A mãe de todas as cimeiras pariu um rato
À boa maneira europeia, as expectativas foram sendo, progressiva e consistentemente, reduzidas ao longo dos últimos dias. Porém, este Conselho Europeu, que foi descrito como a mãe de todas as cimeiras, tal o número e complexidade dos dossiers em cima da mesa, acabou por não ir além de acordos mínimos.
Saiu "poucochinho" do Conselho Europeu que terminou esta sexta-feira, pegando numa expressão cara ao primeiro-ministro português, António Costa. Eram grandes as expectativas quanto a um encontro dos líderes europeus que o Politico chamou de "mãe de todas as cimeiras", devido ao elevado número de questões difíceis e divisivas a tratar. E que já pouco augurava de bom.
Mas, olhando para as conclusões que saíram da cimeira, constata-se que a montanha de divergências entre as diferentes capitais só permitiu acordos mínimos que ficam muito aquém das expectativas inicialmente geradas.
Há muito que esta cimeira tinha sido definida como o momento certo para colmatar as deficiências de uma união económica e monetária (UEM) promotora de divergências económicas. E ainda há escassos dias, em Meseberg, nos arredores de Berlim, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron, assinaram uma declaração conjunta que definiu um roteiro para o reforço da integração na área do euro.
Merkel e Macron defenderam que com o fim à vista (marcado para Agosto) do programa de assistência à Grécia, era chegado o momento de abrir um "novo capítulo da moeda única". Mas esta janela de oportunidade, que tinha começado a abrir-se em 2017 com a eleição de Macron e a não constituição de um governo eurocéptico na Holanda, foi-se fechando nos últimos meses.
Motivo? O progressivo reforço de forças populistas, eurocépticas e de extrema-direita, que permitiram ao 5 Estrelas e à Liga formar governo na Itália e que provocaram uma quase-crise governamental na Alemanha, com o ministro do Interior de Merkel a exigir a restrição da política sobre refugiados. Já nos países do leste europeu assistiu-se ao agravar das posições anti-imigração.
O Eurogrupo da semana passada já tinha deixado indicações de que, afinal, a esperada reforma da Zona Euro poderia ficar por serviços mínimos. A oposição da "nova liga hanseática" - 12 países, liderados pela Holanda, defensores do rigor e disciplina orçamental – à criação de um orçamento comum no bloco do euro amputou aquela que foi considerada a medida-chave proposta pelo eixo franco-alemão. A discussão ficou adiada para Dezembro.
A este adiamento juntou-se a já esperada recusa alemã em avançar com a partilha de riscos inerente à constituição de um sistema europeu de garantia de depósitos, que deixou a união bancária coxa de um dos seus pilares.
Uma crise que é política e não de refugiados
As divisões a que o primeiro-ministro se referia ficaram patentes na questão da crise política dos refugiados. Não há crise de refugiados porque, ao contrário de 2015, em 2018 não se assiste a qualquer vaga de refugiados: do pico de 1,3 milhões de pedidos de asilo registados em 2015 passou-se para apenas 704 mil pedidos em 2017; nos primeiros três meses deste ano foram feitos 131 mil pedidos.
Mas há crise política de refugiados porque a questão migratória continua a ser utilizada, a várias latitudes, como arma de arremesso político, designadamente nos países do grupo de Visegrado (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia), e mais recentemente também na Itália e na própria Alemanha.
À política de restrição à entrada de refugiados dos países de Visegrado juntou-se um governo italiano que bloqueou as conclusões do primeiro dia deste Conselho Europeu. Na estreia em cimeiras europeias, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte fê-lo condicionando quaisquer acordos à garantia de que os migrantes resgatados no Mediterrâneo fossem distribuídos por "centros de processamento" a instalar pelos Estados-membros que voluntariamente aceitem instalá-los. Resta porém saber quem estará interessado, sendo certo que Lisboa já anunciou não estar disponível.
Para acomodar as exigências de Varsóvia, Budapeste, Bratislava e Praga, os líderes europeus lá acabaram por decidir que a distribuição por quotas de requerentes de asilo deixe de ser obrigatória e passe a ser voluntária. Haverá quotas voluntárias? Parece difícil.
Já para tentar satisfazer o ministro alemão do Interior, Horst Seehofer, que queria agir unilateralmente travando a entrada de requerentes de asilo previamente registados noutro país da União, o Conselho decidiu instar os Estados-membros a legislar ao nível nacional para limitar os movimentos secundários de migrantes dentro das fronteiras internas da UE, uma realidade que prejudica essencialmente a Alemanha. Contudo, não foram prestadas quaisquer orientações concretas sobre práticas adequadas a adoptar.
A alteração das regras de asilo em vigor (Convenção de Dublin) ficou também congelada, ficando somente sinalizada a necessidade de atingir um "consenso" nesta matéria o mais rápido possível. Macron referiu-se às medidas acordadas sobre política migratória como "o equilíbrio certo entre solidariedade e responsabilidade". O problema é que a solidariedade será voluntária enquanto a responsabilidade é sempre discricionária.
A negociação em curso sobre a relação futura da União com o Reino Unido uma vez consumado o Brexit (previsto para Março de 2019) ou a proposta da Comissão Europeia para o próximo quadro financeiro plurianual foram outros temas deixados em suspenso.
"Não conseguimos alcançar tudo o que queríamos, mas foi um passo na direcção certa", atirou Merkel. Mais cauteloso, Macron assumiu que o que foi acordado era "a parte mais fácil do que [a Europa] tem pela frente". É sempre a velha questão do copo meio cheio ou meio vazio.
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