Manutenção externa e rutura no conhecimento são fatores indiretos do acidente com elevador, diz sindicato
O atual dirigente nacional do Strup, Manuel Leal, salienta a "rutura na transmissão do conhecimento dos trabalhadores mais antigos para os trabalhadores mais novos" como o fator mais gravoso da externalização dos serviços de manutenção.

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O Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (Strup) aponta a externalização dos serviços de manutenção e a subsequente rutura na passagem de conhecimento como fatores indiretos para o mortal acidente no elevador da Glória.
Eletricista de autocarros da Carris e já na altura sindicalista, o atual dirigente nacional do Strup, Manuel Leal, salienta a "rutura na transmissão do conhecimento dos trabalhadores mais antigos para os trabalhadores mais novos" como o fator mais gravoso da externalização dos serviços de manutenção, considerando que, por isso, esta "deve configurar os trabalhos" do inquérito ao acidente no Ascensor da Glória, registado na quarta-feira, que fez 16 mortos e vários feridos.
Isto porque, se "a excelência do trabalho dos trabalhadores oficinais da Carris não oferece problemas" na reparação de autocarros e elétricos, "dadas as inovações tecnológicas que estes veículos têm e as facilidades de formação profissional", o mesmo não acontece com a frota de elevadores e ascensores, que "assume um caráter completamente diferente", distingue.
Trata-se de "veículos com mais de 100 anos", para os quais "não existe material de substituição no mercado", nota o técnico, recordando que anteriormente "todo o material era construído nas próprias oficinas da Carris".
Neste contexto, a "transmissão do conhecimento oral dos trabalhadores mais antigos para os trabalhadores mais novos assume uma relevância enorme", sustenta, vincando que a comissão de inquérito deve apurar "as responsabilidades de quem há 20 anos decidiu por esta rutura" e se esta "não estará também entre os fatores indiretos" do acidente da semana passada no Ascensor da Glória.
Além disso, acrescenta, se os serviços de manutenção fossem garantidos pelos trabalhadores da Carris, "a empresa não estaria sujeita à variação do fim dos contratos e dos processos de contratação".
Antes de tomar a decisão de externalizar os serviços de manutenção -- incluindo os relativos aos ascensores de Bica, Glória e Lavra e ao elevador de Santa Justa, em Lisboa --, "não houve qualquer tipo de negociação com as organizações sindicais" da parte da administração da Carris, recorda o também dirigente nacional da Fectrans (Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações), classificando o processo como "tentativa de destruição do setor oficinal" da empresa.
"Aquilo que houve foi imposição, no sentido de encostar os trabalhadores à parede para que procedessem à rescisão dos seus contratos de trabalho", assinala, contabilizando a saída de mais de 300 técnicos oficinais em 2006/2007.
Manuel Leal lembra que a administração da empresa comunicou que se iniciaria a migração, em janeiro de 2007, para uma empresa com capitais detidos pela Carris, a CarrisBus, fundada em 2005.
Alguns dos trabalhadores aceitaram a migração, "com perda dos direitos consagrados no acordo de empresa", recorda, acrescentando que, "paralelamente, seguiu-se um processo de contratação de trabalhadores exteriores, sem quaisquer dos direitos também consagrados no acordo de empresa e unicamente com os salários estabelecidos".
Para recuperar o enquadramento da decisão de externalizar a manutenção dos serviços, que o Strup atribui exclusivamente à administração da Carris, não tendo indicação de ordem política, a Lusa contactou o presidente da empresa à altura, o economista José Silva Rodrigues, que liderou o conselho de administração entre 2003 e 2013, mas este não quis prestar declarações.
Consultado o Relatório e Contas de 2007, pode ler-se que a Carris prosseguiu com "o desenvolvimento da orientação estratégica de externalização da manutenção, visando maior eficácia e eficiência refletidas na fiabilidade da frota e na redução dos custos operacionais relacionados com a manutenção dos veículos".
Na auditoria realizada à empresa em 2009, o Tribunal de Contas cita custos operacionais de 158,2 milhões de euros em 2007, uma diminuição em mais de dez milhões em relação a 2006, ao mesmo tempo que assinala o aumento dos custos com fornecimentos e serviços externos, em 4,2 milhões de euros, "derivados da decisão de externalizar as operações de manutenção".
Em 2007, a Carris não divulgou o prejuízo global do ano, mas apenas do primeiro semestre: 41,6 milhões de euros, menos 10,3 milhões se comparado com o mesmo período do ano anterior.
No ano seguinte, a Carris registou um prejuízo de 17,3 milhões de euros, uma redução de 22 milhões de euros face a 2007, acompanhada de resultados operacionais positivos de 2,2 milhões de euros.
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