
Mais do que um acaso meteorológico, os grandes incêndios que afetaram Portugal e Espanha este verão são um sintoma do agravamento das alterações climáticas, sugere uma análise recente. De acordo com o grupo World Weather Attribution (WWA), sem o aquecimento global provocado pela Humanidade, episódios como estes teriam uma probabilidade inferior a uma vez a cada 500 anos.
O cenário atual, que regista já um aumento de temperatura de 1,3 graus face à era pré-industrial, muda completamente as contas: a probabilidade é que este tipo de fenómenos aconteça uma vez a cada 15 anos. Em números redondos, isto significa que os fogos se tornaram 40 vezes mais prováveis e 30% mais intensos do que num mundo sem alterações climáticas.
Os cientistas não têm dúvidas de que a vaga de calor em agosto funcionou como gatilho na Península Ibérica. Durante 16 dias, Espanha enfrentou a onda de calor mais intensa desde que há registos, com temperaturas médias 4,6 graus acima do normal. O WWA estima que máximos como os registados neste período ocorrem hoje uma vez a cada 13 anos, mas antes da influência humana seriam praticamente impossíveis e não iriam além de uma vez a cada 2500 anos.
A consequência deste fenómeno levou ao consumo de mais de 380 mil hectares de área ardida em Espanha, a maior em três décadas e quase quatro vezes acima da média recente. Deste lado da fronteira, Portugal viu serem queimados cerca de 260 mil hectares, 2,3 vezes acima da média desde 1980. No total, ardeu mais de 1% da superfície da Península Ibérica, o equivalente a 640 mil hectares.
Para lá da dimensão da área ardida e do património natural destruído, os cientistas apontam que o habitat de quase 400 espécies vulneráveis foi parcial ou totalmente perdido.
Mas as responsabilidades não podem ser atribuídas apenas aos fatores meteorológicos, aponta a análise. “A despovoação rural e o envelhecimento da população deixaram vastas áreas florestais sem gestão, criando cargas de combustível densas”, sublinham os investigadores.
A pressão dos incêndios foi sentida além de Portugal e Espanha, com o mecanismo europeu de proteção civil a ser acionado 17 vezes durante esta época, mais do que em 2024, com pedidos feitos pela Península Ibérica, Grécia, Albânia e Bulgária. “Com mais aquecimento, fenómenos extremos e simultâneos continuarão a desafiar os recursos de combate e a pôr à prova os limites da adaptação”, avisam os cientistas.