Estaleiros da Figueira da Foz abandonados por Timor-Leste recebem deputados do dono

No espaço de uma semana, os estaleiros navais da AtlanticEagle Shipbuilding recebem a visita de duas comissões do Parlamento de Timor-Leste, Estado que detém 95% do capital da empresa, onde já investiu 12 milhões de euros mas que deixou à sua sorte há mais de ano e meio.
Haksolok, navio encomendado por Timor-Leste aos seus estaleiros navais na Figueira a Foz.
D.R.
Rui Neves 29 de Julho de 2025 às 16:00

“O impacto da notícia do Negócios foi notório e, associado à visita da Comissão C – Finanças Públicas do Parlamento Nacional de Timor-Leste [realizada na passada sexta-feira],  que correu bastante bem, já teve os seus resultados. Fomos contactados pela embaixada timorense, que nos solicitou a visita de mais uma Comissão (E – Infraestruturas – com responsabilidade direta sobre o Haksolok), que se encontra neste momento em Lisboa e que não tinha intenção (inicial) de visitar os estaleiros. A visita ocorrerá na próxima sexta-feira, 1 de agosto, pelas 10h30.”

Esta foi a mensagem enviada ao Negócios por Bruno Costa, sócio-gerente da AtlanticEagle Shipbuilding (AES), quatro dias depois de o Negócios ter publicado um trabalho sobre a situação da empresa, intitulado “Timor-Leste é dono dos estaleiros navais da Figueira da Foz: ‘Deixou-nos ao abandono’”.

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Foi em 2022, na sequência de um Processo Especial de Revitalização (PER) onde surgia como credora maioritária da AES, tendo a haver 16 milhões de euros, que o Estado timorense decidiu tornar-se investidor de longo prazo nestes estaleiros navais, tendo tomado 95% do capital da concessionária, com Bruno Costa a ficar com os restantes 5% e a assumir a sua gerência, na companhia de Duarte Sousa, em representação do sócio maioritário.

Em sede de PER, Timor-Leste perdoou os seus créditos de 16 milhões de euros, que tinha pago à AES para que construísse um “ferry” chamado Haksolok (significa felicidade em tétum) - com a empresa a assumir a conclusão da embarcação encomendada em 2014 -, comprometendo-se  a injetar 20 milhões para a revitalização dos estaleiros.

Timor-Leste abandona estaleiros após injeção de 12 milhões de euros

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Após cinco anos parada, quando apresentava já uma taxa de execução da ordem dos 70%, a construção do “ferry” é retomada nos finais de 2022, mas os trabalhos voltaram a parar pouco mais de um ano depois, quando o Haksolok estava já 85% feito.

“Estava tudo a correr muito bem com a injeção do dinheiro por parte de Timor-Leste, os trabalhos aqui a correrem lindamente, incluindo o cumprimento do contrato relativo ao Haksolok, até que desde finais de 2023 que deixamos de conseguir falar com o sócio maioritário”, contou o sócio minoritário da AES ao Negócios, na passada sexta-feira.

“Até essa altura tinha injetado cerca de 12 dos 20 milhões previstos, mas deixou de enviar dinheiro desde então, pelo que decidimos parar os trabalhos de construção do Haksolok  em março do ano passado”, revelou Bruno Costa, que disse não conseguir compreender a postura do dono da empresa.

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“É o próprio sócio maioritário que está a prejudicar o estaleiro, deixando-o ao abandono. Ou seja, está a prejudicar-se a si próprio, quando deveria ter todo o interesse em que isto corresse bem, o que é algo incompreensível”, insurgiu-se.

Na perspetiva de Costa, “esta falta de comunicação” de Timor-Leste “poderia ter já levado os estaleiros novamente ao fundo”.

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“Felizmente, temos conseguido arranjar muito trabalho. Estamos a aguentar isto sozinhos, pelos nossos meios, com os trabalhos que estamos a angariar”, enfatizou, elencando que o estaleiro tem atualmente em mãos a reparação de três navios, um dos quais da Teixeira Duarte, e um contrato de 2,4 milhões de euros para a modernização da embarcação de pesca do cerca “Atleta”, encomendada por um dos maiores armadores de pesca tradicional em Portugal.

Com um efetivo da ordem dos 60 trabalhadores, entre os quais alguns timorenses, a que acresce perto de 200 indiretos, a AES prevê duplicar em 2025 a faturação de 1,5 milhões de euros registada no ano passado, estimando “obter lucros pela primeira vez nos últimos 10 anos”.

Mudez timorense afunda 66 milhões

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Entretanto, a AES tem o seu crescimento travado devido à mudez do dono.

“Este abandono por parte do sócio maioritário está não só a prejudicar a conclusão do ‘ferry’ e dos pontões, mas também a assinatura de novos contratos”, relatou o sócio-gerente, afiançando que a empresa teve “um contrato em cima da mesa para construir um navio cruzeiro para o rio Douro, encomendado por um dos gigantes mundiais do setor, no valor de 22 milhões de euros, mas que esbarrou na questão das garantias bancárias”.

A AES “não tem segurança financeira para firmar um contrato desta dimensão, que exige uma garantia bancária de quatro ou cinco milhões de euros”, observou, lamentando que “toda esta instabilidade em torno do sócio maioritário, que é totalmente absurda”, esteja a fazer perder novos contratos, sendo que o cliente em causa estaria interessado em construir nos estaleiros da Figueira da Foz “três navios”, o que geraria receitas de 66 milhões de euros para a empresa.

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De resto, afiançou Bruno Costa, “se o sócio maioritário tivesse cumprido a sua parte, o ‘ferry’ e os pontões já teriam sido entregues a Timor-Leste”.

O Haksolok tem como destino fazer a ligação marítima entre o enclave de Oecusse, no oeste do país, a ilha de Ataúro e Díli, a capital de Timor-Leste, daí que a sócia maioritária da AES seja integralmente detida pela Região Administrativa Especial de Oe-Cusse Ambeno (RAEOA).

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A embarcação tem 73 metros de comprimentos e 12 de largura e capacidade para transportar 377 passageiros, 26 veículos ligeiros e até 5.500 quilos de carga.

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