Apagão: REN demorou dois minutos a pedir "black start" para Castelo de Bode
O mesmo pedido de arranque autónomo para a central a gás da Tapada do Outeiro, a 28 de abril, demorou 10 minutos, revela o mais recente relatório da ENTSO-E.
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De acordo com as mais recentes conclusões da investigação que está a ser levada a cabo pelo grupo de peritos da Rede Europeia de Operadores de Redes de Transporte de Eletricidade (ENTSO-E) - dadas a conhecer esta segunda-feira pela Entidade Reguladora dos Seviços Energéticos (ERSE) -, no dia do apagão a REN demorou dois minutos a pedir à EDP o arranque em modo "black start" para a central hidroelétrica de Castelo de Bode, o que aconteceu logo às 11h35, 120 segundos depois do colapso da rede elétrica que deixou a Península Ibérica às escuras (pelas 11h33). Às 11h43, a REN fez o mesmo pedido para a central elétrica de ciclo combinado a gás da Tapada do Outeiro.
Segundo as mais recentes conclusões da ENTSO-E, o reinício do sistema elétrico foi facilitado precisamente pelos processos de "black start"(arranque autónomo) em algumas centrais nos dois países, bem como pelas interligações existentes com França e Marrocos. Às 11h45 de 28 de abril a barragem de Castelo do Bode foi ligada ao barramento de 220 kV da subestação vizinha da REN. Nesse mesmo dia, pelas 15h11 e 16h26, respetivamente, a REN já tinha conseguido estabelecer duas "ilhas de recuperação do sistema" a partir da barragem e da central da Tapada do Outeiro. Às 23h22 ficava então concluído em Portugal o processo de restauração da rede de transporte
Dois meses depois, o painel de peritos da ENTSO-E já se reuniu até agora três vezes (a última vez a 23 de junho) e recebeu dados de 32 entidades. O primeiro relatório factual deste painel de peritos deverá ser entregue até 28 de outubro, mas está previsto que isso aconteça antes de terminar o prazo legal. Depois disso, demorará ainda mais dois a três meses para o relatório final, que será publicado e apresentado à Comissão Europeia e aos Estados-Membros através do Grupo de Coordenação da Eletricidade.
De acordo com os dados recolhidos pela ENTSO-E até ao momento, "o apagão resultou de uma sequência complexa de eventos", tendo sido apurado que "ocorreram variações significativas de tensão e de frequência e que, imediatamente antes do incidente, ocorreram disparos iniciais de produção, tendo a tensão atingido valores que excediam os limites operacionais em grande parte da rede de transporte espanhola, que acabaram por levar ao apagão".
Na mais recente cronologia da ENTSOE-E sobre os eventos que levaram ao apagão, destaque para a meia hora antes do evento, durante a qual se verificaram dois períodos principais de oscilações (oscilações de potência e frequência) na Área Síncrona da Europa Continental. A primeira ocorreu entre 11h03 e as 11h07, tratando-se de uma "oscilação local forçada (ou seja, induzida por uma fonte externa)", que afetou principalmente os sistemas elétricos espanhol e português. A segunda oscilação ocorreu entre 11h19 e as 11h22, tendo sido uma oscilação inter-área.
"Essa segunda oscilação foi efetivamente mitigada por meio de medidas de compensação, que reduziram os fluxos de energia entre França e Espanha, também com o acoplamento das linhas elétricas internas no sul de Espanha", refere a ERSE. Nesse momento, as trocas internacionais programadas em Espanha – todas na direção da exportação – eram de 1.000 MW para França, 2.000 MW para Portugal e 800 MW para Marrocos.
Às 11h33, e em menos de um minuto, foram observados desligamentos de produção nas regiões de Granada, Badajoz e Sevilha, de cerca de 2.200 MW, o que levou a um aumento drástico da tensão na rede e a uma diminuição da frequência. "A sobretensão desencadeou perdas de produção em cascata, o que causou a queda da frequência do sistema elétrico espanhol e português", explica o relatório. Depois disso, os sistemas de energia de Espanha e de Portugal começaram a perder sincronia com o sistema europeu. Os planos de deslastre automático e de defesa do sistema foram ativados, mas não conseguiram evitar o colapso do sistema elétrico ibérico. "Todos os parâmetros do sistema elétrico espanhol e português entraram em colapso, e a interligação entre França e Espanha parou de transportar energia.
Portugal promete plano nacional de armazenamento de energia para julho
Em Espanha, o Governo de Madrid, a Red Eléctrica e Aelec já apresentaram os respetivos estudos sobre o apagão, nos quais trocam culpas entre si. Em Portugal, REN e E-Redes também já apresentaram os seus relatórios à ERSE, mas as conclusões dos mesmos não foram divulgadas.
Do lado do Governo, a ministra do Ambiente e Energia disse esta segunda-feira que o Governo vai apresentar um conjunto de medidas face ao apagão na rede elétrica de 28 de abril. "Estamos a preparar um conjunto de medidas para apresentar dia 28 de julho, embora ainda não tenhamos o relatório final com as causas do apagão”, disse Maria da Graça Carvalho à margem de uma visita às obras de proteção do Baixo Vouga Lagunar, no âmbito do Congresso da Região de Aveiro, citada pela agência Lusa.
A ministra indicou que o Governo pretende ver aumentada a capacidade de armazenamento de eletricidade, estando por isso a trabalhar num “plano nacional de armazenamento”, que, adiantou, tanto pode compreender o armazenamento químico, através de baterias, como hídrico, através da capacidade das barragens. Outra das medidas a apresentar consiste na alteração aos sistemas de controle da rede elétrica, com uma maior informatização e utilização dos dados, passando a haver “um sistema único de recolha de dados”.
Na semana passada, a ministra já tinha dito que o Governo planeia apresentar no final de julho um pacote de medidas para reforçar a segurança do sistema elétrico nacional, na sequência do apagão. O objetivo é “atuar já” com base nas primeiras conclusões técnicas e preparar o país para evitar ou minimizar impactos futuros, disse Graça Carvalho.
“As conclusões finais do relatório independente ainda não estão disponíveis, mas já existem recomendações técnicas suficientes para começarmos a agir. E é isso que vamos fazer”, afirmou a ministra após uma reunião em Bruxelas com a Agência Europeia dos Reguladores da Energia (ACER), que está a conduzir a auditoria europeia ao incidente.
Entre as ações previstas estão o reforço do armazenamento de energia, o aumento da capacidade de resposta de emergência do sistema (‘black start’) — com a duplicação para 4 do número de centrais preparadas para reiniciar autonomamente a rede elétrica —, e medidas para acelerar o licenciamento de comunidades de energia e projetos de autoconsumo.
Também estão a ser estudadas soluções para melhorar a resiliência de infraestruturas críticas, como centros de saúde ou sistemas de comunicações, através da instalação de sistemas de produção renovável com baterias. “Temos de preparar melhor a sociedade para reagir a este tipo de situações”, referiu a governante. O pacote incluirá ainda propostas legislativas para facilitar a implementação destas soluções, assim como o reforço do controlo de tensão nas centrais renováveis, em linha com o que foi recentemente adotado em Espanha.
Questionada sobre eventuais pedidos de indemnização a Espanha, a ministra afirmou que esse não é o foco atual do Governo. “Queremos, acima de tudo, entender profundamente o que aconteceu, identificar as causas reais e tomar medidas para evitar que se repita”, sublinhou.
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