Salário superior ao de Montenegro? "Eu é mais bolos", responde Centeno
O governador do Banco de Portugal (BdP) foi chamado ao Parlamento para explicar a política de remunerações no banco central.
- Vencimentos no Banco de Portugal sob escrutínio
- Centeno: Banco de Portugal tem de momento seis consultores
- Centeno: "Não há nenhuma discricionariedade" nos salários do BdP
- Centeno: Consultores ficam normalmente três meses no BdP
- Centeno: "Convocar a comissão de remunerações é tão natural como não convocar"
- Centeno: "Nunca percebi muito bem" pagamento pelo BdP do salário de secretário-geral
- Deputados vão para segunda ronda de perguntas. Mortágua fala em "prateleira dourada"
- Salário superior ao de Montenegro? "Eu é mais bolos", responde Centeno
Após a polémica com o vencimento do agora consultor Hélder Rosalino, Mário Centeno foi chamado ao Parlamento para explicar aos deputados a política de salários do Banco de Portugal (BdP). O governador tem audição marcada para as 11:00 desta terça-feira, 21 de janeiro.
Os salários de topo no BdP - que tal como o Negócios escreveu estão abaixo da média do Euro - serão um dos temas em cima da mesa, tal como o mandato do governador e a sua independência no cargo.
A polémica em torno do caso de Hélder Rosalino será o tema-chave da audição de Centeno. A audição decorre de um requerimento do Chega, aprovado por unanimidade, onde se aponta, sem referir nomes, o caso recentemente vindo a público de um dos quadros do Banco de Portugal "a exercer funções de consultor do Conselho de Administração, e a auferir uma remuneração de cerca de 15 mil euros", numa referência a Rosalino que passou a consultor do supervisor com um vencimento dessa dimensão.
O ex-secretário de Estado da Administração Pública foi o nome escolhido pelo Governo para liderar a nova secretaria-geral, mas acabou por rejeitar assumir o cargo depois da polémica com o salário que o Banco de Portugal se recusou a assegurar. Vai liderar a Valora, empresa detida na íntegra pelo BdP que se dedica à impressão de notas.
Os deputados vão querer saber também quantos consultores trabalham para o BdP, com que tarefas específicas e com que salários – depois de o Expresso ter noticiado que é prática comum os antigos administradores ficarem no banco central como consultores a receber o salário da posição anterior.
Outro tema em cima da mesa será o facto de a Comissão de Vencimentos do BdP não reunir há mais de dez anos. Presidida pelo ministro das Finanças, é ela a responsável por definir as remunerações no banco central. O atual titular da pasta, Joaquim Miranda Sarmento, considerou "estranho" a falta de encontros e disse que vai convocar nova reunião, que ainda não tem data.

A audição começou pelas 11:10, com o deputado Rui Afonso, do Chega, a arrancar com as questões. Quantos consultores existem? Porque existem estes cargos? O que fazem estes trabalhadores "de relevante para auferirem tal salários", na ordem de 15 mil euros? Qual é o procedimento interno de recrutamento para estas posições.
Na resposta, Mário Centeno começou por referir as carreiras técnicas no BdP estão acordadas por acordo coletivo de trabalho e acordo de empresa, e seguem as características comuns do setor bancário, "com destaque para as atualizações salariais", que decorrem de negociação coletiva do setor bancário.
Depois, o governador lembra que há duas carreiras - a técnica e a de direção - e que ambas cobrem 95% dos trabalhadores do BdP. Nesse sentido, "o consultor não é uma carreira".
"É uma função a que apenas tem acesso quem está na carreira de direção", acrescentou.
Nesse sentido, de momento existem seis consultores - que correspondem a 0,35% da força de trabalho total do BdP (de momento cerca de 1.700 trabalhadores), frisou o governador.
"Na última década e meia o máximo de consultores foi de 13 em 2014 e o mínimo foram dois em 2022", acrescentou.
O governador do Banco de Portugal (BdP) continua na sua resposta. E assegura: "Não há nenhum salário fora da tabela e não há nenhuma discricionariedade do Banco de Portugal".
Sobre os consultores no BdP, Mário Centeno admite que é uma função "acessível apenas a trabalhadores da carreira de diretor", segundo "regras internas do banco, muito restritas". E acrescenta que tiveram acesso a esta função trabalhadores do banco "que assumiram posição de grande relevo na vida portuguesa", tanto no BdP como no serviço público.
E deu três exemplos de ex-consultores: Cavaco Silva, Vítor Gaspar e Vítor Constâncio.
O ex-ministro das Finanças precisou ainda que a "grelha salarial é pública" e é "atualizada em resultado das negociações coletivas do setor bancário".
Depois de o presidente da Comissão parlamentar de Orçamento e Finanças ter dado tempo extra para que Centeno esclarecesse as questões colocadas pelo Chega, os deputados vão colocar todas as suas perguntas - e o governador vai responder no final.

Mário Centeno defende ainda que "tem havido um rigor extremo" na gestão salarial do BdP. O governador apontou que os custos com salários do banco central caiu em termos reais 12,1% desde 2020 e que o número de trabalhadores diminuiu 0,7%.
Na generalidade do banco central, o governador aponta que a "força de trabalho é qualificadíssima" - 92% dos trabalhadores são licenciados e 5% têm doutoramento - sendo que quase metade do departamento de estudos económicos é doutorada.
Sobre os consultores, precisou que "não há concurso" e que esses trabalhadores estão normalmente no cargo cerca de três meses - embora existam casos que se prolonguem mais no tempo.

Depois de os deputados apresentarem as suas questões, o governador responde agora a outros temas, nomeadamente o facto de a comissão de vencimentos do Banco de Portugal (BdP), que decide sobre a remuneração do conselho de administração e do governador, não reunir há mais de dez anos.
"Podem aproveitar que está aqui um ex-ministro para perguntar porque não quis reunir. Provavelmente todos dirão a mesma coisa: não houve nada, no meu caso, determinante, nos quase cinco anos que tive como ministro, que justificasse a reunião", afirmou Mário Centeno. Recorde-se que a comissão de vencimentos é presidida e convocada pelo ministro das Finanças.
"É tão natural convocá-la como não convocá-la. Depende das razões subjacentes. Cada um dirá", acrescentou.
Confrontado ainda sobre o facto de o salário do governador do BdP ser superior ao do Presidente da República, Mário Centeno chutou para o legislador. "Cabe a cada Governo legislar como entender", disse. E lembrou que, em 2016 e 2017, o PSD opôs-se às alterações que o Ministério das Finanças, liderado na altura por Centeno, apresentou para "libertar a Caixa Geral de Depósitos das amarras totalmente ineficientes em termos salariais".
"Não teriamos hoje os resultados da CGD que temos se essas medidas não tivessem sido adotadas", disse.
Na sua longa resposta, Centeno explica ainda porque é que o Banco de Portugal (BdP) optou por divulgar um comunicado sobre a oposição em financiar o vencimento de Hélder Rosalino como Secretário-geral do Governo.
"Fonte não identificada indicava que o BdP teria sido confrontado com a questão de financiar o vencimento de secretário-geral Hélder Rosalino, mas isso representava uma violação da lei", afirmou, justificando, assim, a necessidade em desmentir a notícia. A questão foi trazida pelos deputados do PSD.
Mário Centeno confessou que "nunca percebeu muito bem" a questão, considerando que sempre foi um "não assunto" e que o pagamento pelo BdP "nunca se colocaria". E disse: "houve conversas posteriores entre mim e o doutor Hélder Rosalino - e esse era também o seu entendimento".
Após quase uma hora e meia de audição, os deputados entram numa segunda ronda de perguntas.
O PSD insiste na posição do Banco de Portugal sobre o pagamento do salário do secretário-geral do Governo e, por outro lado, o deputado social-democrata Marco Claudino quer saber se Mário Centeno concorda que o governador ganhe quase três vezes mais do que o primeiro-ministro.
O PS cita o artigo que o Jornal de Negócios publica hoje, que mostra que os salários de topo no Banco de Portugal estão abaixo da média da Zona Euro. E atira-se às crítica dos sociais-democratas.
Chega e Iniciativa Liberal insistem em várias questões, querendo saber exatamente as funções dos consultores do Conselho de Administração e os custos
Já o Bloco de Esquerda resumiu a questão em causa, pedindo ao governador que confirme a sua interpretação: "A função de consultor é uma prateleira dourada para antigos quadros antes de chegarem à reforma", disse Mariana Mortágua.
"Existe para diretores que saíram para funções de relevo e quando terminam essas funções não têm o lugar de origem, e portanto é-lhes oferecido um lugar para que não desçam de remuneração", acrescentou a deputada bloquista.
Mário Centeno dá as últimas respostas aos deputados. Sobre o facto de o seu salário como governador ser superior ao do primeiro-ministro, ironiza: "Eu é mais bolos", afirma, citando um 'sketch' do humorista Herman José.
"A decisão sobre os vencimentos do Estado em cada uma das funções é uma decisão legislativa. Só depende da Assembleia da República", lembrou, atirando para os deputados do PSD: "O que não me parece normal é que se tome uma decisão e depois se diga que é o BdP que paga".
Depois, defendeu: "as funções de regulador por esse mundo fora têm um peso e [as remunerações] devem ser compatíveis com a responsabilidade e com o perfil que nós queremos".
"Falar de salarios é sempre muito sensível. Mas cito aquele sketch [da personagem] do José Severino: 'Eu é mais bolos'", afirmou Mário Centeno. "Quando preenchemos um lugar devemos ter as exigências, as competências e o salário [correspondentes]. É importante ter esse debate", defendeu.
Sobre o pagamento pelo BdP de salários fora da instituição, o governador insistiu que não é possível e defendeu que "é perigoso fazê-lo". Indicou que há atualmente 93 trabalhadores do banco central a prestar outras funções, em mobilidade, numa entidade externa e que desde 2013 não há pagamento de salários pelo banco central nessa situação.
Centeno ainda voltou a ser interrogado pelo Chega e pelo PSD, nomeadamente quanto ao valor anual que se gasta com consultores e relativamente à comparação com o seu salário e o de cargos políticos, mas, embora tenha respondido, não deu mais informação relevante.
A audição do governador do BdP terminou pelas 13:00.
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