“Bloquons tout”: Franceses tentam paralisar ruas, transportes e cartões contra a austeridade
Com 80 mil agentes mobilizados e confrontos em várias cidades, França enfrenta um dia de protestos. Já foram detidas cerca de 300 pessoas no primeiro dia de Sébastien Lecornu enquanto primeiro-ministro.
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França vive esta quarta-feira o primeiro dia de protestos marcados pelo movimento “Bloquons tout” (“Bloquear tudo”), que procura paralisar o país durante tempo indeterminado como forma de contestação ao plano de austeridade proposto pelo governo de François Bayrou – que deixou a liderança do Governo na segunda-feira. A mobilização nasceu nas redes sociais, com apoiantes tanto de extrema-direita como de extrema-esquerda e rapidamente ganhou dimensão nacional, com milhares de pessoas nas ruas de cidades como Paris, Nantes, Lyon, Toulouse e Marselha. Ao longo do dia, têm-se registado bloqueios de estradas, barricadas improvisadas, pneus e caixotes de lixo incendiados, além de confrontos entre manifestantes e forças policiais.
Segundo a Reuters, perto de 300 pessoas foram detidas em todo o território até agora, num cenário que levou o Ministério do Interior a mobilizar cerca de 80 mil agentes de segurança, incluindo seis mil na capital. Bruno Retailleau, ministro do Interior, confirmou que, em Rennes, chegou a ser incendiado um autocarro, enquanto em outras cidades os manifestantes recorreram ao arremesso de pedras contra a polícia. Retailleau alerta ainda para o risco de infiltração de grupos de extrema-esquerda radicais, o que poderia intensificar os episódios de violência.
Em Paris, a polícia disparou gás lacrimogéneo contra jovens que tentavam bloquear a entrada de um liceu, enquanto bombeiros retiravam detritos queimados de barricadas improvisadas. A Reuters acrescenta que um grupo de mil manifestantes foi impedido de entrar na estação ferroviária Gare du Nord. “É o mesmo de sempre, é Macron que é o problema, não os ministros”, afirmou um representante da Confederação Geral do Trabalho (CGT) do setor dos transportes públicos, citado pela agência, sublinhando que o presidente é visto por muitos como o principal responsável pela crise política e social.
Em Nantes, os manifestantes bloquearam uma autoestrada com pneus e contentores em chamas, levando as autoridades a recorrerem ao gás lacrimogéneo. Em Montpellier, um grupo ergueu barricadas num cruzamento, entretanto também dispersadas pela polícia. Em Toulouse, um incêndio próximo à linha férrea provocou perturbações na circulação de comboios. A empresa Vinci, operadora de autoestradas, relatou “perturbações significativas” nas ligações que passam por Marselha, Montpellier, Nantes e Lyon.
Primeiro dia de Lecornu marcado pela revolta
A contestação surge pouco tempo depois de o primeiro-ministro François Bayrou ter sido afastado pelo Parlamento, na sequência da reprovação do orçamento que previa cortes de cerca de 44 mil milhões de euros até 2026. O plano incluía a suspensão de feriados nacionais, o congelamento de pensões e reduções na saúde e nos empregos públicos.
Apesar da nomeação de Sébastien Lecornu como novo chefe de governo, a insatisfação mantém-se. “Bayrou foi afastado, agora é preciso eliminar as suas políticas”, disse Christophe Lalande, professor que participou nos protestos em Paris, citado pela Reuters, defendendo mais investimento em escolas e hospitais. Amar Lagha, sindicalista, reforçou a ideia: “Esta jornada é uma mensagem a todos os trabalhadores deste país: não há resignação, a luta continua. Se tivermos de morrer, morreremos de pé”.
O movimento “Bloquons tout” destaca-se também pela chamada “greve da carte bancaire”, uma campanha que apela aos cidadãos para evitarem pagamentos com cartão e privilegiarem o uso de dinheiro vivo. A ideia é “atingir onde dói: a carteira do sistema”, retirando fundos dos bancos e boicotando comissões cobradas nas transações. Estimativas partilhadas nas redes sociais apontavam para perdas de até 15 mil milhões de euros para os bancos caso 10 milhões de franceses aderissem à iniciativa durante um mês, mas especialistas ouvidos pelo Le Figaro e pelo La Dépêche consideram os números exagerados, estimando um impacto real próximo dos 12 mil milhões em consumo perdido e apenas 60 milhões de euros em comissões evitadas. “Os bancos não vivem dessas comissões, especialmente porque os pagamentos e a sua segurança lhes custam caro”, explicou ao Le Figaro, Michel Khazzaka, especialista em sistemas de pagamento.
Mesmo assim, a dimensão simbólica da greve financeira foi reforçada pela adesão de pequenos comerciantes. A BFM TV relata que alguns restaurantes ofereceram descontos de até 10% para clientes que pagassem em numerário, como forma de protesto contra os encargos bancários. Um proprietário no Gard contou ter pagado mais de 6.500 euros em comissões no ano passado, motivo pelo qual decidiu alinhar-se com o movimento. Até agora, ainda não se conhecem os impactos desta iniciativa.
A NBC News destaca que a descentralização do protesto, sem sindicatos ou organizações a liderar formalmente, torna as ações imprevisíveis e mais difíceis de controlar pelas autoridades. Também nota que o dispositivo policial mobilizado é um dos maiores desde o auge dos protestos dos “coletes amarelos” em 2018.
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