Os 329 mil habitantes da Islândia já não são vigiados pelo FMI
Os binóculos de Washington já não olham para os icebergs da Islândia. O país antecipou-se e pagou as dívidas que restavam do empréstimo dado após a crise que levou à queda dos bancos.
A Islândia disse adeus ao FMI. A ilha nórdica antecipou-se e pagou as suas últimas dívidas à entidade sob o comando da francesa Christine Lagarde antes do prazo. Ponto final na vigilância que se mantinha desde que terminou o programa que pretendeu endireitar uma economia massacrada pela crise bancária de 2008.
"A Islândia pagou hoje, antes da data de reembolso, todas as suas obrigações em falta para com o Fundo Monetário Internacional, em cerca de 236,9 milhões de SDR [direitos especiais de saque, moeda artificial usada pelo FMI]", anunciou, em comunicado, o FMI. São cerca de 294,79 milhões de euros que saíram de Reykjavik em direcção a Washington.
O reembolso da dívida em falta por parte da ilha com 329 mil habitantes poderia ser concretizado entre 14 de Outubro de 2015 e 31 de Agosto de 2016. O Governo de Sigmundur Davíð Gunnlaugsson achou por bem fazer o pagamento antes da maturidade.
"Este pagamento antecipado pela Islândia mostra o fim bem-sucedido de um compromisso intenso com o Fundo, que começou no meio de uma profunda crise financeira. O FMI pretende continuar uma relação próxima e construtiva com as autoridades islandesas", diz o comunicado.
Terminou, assim, a monitorização pós-programa da Islândia, assegura o FMI. A última vez que a equipa de técnicos aterrou na capital, na parte ocidental da ilha que tem uma dimensão maior que Portugal, foi em Setembro, altura em que se puseram a par dos recentes desenvolvimentos económicos, "incluindo os progressos na implementação de uma estratégia de liberalização dos capitais".
O controlo e a pesca
Liberalização porque, aquando da crise de 2008, o caminho feito pela Islândia foi marcado por controlo de capitais. A ilha sofreu, numa semana, com a queda de três bancos: o Glitnir Bank, Landisbanki e o Kaupthing Bank. Segundo o FMI, houve um abrupto aumento nos créditos que levou a bolhas em todos os activos, nomeadamente no mercado accionista e no imobiliário. Com preços dos activos acima do seu real valor e com um financiamento entre bancos e suas sociedades "holdings", que "não era transparente", mascarou-se a qualidade dos activos e facilitou-se a expansão dos empréstimos sem qualidade.
A opção foi deixar os bancos cair e a sua posterior nacionalização. Os detentores de dívida das instituições financeiras ficaram com os encargos para poupar os contribuintes. Houve conselhos aos cidadãos: dada a excessiva dimensão do sistema financeiro, com um peso muito maior que a economia justificava, o então primeiro-ministro aconselhou os cidadãos islandeses a retornarem ao básico, nomeadamente à pesca.
Mas a economia sofreu e a moeda, a coroa islandesa, desvalorizou-se 80%. Foi a forma de o país se ajustar sem (muita) austeridade que teve de ser imposta nos países do sul da Europa, como Portugal, que não dispunham de moeda própria - também houve cortes na despesa.
Para o presidente Olafur Ragnar Grimsson, no cargo desde 1996, a Islândia conseguiu salvar-se porque "não deu ouvidos" à União Europeia e recusou o excesso a austeridade. O FMI chegou a dizer que a sua recuperação dava exemplos aos restantes países sob assistência do FMI.
O programa da instituição sediada em Washington passava por um programa de dois anos avaliado em 1,4 mil milhões de SDR (1,74 mil milhões de euros, ao câmbio actual) para "restaurar a confiança e estabilizar a economia". Desde 2011, a economia tem crescido. O FMI prevê que a expansão do PIB seja de 4,1% em 2015. Deverá haver um excedente orçamental (diferença entre receitas e despesas do Estado) de 0,8%, mas são esperados défices nos próximos anos, ainda que de pequena dimensão.
As originalidades e os desafios
Por não pertencer à União Europeia, o país conseguiu ir protagonizando várias originalidades, como a de não pagar aos depositantes estrangeiros (Reino Unido e Holanda) pelo colapso do banco Landsbanki, a disputa conhecida como Icesave. Também houve ex-banqueiros condenados por não terem impedido as falências.
A ilha, situada mais perto da Gronelândia do que do Reino Unido, pediu, em 2009, a adesão ao euro, numa altura em que a sua moeda sentia os efeitos da forte desvalorização. Um pedido que, seis anos depois, foi retirado. A economia islandesa recuperou, enquanto a Zona Euro travou.
Nem tudo é perfeito e há desafios pela frente. O FMI apontava, em Junho, para dois: como gerir "aumentos salariais significativos" que podem colocar a solidez económica em causa; como é que uma economia habituada a sete anos de controlos de capitais se vai habituar à sua retirada.
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