O segredo de justiça tem solução
O segredo de justiça é daqueles temas recorrentes nas reformas das nossas leis penais. Desde os anos noventa mexemos no regime jurídico do segredo de justiça, em média, cada três anos. Em cada reforma, sempre pontual e cirúrgica, melhoramos o regime...
O segredo de justiça é daqueles temas recorrentes nas reformas das nossas leis penais. Desde os anos noventa mexemos no regime jurídico do segredo de justiça, em média, cada três anos.
Em cada reforma, sempre pontual e cirúrgica, melhoramos o regime jurídico do segredo de justiça. Para logo descobrir que não funciona. Vamos de melhoria em melhoria até à derrocada final. Evidentemente que qualquer observador interessado só pode chegar à mesma conclusão do Procurador-Geral da República, o segredo de justiça não tem solução. E, no entanto, ter solução, tem. Outra coisa é que a solução óbvia não agrade a muita gente. Duvido mesmo que, neste momento, a classe política em geral e este Governo em particular tenha a credibilidade para poder implementar uma solução definitiva para o problema.
O caso particular dos Estados Unidos é ilustrativo. O regime jurídico do segredo de justiça nos Estados Unidos é bem menos exigente que o nosso. E contudo funciona melhor que o nosso. A razão é simples, responsabiliza quem tem de ser responsabilizado, os procuradores.
Nos Estados Unidos, o segredo de justiça é regulado pela regra 6 (e) das "Federal Rules of Criminal Procedure" (o que corresponde ao nosso Código de Processo Penal), regra essa que tem sido estável, sem mexidas pontuais à portuguesa. O segredo justiça aplica-se a todas as investigações federais ou estaduais de delitos graves (as chamadas "grand jury investigations").
Estão sujeitos e obrigados a segredo de justiça os procuradores, as polícias, os funcionário dos tribunais, os membros do "Grand Jury", e ainda os arguidos e respectivos advogados. Tal como aponta a regra 6 (e), item 7, quem não cumpre está sujeito a ser castigado por desobediência ao tribunal (o chamado "contempt of court ").
A maior curiosidade é que as testemunhas não estão obrigadas a segredo de justiça pelo que podem livremente comentar as perguntas que lhes sejam feitas bem como qualquer informação do caso que lhes tenha sido transmitida pelos procuradores ou pela polícia. As testemunhas são livres de contactar os arguidos e informá-los do conteúdo da investigação. Em nenhuma circunstância pode uma testemunha ser castigada por desobediência ao tribunal.
Por consequência, a imprensa seja jornais, televisão ou rádio não está obrigada pelo segredo de justiça seja em que circunstância for. Nenhum jornalista pode ser condenado por divulgação de matérias de segredo de justiça. A imprensa pode mesmo anunciar publicamente que paga por conteúdos em segredo de justiça. Em nenhum momento os jornalistas ou a imprensa estão obrigados a revelar as suas fontes. Não existem providências cautelares para impedir a publicação de matérias em segredo de justiça (outra coisa é que o conteúdo dessas matérias seja, por exemplo, de natureza difamatória pelo que a providência cautelar é por difamação como se aplica, por exemplo, a um livro ou a qualquer outra notícia). A liberdade de imprensa é total no que toca ao segredo de justiça. Mais livre não pode ser.
Temos pois um regime jurídico muito mais aberto que o nosso já que nem a imprensa nem as testemunhas podem ser sancionadas por violações do segredo de justiça. Como se explica então que o regime norte-americano mais aberto e muito menos restritivo produza menos violações que o nosso regime draconiano? Pois porque simplesmente funciona. Todos sabemos quem está na origem das violações, o procurador responsável pelo processo. Evidentemente que muitas vezes não é o procurador quem directamente viola o segredo de justiça, mas sobre ele cai a responsabilidade processual de o proteger. Nos Estados Unidos, quando há uma violação grave e óbvia do segredo de justiça, o procurador responsável é exemplarmente castigado por desobediência ao tribunal. O procurador falhou o seu dever de proteger o segredo de justiça.
Querem resolver o problema em Portugal? É fácil, basta castigar quem tem a responsabilidade de garantir e proteger o segredo de justiça. O resto é demagogia de dez anos de pseudo-reformas para não resolver o problema. Outra coisa bem distinta é que a solução não agrade a quem de direito. Nesse caso, realmente as palavras do Procurador-Geral da República fazem todo o sentido.
Professor de Direito da University of Illinois nuno.garoupa@gmail.com Assina esta coluna quinzenalmente à quinta-feira
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