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Era uma vez, num país tropical

Localizado à mesma latitude das Caraíbas, mas longe de furacões, o arquipélago de Cabo Verde tem vindo a conquistar cada vez mais turistas, encorajados pelo curto tempo de viagem e pelo clima propício a umas férias merecidas. Em resultado desse...

11 de Fevereiro de 2010 às 14:31
Cabo Verde é um destino atraente para fazer negócios. Mas os impostos colocam problemas.
Localizado à mesma latitude das Caraíbas, mas longe de furacões, o arquipélago de Cabo Verde tem vindo a conquistar cada vez mais turistas, encorajados pelo curto tempo de viagem e pelo clima propício a umas férias merecidas. Em resultado desse desenvolvimento turístico massivo, o país tem vindo a registar um aumento significativo das suas infra-estruturas e do leque de serviços oferecidos, tendo-se tornado na última década bastante atractivo ao investimento estrangeiro.

Tem-se assistido a um aumento substancial das transacções efectuadas com entidades residentes em Cabo Verde, a nível dos sectores da construção, engenharia, consultoria, transportes, etc. E tudo corre bem. Até que chega o momento de receber e aí começam os problemas.

De acordo com a interpretação da lei interna, efectuada pela Administração Fiscal de Cabo Verde (AFCV), todo e qualquer rendimento obtido naquele território por entidades não-residentes, encontra-se sujeito a retenção na fonte, á taxa de 20%. Significa isto que, se uma determinada empresa portuguesa prestar um serviço em Cabo Verde, o mais provável é receber apenas 80 do montante de 100 inicialmente acordado. Ora, aquele entendimento estaria absolutamente correcto, não fosse não estar. Conforme se passa a explicar.

De facto, anualmente, a Lei do Orçamento do Estado em Cabo Verde fixa em 20% a taxa de retenção na fonte a aplicar aos rendimentos obtidos por entidades não-residentes em Cabo Verde, que sejam provenientes desse território. Acontece que o Regulamento do Imposto Único sobre o Rendimento (o equivalente ao nosso Código do IRC), que lista os rendimentos sujeitos a tributação em Cabo Verde, ainda que auferidos por não-residentes, nada refere sobre rendimentos provenientes de prestações de serviços. Logo, não existe uma regra de sujeição interna.

Acresce ainda que, relativamente aos fornecedores portugueses que não disponham de qualquer representação em Cabo Verde, os mesmos poderão ainda recorrer à Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT), celebrada entre Portugal e Cabo Verde, nos termos da qual, os rendimentos derivados de prestações de serviços só poderão ser tributados no Estado da residência da empresa, neste caso, Portugal.

Nesta última situação, à qual nem deveria haver necessidade de se recorrer, a AFCV ainda assim entende que, para que a CDT possa ser aplicada, a entidade portuguesa deverá fazer prova, perante a entidade pagadora, em como os rendimentos que estão a ser obtidos em Cabo Verde foram efectivamente tributados em Portugal. Sem que esta prova seja feita, o afastamento da retenção na fonte não poderá ser aplicado. Se dois Estados acordam assinar uma CDT, com base na livre vontade de ambos, que direito assistirá à AFCV o de exigir um formalismo que na prática se torna impossível de cumprir?

Do ponto de vista prático, como é que em Fevereiro ou Março de um determinado exercício, conseguiria o beneficiário português dos rendimentos demonstrar que os mesmos tinham sido efectivamente sujeitos a tributação, se a sua declaração Modelo 22 do IRC só seria submetida em Maio do exercício seguinte? É certo que os Estados signatários são livres de estabelecer os formalismos necessários à aplicação das CDT. No entanto, a única condição que deverá ser exigível é a do comprovativo de residência fiscal da entidade portuguesa.

Deste modo, na ausência de modelo oficial, com base no qual seja demonstrado o cumprimento daquela condição, bastará às empresas portuguesas remeterem à empresa cabo-verdiana devedora dos rendimentos, o certificado de residência fiscal em Portugal em formulário de Modelo 2-RFI.

Em conclusão, apesar de, conceptualmente, os rendimentos de prestações de serviços não se encontrarem sujeitos a tributação em Cabo Verde, por falta de regra de sujeição, os prestadores de serviços portugueses poderão ainda recorrer à CDT para reforçar essa não necessidade de retenção na fonte. Assim, a bem da continuidade das boas relações comerciais com Cabo Verde, vamos lá enviar os referidos Modelo 2-RFI para Cabo Verde e esperar que tudo corra pelo melhor. E que os 100% do valor acordado venham cá parar.

TOME NOTA

1. Até à data, o regime fiscal cabo-verdiano não contempla uma norma de incidência que permita tributar em Cabo Verde os rendimentos derivados da prestação de serviços, auferidos por entidades não-residentes.

2. Ainda que tal norma existisse, as entidades residentes para efeitos fiscais em Portugal teriam a possibilidade de accionar os mecanismos previstos na CDT entre Portugal e Cabo Verde e afastar a necessidade de sofrer retenção na fonte neste território.

3. Caso a entidade pagadora em Cabo Verde insista na aplicação da retenção na fonte, à taxa de 20%, o mais provável é que o montante correspondente àquela percentagem venha a consubstanciar-se num custo financeiro acrescido para a entidade portuguesa beneficiária dos rendimentos, já que a nossa lei interna não permite a concessão de crédito de imposto nas situações em que a CDT não for devidamente accionada.

4. Resta saber até quando é que o Governo cabo-verdiano vai continuar a ignorar esta questão, que tanta polémica tem gerado entre os contribuintes e a AFCV, com a agravante de dificultar as relações comerciais entre Portugal e Cabo Verde.

*www.pwc.pt/com

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