Londres acredita em divórcio feliz. Bruxelas, nem por isso
Um ano depois do referendo, foi dado o tiro de partida das negociações para a retirada do Reino Unido da União Europeia. Na retórica, dificilmente a divergência poderia ser maior. Processo deverá, à partida, estar concluído em dois anos.
A quatro dias de completar um ano do referendo disputado em que o "não" acabou por prevalecer, ainda sem programa nem apoio parlamentar garantido, o governo de Theresa May deu início às negociações de saída do Reino Unido da União Europeia, dizendo acreditar que o divórcio pode ter um final feliz.
"Todo o processo vai conduzir a uma feliz resolução, com vantagens para ambas as partes", afirmou Boris Johnson, referindo-se aos termos da separação e ao de um novo acordo que, à partida, deverão estar fechados na Primavera de 2019, findo o prazo máximo de dois anos previsto nos Tratados. O chefe da diplomacia britânica falava no dia em que David Davis, ministro que tutela sobre os assuntos relacionados com a saída do Reino Unido da União, se sentou pela primeira vez frente-a-frente, em Bruxelas, com Michel Barnier, antigo comissário francês e chefe da delegação da UE, para começar a negociar o fim de um casamento sempre tumultuoso, consumado em 1973.
Do outro lado da mesa, porém, pensa-se e fala-se muito diferente. Em entrevista à BBC, Michael Roth, número dois dos Negócios Estrangeiros alemão, afirmou sem rodeios que a separação "não vai ser boa" nem para o Reino Unido nem para a União Europeia. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, tem, pela sua parte, avisado que o melhor que se pode ambicionar é um acordo que "limite os danos".
Este primeiro encontro serviu para definir as regras do jogo: temas prioritários (residentes, acerto de contas e gestão da fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte), calendário das negociações (haverá pelo menos um encontro a cada quatro semanas, tendo o próximo sido agendado para 17 de Julho) e línguas da negociação (inglês mas também francês).
Ministro britânico dos Negócios Estrangeiros
Mais de três milhões de europeus vivem actualmente no Reino Unido e haverá 1,5 milhões de britânicos a viver noutros Estados-membros. A UE a 27 quer que todo este universo de pessoas, assim como os respectivos familiares, preservem até ao fim das suas vidas os direitos como "europeus", designadamente o direito de residência e de acesso ao mercado de trabalho, à educação e à saúde, com base numa lei europeia garantida pelo Tribunal europeu de Justiça. No acerto de contas, a UE-27 quer que Londres cumpra os compromissos financeiros assumidos no âmbito do actual quadro financeiro, que expira em 2020. Não há números oficiais, mas especula-se sobre uma factura da ordem de 60 mil milhões de euros.
Sobre o enquadramento futuro, o programa eleitoral do partido Conservador pressupõe a saída do mercado único e da união aduaneira, apresentados como condição prévia para que o Reino Unido possa retomar o controlo da imigração, fazer acordos de comércio com países terceiros e livrar-se da jurisdição dos tribunal europeus e do pagamento da factura anual a Bruxelas. Theresa May tem ainda afirmado preferir um "não acordo a um mau acordo" com a UE-27. Mas a primeira-ministra terá deixado de ter condições internas para fazer voz grossa em Bruxelas. Numa manobra mal calculada, antecipou eleições para fortalecer a sua maioria parlamentar e, assim, reforçar a sua posição negocial com a UE, mas acabou por a perder em 8 de Junho último, estando agora dependente de alianças (em curso, estão ainda as negociações com o DUP, os unionistas da Irlanda do Norte). May queria romper de vez com a UE e criar uma relação "única e especial", mas o cenário de um "soft Brexit" – de o Reino Unido passar, por exemplo, a integrar o Espaço Económico Europeu, de que fazem parte Noruega, Islândia e Liechtenstein e continuar parte do mercado único – poderá ter ganho terreno.
Vice-ministro alemão dos Negócios Estrangeiros
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