O desafio crónico do país com os incêndios florestais tem tendência a piorar, mostram os estudos e previsões climáticas, mas a dimensão real do problema pode estar a ser subestimada. O alerta é da Quercus, que diz que mais de dois terços do eucaliptal ardido estão a ser ocultados das estatísticas nacionais, devido a falhas estruturais na forma como a ocupação do solo é classificada.
O alerta surge após a publicação do quinto relatório provisório de incêndios rurais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que indica que arderam 254.296 hectares em 2024, fazendo deste o quarto pior ano desde 1996. Apesar de elevado, a associação refere que o valor é cerca de 20 mil hectares superior ao registado, na mesma altura, no ano com maior área ardida.
Segundo a Quercus, o problema não está apenas na dimensão dos incêndios, mas sobretudo na leitura que é feita do território. A análise da Carta de Uso e Ocupação do Solo (COS) e da Carta de Ocupação do Solo Conjuntural (COSc), produzidas pela Direção-Geral do Território com base em imagens de satélite do programa europeu Copernicus, revela um desfasamento significativo face à realidade no terreno.
A COS é atualizada apenas de cinco em cinco anos e baseia-se em ortofotomapas cuja última edição data de 2018. Já a COSc, apesar de anual, classifica como “mato” extensas áreas de eucaliptal jovem, em regeneração ou após corte, mascarando a verdadeira extensão desta cultura florestal. “A classificação atual da ocupação do solo em Portugal está a ocultar de forma sistemática a realidade do eucaliptal”, lê-se no comunicado publicado este domingo.
Os ambientalistas dão como exemplo o incêndio de Arouca, em 2024, quando arderam cerca de 6.500 hectares numa área em que mais de 80% correspondia a eucaliptal, sobretudo jovem. Ainda assim, os dados oficiais indicam que 62% da área afetada foi “fogo de mato”. Situação semelhante ocorreu em Pedrógão, onde relatórios europeus apontam 80% de “mato” numa zona composta, em cerca de 90%, por eucaliptos jovens ou regenerações naturais.
Para a associação, estas classificações incorretas fazem com que dezenas de milhares de hectares de plantações sejam reportados à população apenas como “mato”, desvalorizando o risco real e o impacto nos territórios e comunidades. O resultado é uma perceção estatística e política distorcida sobre a dimensão do eucaliptal em Portugal, lamentam os responsáveis.
A Quercus defende, por isso, uma correção dos protocolos de análise, com identificação rigorosa das espécies florestais e atualizações mais próximas do tempo real. Propõe ainda que as plantações de eucalipto e outras espécies de rápido crescimento passem a estar sujeitas a licenciamento obrigatório e georreferenciação numa plataforma oficial do Estado.
“Sem medidas urgentes de correção e de transparência, o país continuará a viver com uma narrativa oficial que distorce a realidade e compromete fortemente a segurança de pessoas e bens”, sublinha.