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Timor-Leste é dono dos estaleiros navais da Figueira da Foz: “Deixou-nos ao abandono”

“Desde o final de 2023 que não conseguimos sequer falar com o sócio que detém 95% da empresa, o que poderia ter já levado os estaleiros novamente ao fundo. Felizmente, temos conseguido arranjar muito trabalho”, sustenta Bruno Costa, sócio-gerente da AtlanticEagle Shipbuilding.

25 de Julho de 2025 às 08:00

Fundados em 1944, os Estaleiros Navais do Mondego, que ainda hoje ostentam o título de maior construtor de embarcações (77) para a Marinha Portuguesa, viriam a ser concessionados em 2012 à AtlanticEagle Shipbuilding (AES), fundada por Carlos Costa, um profundo conhecedor do setor da construção e reparação naval.

Em maio de 2016, Carlos Costa morre, prematuramente, aos 59 anos, deixando o empresa órfã do seu principal “motor”. A AES entra numa depressão profunda, sem que os restantes sócios consigam levar os estaleiros da Figueira da Foz a bom porto.  E acaba mesmo por suspender a atividade no início de 2018, afogado em dívidas e sem liquidez, a que se juntou os estragos no estaleiro provocados pelo furação Leslie.

Após a intervenção de um conjunto de quadros da AES liderado por Bruno Costa, filho do fundador da empresa, a AES viria a aderir, em finais de 2019, ao Processo Especial de Revitalização (PER), onde o Estado de Timor-Leste surgia como o maior credor, tendo a haver cerca de 16 milhões de euros, valor que representava mais de 90% dos créditos reconhecidos.

Ou seja, o destino da dona da concessão dos estaleiros da Figueira da Foz estava nas mãos do governo da antiga colónia portuguesa, que decidiu salvar a AES através do perdão dos seus créditos, com a empresa a assumir a conclusão do navio que Timor-Leste lhe tinha encomendado.

Mais: Timor-Leste decide apostar na revitalização dos estaleiros, como investidor de longo prazo, comprometendo-se a injetar 20 milhões de euros na empresa, em sede de prestações suplementares, tendo tomado 95% do capital da AES, com Bruno Costa a ficar com os restantes 5% e a assumir a sua gerência, tendo como companhia Duarte Sousa, em reapresentação do sócio maioritário.

No início de 2022, os dois únicos sócios da AES iniciavam um processo de recuperação do estaleiro, tendo no final desse ano sido retomados os trabalhos de construção do Haksolok, “ferryboat” encomendado em 2014 por Timor-Leste que está, desde o início, encalhado numa polémica que não parece ter fim.

Há mais de ano e meio que Timor-Leste não fala nem injeta dinheiro

Torto desde o início, o processo de construção do ferry inicia-se com a decisão de Timor-Leste da comprar aos antigos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), por pouco mais de um milhão de euros, o projeto e os equipamentos do navio Anticiclone, que tal como aconteceu com o famigerado Atlântida, tinha sido rejeitado em 2009 pelos Açores.

“Acontece que o projeto era uma autêntica desgraça, algo horrível, e o pacote de equipamentos veio com falhas, sendo que alguns que estavam na lista nem chegaram cá”, relembra Bruno Costa ao Negócios.

“Foi o princípio das complicações”, observa, com o processo a ter de ser todo refeito, levando à realização de adendas ao contrato celebrado com Timor-Leste para a construção do Haksolok, para além de dois pontões de acostagem e passadiços, com o valor global a passar dos iniciais 13,3 milhões de euros para aproximadamente 20 milhões.

Entretanto, após cinco anos parada, quando apresentava já uma taxa de execução da ordem dos 70%, a construção do “ferry” é retomada nos finais de 2022, mas os trabalhos voltaram a parar pouco mais de um ano depois, quando o Haksolok estava já 85% feito.

“Estava tudo a correr muito bem com a injeção do dinheiro por parte de Timor-Leste, os trabalhos aqui a correrem lindamente, incluindo o cumprimento do contrato relativo ao Haksolok, até que desde finais de 2023 que deixamos de conseguir falar com o sócio maioritário”, conta o sócio minoritário da AES.

“Até essa altura tinha injetado cerca de 12 dos 20 milhões previstos, mas deixou de enviar dinheiro desde então, pelo que decidimos parar os trabalhos de construção do Haksolok  em março do ano passado”, revela Bruno Costa, que diz não conseguir compreender a postura do dono da empresa.

“É o próprio sócio maioritário que está a prejudicar o estaleiro, deixando-o ao abandono. Ou seja, está a prejudicar-se a si próprio, quando deveria ter todo o interesse em que isto corresse bem, o que é algo incompreensível”, insurge-se.

Na perspetiva de Costa, “esta falta de comunicação” de Timor-Leste “poderia ter já levado os estaleiros novamente ao fundo”.

Falta de comparência do sócio maioritário afunda 66 milhões

“Felizmente, temos conseguido arranjar muito trabalho. Estamos a aguentar isto sozinhos, pelos nossos meios, com os trabalhos que estamos a angariar”, enfatiza, elencando que o estaleiro tem atualmente em mãos a reparação de três navios, um dos quais da Teixeira Duarte, e um contrato de 2,4 milhões de euros para a modernização da embarcação de pesca do cerca “Atleta”, encomendada por um dos maiores armadores de pesca tradicional em Portugal.

Com um efetivo da ordem dos 60 trabalhadores, entre os quais alguns timorenses, a que acresce perto de 200 indiretos, a AES prevê duplicar em 2025 a faturação de 1,5 milhões de euros registada no ano passado, estimando “obter lucros pela primeira vez nos últimos 10 anos”.

Entretanto, a AES tem o seu crescimento travado devido à mudez do dono.

“Este abandono por parte do sócio maioritário está não só a prejudicar a conclusão do ‘ferry’ e dos pontões, mas também a assinatura de novos contratos”, relata o sócio-gerente, afiançando que a empresa teve “um contrato em cima da mesa para construir um navio cruzeiro para o rio Douro, encomendado por um dos gigantes mundiais do setor, no valor de 22 milhões de euros, mas que esbarrou na questão das garantias bancárias”.

A AES “não tem segurança financeira para firmar um contrato desta dimensão, que exige uma garantia bancária de quatro ou cinco milhões de euros”, observa, lamentando que “toda esta instabilidade em torno do sócio maioritário, que é totalmente absurda”, esteja a fazer perder novos contratos, sendo que o cliente em causa estaria interessado em construir nos estaleiros da Figueira da Foz “três navios”, o que geraria receitas de 66 milhões de euros para a empresa.

Parlamentares timorenses visitam estaleiros para ver Felicidade e o negócio

De resto, afiança Bruno Costa, “se o sócio maioritário tivesse cumprido a sua parte, o ‘ferry’ e os pontões já teriam sido entregues a Timor-Leste”.

O Haksolok tem como destino fazer a ligação marítima entre o enclave de Oecusse, no oeste do país, a ilha de Ataúro e Díli, a capital de Timor-Leste, daí que a sócia maioritária da AES seja integralmente detida pela Região Administrativa Especial de Oe-Cusse Ambeno (RAEOA).

A embarcação tem 73 metros de comprimentos e 12 de largura e capacidade para transportar 377 passageiros, 26 veículos ligeiros e até 5.500 quilos de carga.

Finalmente: esta sexta-feira, 25 de julho, os estaleiros navais da AES recebem a visita de uma delegação da Comissão de Finanças do Parlamento Nacional de Timor-Leste, que tem como objetivo acompanhar a evolução do processo de construção do Haksolok e do investimento timorense aqui efetuado.

“Com esta visita da Comissão Parlamentar há uma esperança muito grande da nossa parte de que seja o princípio do desbloqueio desta situação, de forma a retomar-se e concluir-se os investimentos previstos, a entrega do ‘ferry’ e dos pontões, e, obviamente, o potenciar do negócio, que sentimos que está a crescer muito na área da construção e reparação naval, pelo que seria de todo o interesse para o sócio maioritário que isto corra bem”, remata Bruno Costa.

Haksolok significa felicidade em tétum.

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