Assinala-se hoje o Dia Mundial do Transporte Sustentável. E se muitos olham para a transição energética em Portugal como um caso de sucesso, a Associação Zero tem uma perspetiva mais negativa quando olha para as metas de redução de emissões nos transportes. “Quando falamos de mobilidade sustentável, falamos de um modelo de deslocação que é menos poluente, energeticamente mais eficiente e que melhora a qualidade de vida das pessoas em geral. Que torna as cidades mais seguras, saudáveis e agradáveis para quem vive nelas. Infelizmente, em Portugal, ainda estamos longe desse cenário, e caminhamos no sentido oposto”, refere Rita Prates, responsável de Políticas de Mobilidade da Associação Zero. Em que medida vamos no sentido oposto? Desde logo, diz, porque é o setor dos transportes o principal responsável pelas emissões nacionais. “Os transportes representam 34% de todas as emissões de CO2 do país — mais do que a agricultura, a indústria ou a produção de eletricidade. E apesar de muitas vezes pensarmos em aviões ou navios, quem realmente domina esta pegada é o transporte rodoviário, sobretudo o automóvel ligeiro. E não é por serem veículos especialmente poluentes, é porque são demasiados. O mais preocupante? As emissões continuam a aumentar. Temos mais carros, mais trânsito e os consumos de combustíveis rodoviários não estão a diminuir”.
Problema de difícil solução, desde logo, refere Rita Prates, porque as nossas cidades estão desenhadas para o automóvel. “Segundo o relatório da OCDE, mais de 50% do espaço público é dedicado ao trânsito e ao estacionamento, o que cria uma competição feroz pelo espaço urbano: passeios estreitos e inseguros; falta de espaço para ciclovias; falta de corredores BUS; ausência de árvores e espaços verdes”. E os problemas, salienta a responsável, não acabam aqui: “O transporte rodoviário é a principal fonte de poluição do ar e ruído, com um impacto gravíssimo na saúde pública: é responsável por cerca de 6.000 mortes prematuras por ano em Portugal.”
Metas por um canudo
No que diz respeito às metas de redução de emissões para 2030, estão longe de serem cumpridas. “De acordo com os dados da DGEG dos últimos anos, o consumo de combustíveis fósseis rodoviários em janeiro de 2024 já tinha ultrapassado os valores pré-pandemia e em janeiro de 2025 estava constante em relação ao ano anterior, com uma ligeira diminuição no diesel e um aumento no GPL e gasolina”, alerta. “Segundo os nossos cálculos, as emissões dos transportes rodoviários em janeiro de 2025 estavam cerca de 45% acima da meta prevista para 2030. Este ano o consumo de combustíveis rodoviários deveria ter-se reduzido em 7% para podermos cumprir a meta do PNEC 2030 o que é praticamente impossível uma vez que, até setembro, o consumo de combustíveis se mantinha estabilizado em relação ao mesmo mês do ano anterior”.
Como deve ser então a resposta nacional para a redução desta emissões? Segundo Rita Prates, as zonas de emissões reduzidas, de zero emissões ou de acesso condicionado poderiam funcionar, caso existisse fiscalização, pois retiram parte do trânsito e suas consequências da cidade, dando espaço e prioridade ao transporte público.
Já a mobilidade suave, que passa por andar a pé ou de bicicleta, é tão importante quanto o transporte público – e o melhor complemento para o mesmo. “A resposta é haver transferência modal, onde o transporte público interligado com mobilidade ativa são os protagonistas, em vez do carro privado. Neste caso, o transporte público, seja ele regular ou flexível, deverá ser com veículos elétricos. O transporte de mercadorias, que deve ser otimizado, deverá também ser eletrificado”.
São vários, porém, os entraves que a responsável da Associação Zero vê para que tudo possa ser posto em prática. Os municípios, conta, continuam a priorizar a circulação do carro privado. “É fundamental que as câmaras tenham a mobilidade sustentável na sua visão, pois são as únicas capazes de agir na infraestrutura e nos condicionamentos de trânsito. Têm de perceber que esta é a mudança que os cidadãos querem, como está a acontecer em cidades como Paris”. Além disso, continua, os incentivos financeiros estão canalizados “para a compra de automóveis privados elétricos, quando deviam ir para a eletrificação do transporte de mercadorias e transporte de passageiros”.
Por fim, com a crise de habitação e a falta de planeamento urbano, as pessoas “estão a fugir dos centros urbanos cada vez mais caros indo viver para zonas de mais baixa densidade ou periferias, onde ficam reféns do transporte individual para chegar ao trabalho”. Responder a tudo isto e alcançar as metas colocadas não é fácil. Para Rita Prates, porém, há algo que não pode, de todo, ser ignorado e que aparenta ser um dos caminhos: “É preciso manter 2035 como último ano para a venda de novos veículos a combustíveis fósseis. Não vale a pena continuarmos a investir e cultivar uma tecnologia que já sabemos que tem os dias contatos. A indústria dos carros elétricos está a florescer na Europa e pode-nos trazer empregos e riqueza”.