Há um potencial a explorar no mar
As Zona Económica Exclusiva e Plataforma Continental nacionais, dadas as suas extensões, têm um potencial considerável em termos de exploração de recursos genéticos revela Paula Sarmento, presidente do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade
Paula Sarmento, Presidente do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade
É inquestionável o interesse das indústrias farmacêutica, cosmética, alimentar, biotecnológica na exploração de recursos genéticos, em particular os marinhos, pois alguns produtos que comercializam incluem-nos na sua composição. Paula Sarmento considera que a diversidade biológica marinha deve ser explorada, apesar dos custos de bioprospeção no mar serem significativamente superiores aos terrestres. Os ganhos económicos em perspectiva serão positivos para o país.
Quais têm sido os principais efeitos negativos da actividade humana na biodiversidade do planeta?As actividades humanas, quando promovidas de modo não sustentável, contribuem para a ruptura e empobrecimento dos serviços prestados pelos ecossistemas, com consequências sobejamente identificáveis e por vezes devastadoras. São os casos da depleção de stocks de recursos naturais, aumento da vulnerabilidade a catástrofes naturais, pragas sanitárias e fitossanitárias e empobrecimento paisagístico.
Em termos globais, o que é que tem sido feito para os minorar ou suprimir?A biodiversidade e os serviços ecossistémicos devem ser devidamente valorizados e tomados em conta pelas entidades públicas e empresas. É preciso ser promovida a utilização de instrumentos financeiros e de mercado inovadores e explorado o seu potencial, incluindo a possível criação de um mecanismo de financiamento da biodiversidade e de pagamento por serviços ecossistémicos, a fim de responder aos desafios relativos aos ecossistemas e à biodiversidade ao nível nacional, da União Europeia (UE) e internacional.
Estima-se que, até 2050, as oportunidades empresariais mundiais dependentes da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas subjacentes poderão atingir valores muito elevados. No entanto, o valor da biodiversidade só recentemente integra o processo de tomada de decisões, o que é determinante para a sua preservação.
Portugal é considerado um dos países mais ricos da Europa em termos de biodiversidade. O que é tem de diferente neste campo?A localização geográfica e as características geofísicas, de solo e clima do território português foram modeladas pela intervenção humana com intensidade variável conforme as épocas. Isso deu origem a uma grande variedade de biótopos, ecossistemas e paisagens, mais ou menos humanizados, e à existência de um elevado número de habitats que albergam uma grande diversidade de espécies com os seus múltiplos genótipos.
Portugal possui ainda uma linha de costa extensa, razoavelmente conservada e com níveis de poluição relativamente reduzidos. Por isso merece especial referência a riqueza dos seus ecossistemas costeiros e marinhos. Neste contexto, as Zona Económica Exclusiva e Plataforma Continental nacionais, dadas as suas extensões, têm um potencial considerável em termos de exploração de recursos genéticos.
Quais são as nossas principais jóias de biodiversidade?Portugal apresenta uma elevada riqueza e diversidade de espécies e habitats, bem como uma grande heterogeneidade em termos da sua paisagem e território. Destaca-se a faixa litoral terrestre e marinha, em particular os estuários, rias e as lagoas costeiras de dimensão e importância mundial, seja em termos da sua área absoluta, seja pela sua produtividade em termos dos serviços fornecidos para a pesca, aquicultura, turismo e actividades marítimo-portuárias.
Os oceanos e o meio marinho da nossa ZEE são importantes pela diversidade dos seus ecossistemas, e pelo nosso interesse económico na área das pescas e da biotecnologia associada a exploração sustentável dos recursos genéticos.
Também os nossos ecossistemas florestais, sobretudo os carvalhais e, em particular, os montados de sobro e azinho, se podem considerar "jóias de biodiversidade" devido à sua multifuncionalidade e relevância económica, e pelas actividades agro-silvo-pastoris e de caça. Por último quero referir as nossas Áreas Protegidas, cada uma delas devido aos seus aspectos característicos.
Quais são os principais riscos actuais de deterioração da biodiversidade nacional?Citaria a sobre-exploração de recursos, a destruição e fragmentação de habitats, em particular os fluviais e costeiros, a pressão urbanística e a introdução/propagação de espécies exóticas invasoras.
O que é que está actualmente a ser feito para os atenuar ou superar?A actuação nacional nesta área está enquadrada pelas políticas comunitárias e fortemente condicionada pelo quadro económico e financeiro actual.
A revisão das Políticas Comuns de Pesca e da Agricultura constituem oportunidades para garantir a capacidade do país para investir no capital natural e na manutenção e recuperação dos serviços dos ecossistemas, enquanto factores de diversificação e inovação dos mercados, da sua valorização e da criação de emprego. De fato, uma parte relevante da biodiversidade terrestre e marinha do país depende directamente da política agrícola, das pescas e do esforço de coesão estrutural que decorrerá do próximo período financeiro comunitário.
A avaliação de impactes ambientais dos planos e projectos tem um papel fundamental na minimização destes riscos. Este exercício não se esgota na fase de projecto, devendo ser assegurada a monitorização na fase de exploração e consequentemente a eventual revisão das medidas programadas.
No caso do ordenamento do território, os instrumentos de gestão territorial são relevantes. Destacam-se, no caso da orla costeira, a implementação dos planos de ordenamento, incluindo a avaliação da capacidade de carga das zonas litorais.
É também relevante a implementação de projectos de controlo de espécies exóticas invasoras, com base em estudos da sua ecologia.
Tem-se dado mais atenção aos problemas da biodiversidade terrestre em relação ao que se passa na água, em particular nos oceanos?É verdade que a acção do ICNB tem incidido principalmente sobre a biodiversidade terrestre. No entanto estão a ser dados os primeiros passos para a adopção de medidas para a protecção dos ecossistemas marinhos, sobretudo através da implementação da Estratégia Nacional para o Mar. As ameaças à biodiversidade marinha, na sua essência, são idênticas às relativas à biodiversidade terrestre. Comprometem o fornecimento de bens e serviços que a biodiversidade marinha nos oferece.
Por isso, a biodiversidade marinha nacional deve ser alvo de monitorização periódica, sendo necessária a definição de indicadores relevantes e adequados que permitam aferir se os Planos/Programas setoriais adotados geraram ou não benefícios.
A aposta de Portugal na extensão da sua plataforma continental poderá determinar alguns avanços no estudo da biodiversidade marinha?Sem dúvida. No âmbito da proposta de extensão da plataforma continental, foi criado o Programa Marine Biodiversity Information System (M@rBIS), através de um protocolo entre o ICNB, a quem compete recomendar os requisitos técnicos e científicos, a Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar (EMAM), que coordena o projecto, e a Galp Energia, que o patrocina no âmbito da iniciativa Business & Biodiversity.
O M@rBIS destina-se a criar um sistema de informação sobre a biodiversidade marinha que permitirá, a Portugal, dispor de um inventário e cartografia dos valores marinhos, identificando as espécies e os locais com maior importância para a sua conservação. O sistema será usado para apoio à decisão, nomeadamente no âmbito da identificação e delimitação de eventuais locais da rede Natura 2000 no meio marinho nacional, constituindo-se num poderoso instrumento de investigação, desenvolvimento e conservação ambiental.
De que forma é que as descobertas que forem feitas podem ser aproveitadas como acréscimo de riqueza económica e natural portuguesa?O potencial do mar português foi recentemente bem descrito pelo secretário de Estado do Mar, Manuel Abreu.
Citaria como exemplo do potencial da biodiversidade marinha nacional, o fato dos recursos genéticos marinhos terem demonstrado ser fonte de agentes biológicos ativos, muitos de novas classes de químicos, designadamente como agentes quimioterapêuticos. É inquestionável o interesse das indústrias farmacêutica, cosmética, alimentar, biotecnológica na exploração de recursos genéticos em geral e, cada vez mais dos marinhos, pois alguns produtos que comercializam incluem-nos na sua composição.
Apesar dos custos envolvidos na bioprospeção marinha serem consideravelmente superiores aos inerentes à bioprospeção terrestre, creio que os recursos genéticos marinhos têm grande potencial em termos de geração de benefícios económicos, e não só, para o país.
Perfil
A engenheira que cuida do ambienteA actual presidente do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), Paula Sarmento, 49 anos, é engenharia do Ambiente pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e mestre em Geo-Recursos, pelo Instituto Superior Técnico. Foi técnica superior na Comissão de Coordenação Regional da Região de Lisboa e Vale do Tejo (DRARN), trabalhou na Emporsil - Empresa Portuguesa de Silvicultura e na Somincor- Sociedade Mineira de Neves Corvo, entre outros. Antes de assumir o cargo actual, era presidente da Administração da Região Hidrográfica do Alentejo e quadro da EDIA, empresa que gere o empreendimento do Alqueva.
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