A oportunidade económica da saída da Grécia do euro
Hoje em dia, essas fissuras estão expostas - e ampliadas - pela crise grega que parece não ter fim. E em nenhum lugar elas são mais evidentes do que na relação da Grécia com o Fundo Monetário Internacional.
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Quando a crise do euro eclodiu em 2010, os responsáveis europeus perceberam que não tinham a experiência necessária para gerir a ameaça de ‘defaults’ soberanos e o potencial desmembramento da união monetária. Para os responsáveis da UE, evitar o colapso da Zona Euro tornou-se o principal imperativo político, que os levou a pedir ajuda ao FMI. As irregularidades na intervenção do Fundo mostram quão sérios eram os problemas da Zona Euro - e continuam a ser.
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Para começar, os estatutos do FMI estabelecem que a instituição manterá relações apenas com entidades que sejam totalmente responsáveis pela ajuda recebida: "ministério das Finanças, banco central, fundo de estabilização ou outra agência fiscal semelhante". Mas as instituições com as quais o FMI lida na Zona Euro já não são responsáveis pela gestão macroeconómica do seu país; esse poder está agora nas mãos do Banco Central Europeu. Nos empréstimos à Grécia, é como se o FMI tivesse emprestado a uma unidade sub-nacional, como um governo municipal, sem insistir em garantias de reembolso por parte das autoridades nacionais.
Outro problema é a magnitude da intervenção do Fundo. O tamanho da dívida grega exigiu empréstimos numa escala que excede amplamente o que outros países poderiam esperar. O "acesso excepcional" aos recursos do FMI concedido à Grécia em 2010 foi fixado num "limite cumulativo de 600%" da quota do país no FMI, que mede o valor dos compromissos financeiros de um país para com o FMI. Contudo, em Abril de 2013, o financiamento cumulativo alcançou um máximo de 3.212% da quota da Grécia.
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A razão pela qual o FMI teve de assumir essa exposição enorme foi a recusa inicial da Europa em contemplar a redução da dívida da Grécia, devido aos receios das autoridades de que o contágio financeiro sobrecarregasse o sistema bancário desprotegido da Zona Euro. Esta decisão resultou em incerteza sobre a capacidade da união monetária para resolver a crise e agravou a contracção da produção grega. Quando se alcançou um acordo de reestruturação da dívida, em 2012, abriu-se uma janela para os credores privados reduzirem a sua exposição.
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Inicialmente, o FMI assumiu a posição oficial de que a dívida grega era sustentável. Mas os responsáveis da instituição sabiam que não era verdade. Em 2013, o Fundo admitiu que os seus analistas sabiam que a dívida da Grécia não era sustentável, e que decidiu seguir em frente com o programa "devido ao receio de que as repercussões da Grécia ameaçassem a Zona Euro e a economia global".
Além disso, de Novembro de 2010 a Abril de 2013, o FMI cortou em 27% as suas estimativas para o crescimento do PIB nominal da Grécia para 2014, o que lançou dúvidas sobre a transparência e credibilidade das projecções do Fundo para a sustentabilidade da dívida. A implicação é chocante: o FMI não foi capaz de fornecer um quadro credível para o ajustamento que a Grécia teria de fazer.
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Este cenário oferece o contexto crucial para as negociações em curso, pois revela que o objectivo do resgate grego não era restaurar a prosperidade para o povo do país, mas salvar a Zona Euro. Neste contexto, o novo governo grego tem toda a legitimidade para questionar as condições que foram dadas ao país.
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Os acordos feitos pelos governos anteriores reduziram certamente o leque de políticas disponíveis para o novo governo, especialmente no que diz respeito à redução da dívida, que exigiria um ‘default’ unilateral e a saída da Zona Euro. Mas um governo democraticamente eleito não precisa de estar vinculado aos compromissos dos seus antecessores, e isso é duplamente válido no rescaldo de uma eleição que foi um referendo sobre essas mesmas políticas.
Os ultimatos de instituições não eleitas que comprometeram a sua própria legitimidade têm inflamado o sentimento anti-UE em todo o continente. O pior resultado possível das negociações em curso seria a submissão da Grécia às exigências dos seus credores, com poucas concessões em troca. Isso geraria mais apoio popular para partidos e movimentos anti-UE noutros países, e corresponderia a uma oportunidade perdida para a Grécia e para a Europa.
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Essa oportunidade é o incumprimento e a saída da Zona Euro, que permitiria à Grécia começar a corrigir os erros do passado e encaminhar a sua economia para a recuperação e para o crescimento sustentado. Nesse ponto, a UE seria prudente em seguir o exemplo, desfazendo a união monetária e proporcionando uma redução da dívida às economias com maiores dificuldades. Só então seriam cumpridos os ideais fundadores da UE.
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Alberto Bagnai é professor de Política Económica na Gabriele d’Annunzio University, e investigador associado do Centre de Recherche en Economie Appliquée à la Mondialisation, University of Rouen. Brigitte Granville é professora de Economia Internacional e Política Económica da Queen Mary, Universidade de Londres, e autora do livro "Remembering Inflation". Peter Oppenheimer é antigo membro da Christ Church, University of Oxford. Antoni Soy é professor de Economia Aplicada na Universidade de Barcelona.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
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Tradução: Rita Faria
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