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Novo regime da mobilidade elétrica quer simplificar carregamentos

Carregar um carro elétrico vai ser mais simples e transparente. Nova legislação pretende incentivar inovação e digitalização, para cumprir metas de aumento da mobilidade sustentável.

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Nova legislação simplifica carregamentos de carros elétricos
Nova legislação simplifica carregamentos de carros elétricos

O Governo publicou no dia 14 de agosto o Decreto-Lei n.º 93/2025, que estabelece o novo Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica (RJME). O diploma revoga o modelo centralizado em vigor desde 2010, cumpre o Regulamento Europeu (UE) 2023/1804 – AFIR – e pretende criar um mercado mais aberto, competitivo e digitalizado.

A principal novidade é a introdução do carregamento ad hoc, que elimina a necessidade de contrato prévio com um comercializador. Em breve, qualquer condutor poderá chegar a um posto de carregamento, ligar o carro e pagar no momento, à semelhança do que acontece nos postos de combustíveis.

A simplificação do processo de carregamento é o ponto central do RJME. Com o fim dos contratos obrigatórios, os utilizadores deixam de estar vinculados a um comercializador para aceder aos postos. Os postos com potência superior ou igual a 50 kW passam a ser obrigados a aceitar pagamento por cartão bancário. Postos de menor potência devem disponibilizar, pelo menos, código QR ou outro meio eletrónico, e todos os postos passam a exibir preços antes do início da sessão, de forma clara e comparável, sendo que o utilizador paga apenas o valor final do carregamento, no momento, com total transparência. Outra novidade é a obrigação de disponibilizar informação em tempo real sobre potência, estado e preço em plataformas digitais, o que permitirá planear viagens e evitar filas. Segundo o Governo, estas medidas “reduzem taxas, cortam intermediários e melhoram a experiência do utilizador”, contribuindo para baixar custos e acelerar a adoção do carro elétrico.

Operadores com mais autonomia

O novo regime dá também maior liberdade aos Operadores de Pontos de Carregamento (OPC) para definir modelos de negócio e gerir os seus ativos. Entre as novidades estão a possibilidade de usar energia de autoconsumo, por exemplo, proveniente de painéis solares; introdução de carregamento inteligente e bidirecional (vehicle-to-grid); liberdade para criar ofertas comerciais diferenciadas, incluindo planos de subscrição. Também deixa de ser obrigatória a integração numa rede única, mas mantém-se o princípio da universalidade de acesso, garantindo que qualquer utilizador pode carregar em qualquer posto.

O diploma cria ainda a figura do Prestador de Serviços de Mobilidade Elétrica, que poderá agregar diferentes operadores e oferecer plataformas de pagamento e fidelização, incentivando a concorrência e a inovação no setor.

Transição até 2026

De forma a facilitar a mudança, foi definido um regime transitório até 31 de dezembro de 2026, que assegura a continuidade dos investimentos e contratos existentes. Durante este período, os operadores e comercializadores terão tempo para adaptar sistemas de faturação, meios de pagamento e acordos de interoperabilidade ao novo modelo.

O diploma reforça igualmente a disponibilização de dados estáticos e dinâmicos de todos os pontos de carregamento no chamado “Ponto de Acesso Nacional”, permitindo que as diversas aplicações mostrem em tempo real preços, potências e disponibilidade dos carregadores. Com esta abertura, pretende-se que o utilizador possa escolher o posto mais conveniente antes de iniciar a viagem, comparando preços e evitando deslocações desnecessárias.

A simplificação administrativa é outra vertente do RJME: o acesso à atividade de operador de pontos de carregamento passa a poder ser feito por comunicação prévia, com deferimento tácito, o que reduz burocracia e acelera a entrada de novos players no mercado.

O novo regime traz clareza e termina com um impasse de muitos meses, mas há desafios urgentes a resolver. Manuel Reis, vice-presidente da UVE

Setor reage

As associações e operadores do setor da mobilidade elétrica saudaram o novo RJME, mas pedem atenção à regulamentação em falta. As reações convergem no reconhecimento do avanço, mas também na urgência de clarificar regras essenciais para proteger os utilizadores.

Para Manuel Reis, vice-presidente da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos, o novo regime deve ser saudado por “trazer clareza e terminar com um impasse de muitos meses, além de resolver muitas situações que a UVE já tinha alertado a tutela desde 2020”. Para o responsável associativo, “há também novos desafios que é necessário resolver ao nível da regulação e para garantir uma transição suave de alguns mecanismos que existiam anteriormente e que não são definidos no RJME”. Um exemplo é “o caso dos DPC (Detentor de Ponto de Carregamento), tão úteis em garagens partilhadas (condomínios), ou no caso de frotas”, afirma.

Foco na transição

Já Helder Pedro, secretário-geral da ACAP – Associação Automóvel de Portugal, saúda “o objetivo de simplificação, liberalização e maior flexibilidade do mercado de carregamento”. A ACAP considera, contudo, “fundamental que a sua aplicação assegure estabilidade regulatória, competitividade e transparência, de modo que os utilizadores tenham um acesso universal, fácil e justo à rede de carregamento em todo o território nacional”.

Do lado da Mobi.E, atual entidade gestora da rede pública, o seu presidente, Luís Barroso, tem “a expetativa de que o RJME irá acelerar ainda mais a transição energética da mobilidade”. Porém, considera que terá de se aguardar que a implementação das novas medidas, que apenas se prevê seja concluída de forma plena a partir de 2027, produza os resultados esperados”. A curto prazo, a Mobi.E “terá também um papel essencial em apoiar os operadores da rede nacional de carregamento na adaptação ao novo Regime Jurídico, assegurando que esta transição decorre de forma simples e eficaz para todos os parceiros”, garante o responsável.

Operadores otimistas

Do lado dos operadores de rede, Luís Castanheira, CEO da REMO (antiga Mota-Engil Renewing), considera que “o novo RJME alinha o modelo Portugal com o AFIR (europeu) permitindo uma maior clareza no preço de venda ao público do carregamento, pois passa a haver apenas um preço, e cria uma expectativa de redução nos custos para o utilizador, pois o operador passa a controlar 100% da estrutura de custos”. Sobre este tema, para este responsável, “importa referir também que fica uniformizada a estrutura de preços dos postos que deverão seguir os requisitos definidos no Regulamento AFIR”. Além disso, “o novo RJME reconhece também a possibilidade de os operadores poderem criar ofertas customizadas, podendo diferenciar os preços cobrados a clientes que tenham contratado serviços de subscrição ou que estejam disponíveis para prestação de serviços de flexibilidade”, explica o CEO.

A REMO, como opera também fora de Portugal, “já se encontra, do ponto de vista tecnológico e de negócio, preparada para a nova realidade”, considera Luís Castanheira.  Todavia, nota, “são ainda necessários completar vários marcos legais e regulatórios, da responsabilidade do Governo, ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) e DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia)”. Nomeadamente, “a revisão ou publicação de portarias associadas ao novo RJME, o novo regulamento da mobilidade elétrica, e o regime de exploração de instalações elétricas, e respetivos despachos”, explica.

Um passo para o futuro

Com o novo regime, o Governo considera que Portugal está a alinhar-se com as metas do Plano Nacional Energia e Clima 2030 e do Pacto Ecológico Europeu, apostando numa mobilidade mais limpa, digital e competitiva. Os próximos dois anos serão decisivos para avaliar o impacto do RJME, medir o aumento da rede de carregadores e verificar se os preços se tornam mais competitivos e transparentes. No entanto, o sucesso da nova legislação, consideram os vários intervenientes, será avaliado pela capacidade de atrair novos operadores, aumentar a rede de postos de carregamento e oferecer ao utilizador uma experiência simples, previsível e comparável ao abastecimento tradicional.

É fundamental que a aplicação assegure estabilidade regulatória, competitividade e transparência para garantir acesso universal e justo em todo o país. Helder Pedro, secretário-geral da ACAP.

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