexibilizar o mercado de trabalho, incentivar o esforço, aumentar a eficácia do sistema educativo, assegurar o cumprimento da Lei e combater os privilégios e abusos de poder por parte das grandes empresas que abastecem o mercado nacional. Tudo isso lesa interesses estabelecidos. Em contrapartida, Obras Públicas dispendiosas, benefícios fiscais discricionários e apoios a sectores específicos - como a delirante ideia do Mar - são receitas que não constam no MoU e seria desejável que não constituíssem motivo de distracção junto dos governantes que se seguem.
Claramente, a retoma do crescimento em Portugal passa mais pela implementação de medidas que não custam dinheiro mas lesam interesses estabelecidos, do que por iniciativas que custam dinheiro e alimentam interesses estabelecidos.
Como é evidente, a implementação de um programa que atinge grupos de interesse desgasta politicamente. Por isso, será muito importante que o partido que agora abandona o poder se mantenha fiel ao programa que assinou. A mudança de líder não pode, de modo algum, resultar numa mudança de discurso, com o intuito de capitalizar na contestação. Quem se queixa - com razão - que quem inviabilizou o PEC IV e votou contra a avaliação dos professores colocou os interesses partidários acima do interesse nacional, não deve agora enveredar pelo mesmo caminho. Paciência, precisa-se.
Paciência será também desejável por parte dos muitos especialistas que anseiam por uma posição de chefia no aparelho de Estado. É natural que a transição de poder dê lugar a mudanças em posições chave na Administração Pública, sobretudo em lugares onde a confiança política é importante. Mas é preciso não esquecer que muito do conhecimento existente nas organizações é tácito: o cumprimento dos programas depende de equipas treinadas em rotinas, para as quais não existem manuais. Infelizmente, neste país, cada vez que o Governo muda, há demasiadas cabeças a rolar. Essa facto, aliado a práticas de Terra Queimada por parte de quem sai (sonegação de informação, formatação de computadores), condena muitas vezes os novos dirigentes a apanhar bonés durante um período de tempo, com prejuízo para todos nós. Ora na fase em que nos encontramos, com o plano de ajustamento já em marcha, o que mais precisamos é de continuidade no funcionamento da máquina do Estado. A campanha eleitoral já acabou. Que o exemplo dado pelo ainda ministro das Finanças sirva de mote a uma transição de baixo custo.
Professor da Universidade de Aveiro Assina esta coluna quinzenalmente à terça-feira
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