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Robert Skidelsky - Economista
11 de Junho de 2017 às 14:00

As variantes da experiência populista

Para fazer a quadratura do círculo, Macron precisa de crescimento e ele confia naquilo que as reformas do lado da oferta podem fazer.

A derrota decisiva de Marine Le Pen, graças a Emmanuel Macron, nas presidenciais francesas foi uma grande vitória para a Europa liberal. Mas era uma batalha, não uma guerra. A ideia de que um em três franceses votaram na Frente Nacional de Le Pen era inconcebível há apenas alguns anos.

 

Os comentadores aplicaram o rótulo de "populista" à onda de políticas demagógicas que assola a Europa (e outras partes do mundo). Mas, além do estilo barulhento dos populistas, o que é que estes movimentos partilham? O Podemos em Espanha e o Syriza na Grécia são de esquerda. A Frente Nacional francesa, o Partido da Liberdade na Holanda e o Alternativa para a Alemanha (AfD na sigla em alemão) são de direita. Beppe Grillo, líder do movimento italiano Cinco Estrelas, diz que este movimento não é nem de esquerda nem de direita.

 

Ainda assim, há temas comuns entre eles: nacionalismo económico, protecção social, anti-europeísmo, anti-globalização e hostilidade não apenas com o poder estabelecido mas com os próprios políticos.

 

Para compreender o que isto pode significar para a evolução das políticas europeias, consideremos a história do fascismo. Benito Mussolini, fundador do fascismo italiano em 1919, começou como um revolucionário socialista. Na Alemanha, a palavra nazi era, devemos relembrar, a abreviatura de Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores da Alemanha.

 

Inicialmente, o fascismo era um movimento nacionalista e anti-capitalista. Mais tarde, confinou o seu ataque ao capitalismo liberal, em especial à "finança internacional". E isto rapidamente derivou para o anti-semitismo – o que August Bebel, um social-democrata alemão, chamou "socialismo dos tontos". O fascismo europeu colapsou com a derrota da Alemanha em 1945, mas formas menos agressivas viveram em outros locais, como a Argentina com o peronismo.

 

A base social do fascismo entre guerras fez com que fosse razoável ver o partido como um partido de direita. Nessa altura, a classe trabalhadora era apoiada pelos partidos de esquerda. O único espaço político deixado pelo fascismo era para a pequena burguesia: donos de lojas, pequenos empresários e funcionários públicos de nível baixo.

 

Hoje, a base social dos políticos de esquerda desapareceu. A classe trabalhadora clássica desapareceu: os partidos sociais democráticos e os sindicatos são sombras do que foram no passado. Isto significa que os populistas de esquerda são inevitavelmente compelidos a concorrer com os populistas de direita pelo apoio dos mesmos grupos que transformaram o fascismo entre guerras: rapazes jovens desempregados, o "homem pequeno" que se sente ameaçado pela "oligarquia" dos banqueiros, pelas cadeias globais de fornecimento, pelos políticos corruptos, pelos burocratas remotos da União Europeia e pelos "gatos gordos" de todos os tipos. Os populistas de hoje, independentemente da estirpe política, coincidem cada vez mais não apenas na escolha dos seus simpatizantes, mas também nos seus inimigos.

 

Que espaço existe para o populismo crescer, e que variedade – socialista ou fascista – vai atrair os votos disponíveis?

 

A resposta ampla para a primeira parte da questão foi dada pelo antigo presidente dos EUA, Bill Clinton, na campanha para as eleições de 1992: "é a economia, estúpido". A UE foi o centro económico mundial que recuperou de forma mais lenta da recessão do pós-2008. Em França, a taxa de desemprego é de 10%. O desemprego jovem ronda os 24% e é de 34% em Itália – criando um terreno fértil para o recrutamento de extremistas de esquerda e de direita.

 

Embora Macron não seja, de forma alguma, um falcão orçamental obcecado, ele quer encurtar o défice do governo francês de 3,4% do PIB para 3%, em linha com o estabelecido pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE. Na linha de fogo estão 120 mil empregos na função pública. Ainda assim, Macron quer impulsionar a economia com um pacote de estímulos de 50 mil milhões de euros e alargar a segurança social.

 

Para fazer a quadratura do círculo, Macron precisa de crescimento e ele confia naquilo que as reformas do lado da oferta podem fazer. Ele planeia cortar os impostos sobre as empresas de 33% para 25% e excluir o investimento financeiro dos impostos sobre a riqueza. É crítico do proteccionismo e vai defender o Acordo Comercial e Económico Canadá-UE e o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento. O seu apoio à lei El Khomri, que tornou mais fácil despedir trabalhadores, e a sua oposição às 35 horas por semana, indicam o seu desejo de aumentar a "flexibilidade" do mercado laboral francês.

 

Apesar da conversa sobre a "economia verde" e os pedidos para um programa europeu amplo de investimento, a agenda de Macron é amplamente neoliberal. Essencialmente, Macron espera que a sua agenda, se for implementada ao nível da UE, impulsione não apenas a economia francesa mas todas as economias europeias.

 

De facto, é provável que tais reformas prejudiquem todos na Europa, dando assim uma oportunidade aos populistas. Nesse caso, que variedade de populistas vai aproveitar a oportunidade?

 

O economista Dani Rodrik coloca a atractividade do populismo em foco. Argumenta que a democracia, a soberania nacional e a integração económica global são mutuamente incompatíveis; pelo menos uma tem de ser sacrificada. Dado que muitos eleitores na Europa e nos EUA se sentem prejudicados pela globalização, um partido populista que, de forma agressiva, coloque o país em primeiro, tem uma vantagem sobre os rivais.

 

Visto desta perspectiva, Macron foi o candidato ideal para derrotar Le Pen. Macron encarna a elite global. Ele é aparentemente brando em matéria de imigração. E, assumindo que o seu novo partido não consegue uma maioria nas eleições de Junho para a Assembleia Nacional, o seu governo vai exigir o apoio dos principais partidos. Durante os próximos cinco anos, figuras do poder podem unir-se em torno das políticas que falharam, dando a Le Pen o alvo ideal para a campanha eleitoral para as presidenciais francesas de 2022.

 

Para ser claro, apoio aos programas de esquerda existe certamente em França. Cerca de 20% dos eleitores apoiaram o populista de esquerda Jean-Luc Mélenchon na primeira volta das eleições presidenciais. Na segunda volta, uma hastag no Twitter, #NiPatronNiPatrie(nem patrão nem pátria), reflectiu muito do descontentamento dos eleitores com a escolha nas eleições, que estava entre o neoliberalismo e o nacionalismo. A tarefa da esquerda é direccionar a atenção para os verdadeiros aspectos problemáticos da integração económica global – financiamento, a prioridade dada ao capital sobre o trabalho, ao credor sobre o devedor, ao patrão sobre o operário – sem cair em políticas reaccionárias.

Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes britânica, é professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.

Copyright: Project Syndicate, 2017.

www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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